Entenda por que crítica de vereador de Manaus a funk se relaciona a ‘racismo cultural’

Jovens dançam funk em grupo (Reprodução/Internet)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – “Falas contrárias ao funk revelam elitismo, racismo e a intenção de marginalizar e criminalizar sujeitos que já estão em vulnerabilidade social”. Assim define o mestre em Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia Danilo Cymrot sobre a criminalização do funk no Brasil. Nesta semana, um exemplo de segregação ao ritmo musical ocorreu na Câmara Municipal de Manaus (CMM), quando o vereador Raiff Matos (DC) disse que o funk deveria tocar somente em ambientes de prostituição.

“Seria normal se essa música tivesse tocando tão somente dentro de um prostíbulo (…) o que me assusta é que isso foi veiculado nas escolas em Manaus. Isso é um absurdo, isso é lastimável. Expor a criança a conteúdo pornográfico dentro do ambiente acadêmico escolar. Não podemos romantizar, não podemos relativizar esse tipo de coisa. A criança está em formação do caráter. Isso é muito mais importante do que o buraco, do que falta d’água, do que iluminação”, disse o parlamentar na sessão do último dia 1º.

Na tese, Cymrot expõe o funk como uma prática cultural produzida e consumida, na maioria das vezes, pela juventude pobre e negra. Ele avalia os aspectos culturais do ritmo como objeto de uma política penal, em detrimento de uma política cultural. No texto, o histórico da criação e a popularização do funk são abordadas como meios de cultura que ganharam as classes sociais mais baixas e com menos acesso a ao entretenimento e atividades de lazer.

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Funkeiros em baile (Reprodução/Google Brasil)

“Neste ponto, a emergência de movimentos culturais como o funk e o hip hop são importantíssimos, uma vez que colocam o jovem da periferia pela primeira vez no protagonismo da condição de ser jovem e reivindicar seus direitos na esfera da cultura, seja por meio das letras de raps e funks, seja por meio de invasões simbólicas e ruidosas na cidade, rotuladas como badernas anárquicas pré-políticas”, diz o autor no estudo.

Inicialmente derivado da soul music – gênero musical inspirado no Rhythm and blues e no gospel dos EUA, entre o fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, especialmente entre os negros – o gênero, com o passar dos anos, sofreu diversas transformações. Trazido para o Brasil no final dos anos 1970, os primeiros bailes funks eram realizados na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Racismo e preconceito de classe

Para a jornalista e advogada Luciana Santos, que é ativista do movimento negro, o preconceito com o funk está ligado ao racismo e ao preconceito de classe, já que o ritmo nasce e retrata a realidade das comunidades pobres brasileiras. Ela destaca que uma das estratégias de dominação do racismo é desqualificar e criminalizar os saberes e a cultura de pessoas negras.

“Se a gente fizer um resgate histórico, o samba já esteve nesse lugar, apesar de hoje ser o ritmo musical que representa a brasilidade. Ser sambista era sinônimo de vadio e vadiagem era crime tipificado. A virada de chave ocorre quando o Brasil decide vender uma imagem de paraíso racial, no período entre guerras. Aí o samba sai do quintal e passa para a sala de estar”, ressalta Luciana Santos.

A jornalista e advogada Luciana Santos (Reprodução/Redes Sociais)

Em relação ao pronunciamento do vereador na Câmara de Manaus, a jornalista e advogada afirma que falas contrárias ao funk, revelam elitismo, racismo e a intenção de marginalizar e criminalizar sujeitos que já estão em vulnerabilidade social.

“Não é à toa que tentam ligar a imagem do funk ao tráfico e a outras condutas criminalizadas. Esse ataques são um projeto contra determinados corpos”, destaca.

Sobre a declaração

O vereador Raiff Mattos (DC) afirmou na última quarta-feira, 1º, que profissionais de educação que atuam em escolas municipais de Manaus estão reproduzindo músicas de funk, com conteúdo pornográfico, em sala de aula. Ao iniciar o tempo de fala na sessão, ele iniciou o pronunciamento ao som de um funk do estilo ‘proibidão’ – estilo composta por letras voltadas a maiores de 18 anos.

Raiff chegou a divulgar imagens dos menores dançando e repudiou a ação considerada como “ato pornográfico”. Na semana passada, a CMM promulgou Lei n° 549, do vereador Raiff, que proíbe apresentações com músicas e danças de conteúdo erótico ou sensual nas escolas da rede pública de ensino de Manaus.

Veja vídeo:
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Editado por Jefferson Ramos
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