Entenda como a Amazônia influi na diversidade de sapos da Mata Atlântica

Foto da espécie de rã da corredeira Hylodes sazimai (Lucas Ferrante/Revista Cenarium)
Lucas Ferrante – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS – Em estudo recente publicado no renomado periódico científico Conservation Biology, foi demonstrado que a Floresta Amazônica exerce um papel fundamental para moldar a biodiversidade de um outro bioma brasileiro, a Mata Atlântica. O estudo, que teve a parceria de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Biotrópica Consultoria Ambiental e da Nasa, monitorou o transporte de água da Floresta Amazônica, até o bioma da Mata Atlântica no sudeste do Brasil. Este fenômeno do transporte de umidade da Amazônia para outros cantos do País, é conhecido como “rios voadores” e chega a ser responsável por até 70% das chuvas de algumas bacias hidrográficas.

Os pesquisadores verificaram que uma pequena espécie de rã, conhecida pela ciência como Hylodes sazimai e que ocorre, exclusivamente, em riachos encachoeirados nos municípios de Campinas-SP, Poços de Caldas-MG, Caldas-MG e Areado-MG, apresentavam variações morfológicas entre as populações de cada um dos municípios, em decorrência da diferença das chuvas que caem sobre cada localidade, sendo que grande parte destas chuvas tem sua origem na Floresta Amazônica.

O achado também revelou que em localidades com menor índice de chuvas, os animais têm sofrido adaptações para evitar a perda de água, como redução do tamanho corporal e encurtamento de membranas nas patas. Dentre os achados mais importantes do estudo, está o fato do aumento do desmatamento da Amazônia estar influindo na diminuição das chuvas do sudeste do Brasil, o que além de afetar o abastecimento humano e a agricultura, tem causado a diminuição da população da espécie de rã Hylodes sazimai que já se encontra ameaçada de extinção.

PUBLICIDADE

Apesar da corrida evolutiva da espécie para se adaptar aos ambientes que estão se tornando mais secos, o que ocorre por meio de seleção natural, onde indivíduos com características que levam vantagem no ambiente tem maior taxa de sobrevivência e acabam transmitindo estas características a seus descendentes, as mudanças climáticas em curso têm se demonstrado mais rápidas que este processo, o que tem causado o declínio populacional da espécie e uma provável extinção em poucos anos.

Métodos científicos

Para comprovar os achados, o estudo contou com uma ampla gama de diferentes métodos científicos, como análises genéticas entre as diferentes populações da pequena rã, com a finalidade de demonstrar que, de fato, se tratava da mesma espécie, porém, que eram diferentes populações isoladas entre si. O estudo também analisou as diferenças climáticas entre cada uma das quatro localidades de ocorrência da espécie, com base em dados do Projeto GRACE da Nasa. As chuvas responsáveis pelo clima de cada uma das quatro localidades do estudo, também tiveram sua origem rastreada por análises de teleconexão, um tipo de análise que investiga diferentes efeitos climáticos na atmosfera, como fluxos de chuvas e sua correlação com a temperatura e ventos.

As análises revelaram que as chuvas das regiões estudadas, se originaram na Costa da África e percorrem todo o Oceano Atlântico, adentrando, posteriormente, a região Norte do Brasil em direção à Amazônia. Por sua vez, estas chuvas foram recicladas por meio da evapotranspiração da Floresta Amazônica, um tipo de respiração da floresta que joga novamente a umidade para a atmosfera, sendo posteriormente transportada pelos ventos de baixa pressão até as regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Este fenômeno também só ocorre por conta a geomorfologia da América do Sul, ou seja, a formação do terreno, uma vez que a Cordilheira dos Andes atua como uma barreira para os ventos de baixa pressão carregados de umidade, impedindo que eles se dispersem para o Oceano Pacifico e, assim, sendo direcionados pela própria cordilheira para as regiões Sul e Sudeste da América do Sul. 

Imagem do estudo da Conservation Biology que mostra o fluxo de chuvas da Amazônia para a região sul e sudeste do Brasil.

Este estudo é particularmente importante, pois reforça o papel da Amazônia na manutenção do clima global e na formação das chuvas que abastecem a região Sul e Sudeste do Brasil. Ademais, este foi o primeiro estudo que demonstrou como este serviço ecossistêmico dos “rios voadores amazônicos”, pode influenciar as dinâmicas populacionais e a evolução dos organismos da Mata Atlântica.

Preocupantemente, o estudo demonstrou que o “arco do desmatamento Amazônico”, região que concentra o desmatamento na borda leste da Amazônia, já concentra anomalias climáticas em decorrência da perda da floresta que impactam negativamente na evapotranspiração. Consequentemente, isso tem causado a perda de umidade e de chuvas que são transportadas para o sul e sudeste do Brasil.

Vários estudos científicos já tem demonstrado que a região sul e sudeste tende a enfrentar um desabastecimento hídrico devido ao aumento do desmatamento da Amazônia, e este estudo mostra que o desmatamento zero para a Amazônia é a única alternativa para frear as mudanças climáticas que ameaçam a biodiversidade, o abastecimento humano e a agricultura do sul e sudeste do país. Neste contexto, o estudo ainda dá recomendações claras ao Governo Federal, da necessidade eminente do governo rever grandes obras na Amazônia, que tem como consequência de sua execução o aumento do desmatamento, como é o caso da rodovia BR-319 que liga Porto Velho-RO, no “arco do desmatamento amazônico”, até Manaus-AM, na Amazônia central.

O estudo demonstrou que a pavimentação da rodovia ampliaria as anomalias climáticas do “arco do desmatamento” até a Amazônia central, o que afetaria drasticamente as chuvas da região sul e sudeste do Brasil.

Leia o estudo na íntegra: https://conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/cobi.14033

*Dr. Lucas Ferrante, autor deste texto de divulgação científica, também foi o pesquisador responsável por coordenar o estudo publicado no periódico científico Conservation Biology.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.