Em RO, órgãos questionam terceirização da saúde pela Prefeitura de Vilhena

A empresa contratada não tem registro junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero). (Prefeitura de Vilhena/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Órgãos de fiscalização e controle querem saber o motivo da Prefeitura de Vilhena, cidade do interior de Rondônia, a 705 quilômetros da capital Porto Velho, terceirizou a prestação de serviços de saúde. A notificação endereçada à administração do município foi emitida em conjunto pelo Ministério Público de Contas de Rondônia (MPC-RO), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público Federal (MPF).

Ao contrário da transferência para a iniciativa privada, o documento sustenta que é o poder público quem deve cuidar do setor e afirma que o objetivo da notificação é prevenir possíveis prejuízos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Leia também: Em Rondônia, Prefeitura de Vilhena decreta estado de emergência em saúde

Hospital Regional de Vilhena (HRV), principal unidade de saúde instalada no município (Foto: reprodução)

Terceirização

A transferência dos serviços foi anunciada no mesmo dia em que o prefeito de Vilhena, Delegado Flori Cordeiro (Podemos), decretou estado de emergência em saúde, em 24 de janeiro. Desde então, as unidades vêm sendo administradas pela Santa Casa de Chavantes, uma instituição filantrópica com sede no município de Chavantes, em São Paulo. 

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O convênio celebra uma prestação de serviços complementares aos SUS, de forma integrada, para manutenção e ampliação da assistência à saúde. Para isso, a prefeitura paga mais de R$ 9 milhões por mês. E, com o contrato de seis meses, os serviços fecham em cerca de R$ 55,5 milhões. Daí, outra preocupação dos ministérios públicos: a questão financeira e a transparência.

“Tal valor corresponde a 50% da soma das dotações orçamentárias destinadas ao Fundo Municipal de Saúde de Vilhena para todo o exercício financeiro de 2023. Há também uma taxa de administração, pactuada na razão de 4,5% sobre o valor do repasse mensal, o que equivale a mais de R$ 416 mil/mês”, alertam MPC-RO, MPT e MPF. 

No documento, os órgãos ministeriais estabelecem uma série de diretrizes ao município, como a comprovação de que a privatização trará melhor desempenho e menor custo na prestação dos serviços à população. Também estabelecem a preservação dos direitos dos servidores públicos municipais e cedidos, adoção de indicadores de qualidade, fiscalização dos serviços e comprovação de experiência da entidade conveniada na área, além de documentos que demonstrem regularidade fiscal e trabalhista, entre outras recomendações. 

A notificação foi emitida em 9 de fevereiro e estabelece prazo de 15 dias para as explicações do executivo.

A Santa Casa de Chavantes administra a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e o Hospital Regional de Vilhena (HRV).

Problemas

Para a Secretaria Municipal de Saúde de Vilhena (Semus), os principais problemas enfrentados na linha de frente são as condições dos equipamentos das unidades, as filas por atendimento especializado e o surto dos casos de dengue. O desvio de funções é outro obstáculo enfrentado. 

Ainda em janeiro, a Semus informou que encontrou um rombo de mais de R$ 50 milhões no orçamento e que este seria mais um dos motivos para o estado de emergência. Um relatório cita ainda falhas na gestão municipal anterior.

Unidade Básica de Saúde (UBS) Afonso Mansur de França, uma das unidades administradas pela Santa Casa de Chavantes (Foto: Reprodução)

À REVISTA CENARIUM, uma profissional da saúde conta detalhes da realidade vivida pelos servidores. Ela diz não ver sentido na terceirização da saúde e, por segurança, prefere não se identificar.

“Do dia para noite, a gente fica sabendo que foi declarado esse estado de emergência na saúde pública de Vilhena. O relatório que embasou a declaração, ao meu ver, não tem dados que deem sustentabilidade, ele é tendencioso para que seja feita a contratação dessa empresa terceirizada nesse formato tão integral, então, não posso ser conivente com isso”, afirmou à reportagem. 

“Se a gente não vigiar, essas iniciativas vão entrando e, daqui a pouco, o SUS estará em total desmonte”, disse ainda. 

A servidora pública também diz que o marketing utilizado para promover o convênio e as falas do próprio prefeito dão a entender que os profissionais de saúde “são totalmente incompetentes”. “Eu tenho uma convicção muito grande de que o que falta é, realmente, gestão. É o município parar de fazer politicagem e colocar profissionais técnicos nos cargos de liderança e de gestão, que sabem o que deve ser feito. Para mim, esse é o problema que está levando Vilhena a ter uma saúde do jeito que está, deficitária”, criticou.  

Greve

Na última quarta-feira, 15, o prefeito Flori Cordeiro lamentou o anúncio de greve de profissionais da saúde em Vilhena, que lutam por reajuste de 50% no salário-base e anunciou que “novas contratações podem ocorrer para diminuir os transtornos causados pela paralisação”. As novas admissões ficariam a cargo da Santa Casa. 

“Espero profundamente que os profissionais compreendam a situação do atual sistema de Saúde de Vilhena, pois nosso objetivo, conforme já revelado no encontro anterior, é de gerar economia aos cofres públicos por meio do modelo de gestão compartilhada junto à Santa Casa de Misericórdia de Chavantes”, disse Flori. 

Já nesta quinta, 16, a greve foi barrada depois de um acordo entre a prefeitura e o Sindicato dos Servidores Municipais do Cone Sul de Rondônia (Sindsul). Ficou estabelecido que trabalhadores da categoria D (todos os profissionais de saúde com nível Superior, exceto médicos) vão receber reajuste de 50% no auxílio-alimentação, que passa de R$ 500 para R$ 1 mil, até que o executivo tenha recursos para atualizar o valor no salário-base.

Recomendações

O Conselho Regional de Medicina de Rondônia (Cremero) também vê riscos com a terceirização. O órgão alerta à prefeitura que a Santa Casa de Chavantes não tem registro junto à entidade, e que médicos servidores do município deverão ter escalas de plantões separadas dos profissionais terceirizados, sob risco de responsabilidade e improbidade administrativa.

O Cremero diz também que médicos afirmam que na falta de diretor técnico da empresa, as escalas estão sendo assinadas por servidores públicos de forma irregular. Já o Conselho Estadual de Saúde (CES), que também assina a nota, aponta a discrepância entre o motivo de estado de emergência “e o que realmente acontece na saúde do município”.

“As entidades repudiam o fato da utilização de decreto emergencial da prefeitura de Vilhena como manobra para desfazer os contratos licitados em execução”, diz um trecho.

Os conselhos determinam que a administração providencie com urgência o registro da Santa Casa junto ao Cremero, registro do Diretor Técnico da empresa e a revisão da decisão de terceirizar totalmente a saúde do município, entre outras recomendações. 

O Sindicato Médico de Rondônia (Simero) e o Conselho Municipal de Saúde de Vilhena (CMS) também assinam a notificação. O documento já foi recebido pela prefeitura.

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