Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*
MANAUS – O impeachment da ex-presidente de República Dilma Rousseff foi o “pontapé” para o início de uma nova fase da desinstitucionalização e do desmonte das políticas para as mulheres no Brasil, apontaram pesquisadoras no estudo “De política pública à ideologia de gênero: o processo de (des) institucionalização das políticas para as mulheres de 2003 a 2020“, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo foi divulgado em abril deste ano, assinado pelas pesquisadoras Carolina Pereira Tokarski, Luana Simões Pinheiro, Ranna Mirthes Sousa Correa, além da pesquisadora associada Krislane de Andrade Matias.
O texto mostra, baseando-se em indicadores, como, a partir de 2003, as ações voltadas para as mulheres começaram a ganhar espaço na agenda política brasileira, se alinhando aos instrumentos internacionais de direitos, como a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim da ONU Mulheres. Porém, a partir de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro (PL), iniciou um desmonte, com o avanço do neoconservadorismo no Legislativo brasileiro e no Executivo Federal.
Entre os motivos dessa “desinstitucionalização” e “desmonte” estão, segundo as autoras: a persistência da baixa representação feminina no Congresso Nacional; avanço dos segmentos conservadores, como a “bancada evangélica, da bala e ruralista”; momento político que culminou com o processo de interrupção do mandato da então presidente recém-eleita Dilma Rousseff, em 2015.
“A partir de 2019, este processo se aprofunda e pode-se falar, então, na existência de um novo período
na agenda das políticas para as mulheres, efetivamente pautado pelo desmonte daquilo que foi construído entre 2003 e 2014“, afirmam.
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Ciclos
Para explicar os dois momentos, o estudo se refere a eles como “ciclos“. O primeiro ciclo, denominado “estagnação da política e retração do mecanismo institucional para as mulheres“, cobriu o primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015) e a gestão de Michel Temer, entre 2016 e 2018. O segundo ciclo, compreendido como “desmonte”, considera os dois primeiros anos da gestão de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2020.
Entre os acontecimentos do primeiro ciclo, as pesquisadoras citam a reforma ministerial no segundo mandato de Dilma Rousseff, que resultou na perda de status ministerial da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), incorporada ao então recém-criado Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, e unindo-se a duas outras secretarias de mesmo status – de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a de Direitos Humanos.
“A alteração implicou o aumento das dificuldades burocráticas para o processamento das políticas tocadas pelas secretarias extintas (Ipea, 2018), comprometendo a capacidade de entrega de serviços para a população entre 2015 e 2016, e ainda se configurou em uma importante perda simbólica da agenda de políticas para as mulheres que novamente deixou de ter status ministerial e passou a uma pauta de menor importância“, aponta o estudo.
Além disso, houve, ainda, a nomeação de gestoras da secretaria com perfil conservador, como no caso de Fátima Pelaes, em 2016. O orçamento destinado à SPM também começou a preocupar, já que ainda em 2015, chegou a quase R$ 300 milhões, e em 2016, porém, foi reduzido praticamente à metade.
Segundo ciclo
Já no segundo ciclo, o estudo mostra que a eleição de Jair Bolsonaro centralizou tanto pautas de austeridade fiscal quanto de morais e costumes que afetaram diretamente as discussões sobre os direitos das mulheres e a igualdade de gênero. A então ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, anunciou no segundo dia de governo uma nova era para as políticas das mulheres, dizendo que: menino veste azul e menina veste rosa”.
“Esta frase sintetiza os estereótipos a partir dos quais são construídas as clivagens de gênero na sociedade, e é a partir do retorno destes estereótipos na narrativa e também na institucionalidade da política para as mulheres, que a “nova era” de desmonte das políticas para as mulheres acontece, na arena da concepção tradicional da família, dos estereótipos e da religião“, aponta o estudo.
Confira o estudo na íntegra:
(*) Com informações do Ipea