‘Estado nenhum no mundo cria empregos’, afirma empresário do AM em vídeo; especialistas discordam

Economista entrevistado pela CENARIUM atribui à informalidade o problema da diminuição no poder de compra dos consumidores e, consequentemente, a piora na economia (Tania Rego/Agência Brasil)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – O empresário Djalma Leite Pinheiro Neto, sócio de um restaurante japonês com pontos em diversos locais de Manaus, compartilhou um vídeo em suas redes sociais pedindo para que o público não vote no candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e afirma que ele “mente” ao dizer que o “Estado é responsável pela geração de empregos”. Especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM discordam da afirmação do empresário.

De dentro do carro, em uma gravação feita para parecer espontânea, Djalma critica os principais direitos trabalhistas e afirma que a iniciativa privada é quem detém o poder de gerar vagas, mas que só consegue gerar quando não é barrada por “impostos e burocracia”, citando que esse é o plano de governo de Lula. Djalma ainda afirma ser eleitor de Jair Bolsonaro (PL), atual presidente e candidato à reeleição.

Gente, aqui vai um alerta para vocês, não se enganem quando vocês estão ouvindo o Lula dizer que vai criar emprego. Estado nenhum no mundo cria empregos, quem cria empregos é empreendedor, é empresário“, afirma o dono de restaurantes.

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Empresário compartilhou um vídeo pedindo para que o público não vote em Lula (PT) nas Eleições 2022 (Reprodução/Redes Sociais)

O economista Inaldo Seixas explica que o Estado pode implementar políticas públicas de incentivo em diversos setores da economia nacional. “Temos áreas como de logística, serviços, indústria e outros. Esses incentivos feitos pelo Estado estão diretamente atrelados ao investimento em estradas, ferrovias, comunicações, saneamento básico e uma série de infraestruturas necessárias e que podem gerar muito emprego e renda“, conta.

Mais incentivos e menos burocracia

O empresário segue o vídeo afirmando que quanto mais incentivo os empresários têm e quanto menos burocracia precisam lidar, e com menor presença do Estado na regulação das empresas, mais conseguem gerar empregos. “Quanto menos tem o Estado no nosso pé querendo cobrar tributos altos, querendo botar uma lei trabalhista ‘lá em cima’, que é o plano de governo do Lula, querendo voltar os sindicatos, pra gente pagar impostos sindicais obrigatórios, quanto mais a gente tem isso, menos incentivo a gente tem pra gerar emprego, menos incentivo a gente tem pra abrir empresa“, afirma.

Veja o vídeo do empresário:

Para Inaldo, reclamar de encargos é disseminar um discurso inverídico sobre como o mecanismo de geração de emprego funciona. O economista desmente que isso afete os incentivos da geração de emprego e atribui à informalidade o problema da diminuição no poder de compra dos consumidores e, consequentemente, a piora na economia.

Precisamos regular, novamente, o mercado de trabalho para garantir os direitos trabalhistas e, com isso, garantir renda. Isso estimula o aumento da capacidade de consumo e garante ter acesso a crédito, porque nenhum empresário vai vender ou nenhum banco vai emprestar dinheiro para um trabalhador informal, que não sabe se no mês seguinte vai ter renda“, explica.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego no Brasil caiu no segundo trimestre de 2022, mas, ao mesmo tempo, o índice de pessoas trabalhando na informalidade cresceu para 37,6% entre as pessoas ocupadas no País, em maio.

Nós já estamos com uma reforma trabalhista que precarizou muito o mercado de trabalho. Os trabalhadores têm pouca cobertura. Existe, hoje, uma terceirização estimulada por essa nova reforma, o famoso trabalho intermitente, que o trabalhador não tem o número de horas suficientes trabalhadas, então, ele não consegue atingir uma renda necessária nem para contribuir ao INSS“, afirma Seixas.

Reforma tributária

Para o economista, o País precisa de uma reforma tributária, principalmente, que diminua os tributos nas intermediações de mercadorias. “É possível manter uma tributação razoável internacional para as empresas e cobrar dividendos dos empresariados, coisa que no Brasil não se cobra“. O economista explica que na atual tributação, o trabalhador paga taxas de até 27% sobre a renda, enquanto empresários não são tributados em seus lucros.

Uma vez que o empresário tem o lucro da empresa, ele vai retirar esses dividendos da empresa ou de uma aplicação financeira no fundo, ele não paga imposto, então, a gente tem que ajustar, diminuir o imposto de renda para as franjas mais baixas, para tirar o imposto das classes menos favorecidas e subir para quem tem mais dinheiro“, sugere.

Relações de Trabalho

O sociólogo e professor do departamento de Ciências Sociais da Ufam, Marcelo Seráfico, acredita que a visão do empresário revela uma compreensão limitada sobre a relação entre Estado e economia. Isso porque empresários não criam empregos, eles demandam força de trabalho.

A desregulação das relações de trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos de trabalhadores precariza as condições de vida dos trabalhadores e, inegavelmente, aumenta a possibilidade de lucro dos empresários“, analisa. “O Estado, portanto, se torna um agente que deve buscar equilibrar essas relações, assim como assegurar as condições jurídico-políticas das pessoas“. O sociólogo explica que apenas com isso será possível que qualquer pessoa, seja empresário ou trabalhador, seja, de fato, um cidadão.

O professor afirma que os impostos são a fonte que deve financiar as políticas voltadas para a garantia dos direitos de todos os cidadãos. “Se isso não ocorre, o caminho não é o da pura e simples redução de impostos, mas, sim, da avaliação do destino desses recursos, assim como da avaliação sobre a elisão fiscal e sonegação de impostos praticadas por muitos dos que mais ganham”, diz o especialista, que acredita que se a relação entre o Estado e a economia for vista de maneira simplória ou for minimizada, a tendência é que os problemas sociais fiquem ainda piores.

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