Fundo cria financiamento para educação rural na Amazônia

Na Amazônia, 'o rio comanda a vida', já dizia o escritor Leandro Tocantins, por isso os ciclos são fundamentais para projetos de educação rural (Reprodução/Internet)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – A lançamento do Fundo Territórios Unidos por Recursos para a Educação (Future), pelo Instituto Interelos, com o apoio do Fundo JBS pela Amazônia, no último dia 21, em São Paulo, promete destinar recursos para o financiamento de Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e Casas Familiares Rurais (CFRs) na Amazônia. O modelo integra a educação na cadeia produtiva, trazendo a realidade de vida do jovem do campo como elemento de aprendizado para ter um caráter mais contínuo e duradouro. Trata-se de investimento em educação e sustentabilidade.

O aporte inicial será de R$ 1,6 milhão, realizado pelo Fundo JBS pela Amazônia, para a estruturação e manutenção do projeto nos próximos três anos. A estimativa é de que até 2027, o fundo arrecade R$ 60 milhões. A REVISTA CENARIUM conversou com o antropólogo e professor do Instituto Federal de Educação do Amazonas (Ifam), Alvatir Carolino, sobre a proposta. “O fundo é importante, mas, é preciso ter perenidade e entender as questões geográficas da Amazônia e as múltiplas culturas que têm suas especificidades”, destacou o técnico.

As escolas ribeirinhas são comuns na Região Amazônica, que concentra a maior bacia hidrográfica do mundo e uma geografia peculiar (Marcello Vitorino/iStock)

Alvatir destacou: “É preciso entender os ciclos que são determinantes na nossa região, então, a instalação dessas casas destinadas à educação precisam respeitar as múltiplas dimensões da vida rural amazônica, que precisam ser observadas e respeitadas para se instalar projetos dessa natureza. São ideias que precisam dialogar com as realidades geográficas e as peculiaridades de cada povo. São dimensões geográficas e culturais”, aconselhou. “É como diz o escritor Leandro Tocantins: na Amazônia, o rio comanda a vida”, salientou.

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Inspiração francesa

Inspiradas em um modelo francês, as Escolas Família Agrícolas (EFAs) e as Casas Familiares Rurais (CFRs) chegaram ao Brasil na década de 1980 e, hoje, fazem parte da realidade de alunos, professores e famílias inteiras, nas regiões mais afastadas dos grandes centros e menos populosas do País. Na Amazônia, as longas distâncias dificultam o deslocamento de estudantes para as escolas tradicionais. É nesse contexto que as EFAs e as CFRs se apresentam como um dos modelos de ensino mais adequados, já que são baseadas na pedagogia da alternância – método em que o aluno passa 15 dias na escola e 15 dias em casa.

Nas zonas rurais da Amazônia, os ciclos produtivos, o clima e a geografia são determinantes para implantação de projetos educacionais (Reprodução/Internet)

Alvatir atentou para outro detalhe: “As unidades de educação do campo precisam estar em sintonia, inclusive, com os ciclos produtivos. Em determinadas regiões acontecem o ciclo da castanha, já em outra é o ciclo da piaçava e, em outras, é temporada dos peixes”, detalhou. “Tudo isso deve ser levado em consideração ao se implantar projetos como as EFAs e CFRs”, ponderou. “É necessário que essas escolas se adequem à vida dessas pessoas. É a unidade educativa que tem que se moldar à vida dessas pessoas e não as pessoas que tem que se moldar às escolas”, enfatizou.

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O técnico pontuou: “Claro que o financiamento é fundamental porque é ele que vai garantir estabelecimento, sistema de transporte para professores, alojamentos adequados e bolsas para atividades específicas para professores e técnicos, caso isso não exista é um desestímulo. Outro fator é o deslocamento dos estudantes e suas famílias. Há casos em que a família passa dois dias viajando para chegar na escola e, nesses casos, bolsas são de grande valia”, analisou. “O fundo pode dar certo, mas, ele precisa dialogar, principalmente, com o Instituto Federal de Educação (Ifam), que tem um enorme know how nessa área”, finalizou.

Conhecimento

Mesmo com as dificuldades elencadas, o antropólogo Aerton Paiva, fundador do Instituto Interelos, comentou: “O Future não vai apenas garantir o fluxo financeiro para as escolas, vai também receber projetos para auxiliar na qualidade de gestão, com equipes que vão treinar os próprios alunos. Isso será parte fundamental do conhecimento. Estamos dizendo que esse bioma é importante e uma parte fundamental desse bioma são as pessoas, são elas que podem fazer as transformações. O fundo talvez seja uma das contribuições de maior profundidade do processo de preservação, conservação e expansão sustentável do bioma amazônico”, avaliou.

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