Governo de RR renova contrato milionário para manter maternidade provisória

Única maternidade de Roraima funciona em estrutura provisória desde 2021 (Divulgação/Secom-RR)
Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia

BOA VISTA (RR) – A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA teve acesso ao contrato assinado no valor de R$ 420,5 mil, nesta quarta-feira, 9, pela secretária de Saúde de Roraima (Sesau), Cecília Lorenzon, que renova o trabalho com a empresa responsável pela estrutura improvisada do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth (HMINSN), conhecida como “maternidade de lona”. A prorrogação ainda não foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).

O valor da “maternidade de lona” é de R$ 13 milhões anuais, operada por Ágora Engenharia, responsável pela estrutura provisória. Desse modo, a estrutura de tendas e lonas, erguida em 2021, durante a pandemia, agora passa a custar o valor total de R$ 38 milhões aos cofres públicos, com a justificativa da elevação de preços dos materiais da estrutura. O valor é próximo da reforma geral do prédio da maternidade, que é de R$ 38,5 milhões.

A Sesau a principio recusou a proposta por falta de dinheiro suficiente, anunciando uma pesquisa de preços para comprovar a vantagem da oferta. Mas no mesmo dia a Cecília Lorenzon pediu com urgência da Procuradoria-Geral do Estado um parecer sobre a minuta do novo termo, até que à noite, assinou junto com a empresa o aditivo definitivo, pois o documento anterior estava previsto para expirar nessa quarta.

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‘Maternidade de lona’

Para dar início à reforma da unidade, a Sesau transferiu, no dia 5 de junho de 2021, as pacientes do prédio da maternidade para uma estrutura improvisada no bairro 13 de setembro, Zona Oeste de Boa Vista. À época, o governador de Roraima, Antonio Denarium, afirmou que a situação duraria apenas cinco meses, mas passou dois anos e a população ainda aguarda pela entrega da obra.

Publicação no perfil oficial do governador de Roraima (Reprodução/Redes Sociais)
Denúncias

O que deveria ser uma solução temporária tornou-se um transtorno para muitas mães que dependem do serviço da unidade. Problemas recorrentes no local levaram a um grande número de denúncias sobre mau atendimento, filas intermináveis, mortes por negligência, dentre outras situações.

Um dos casos é o do Wanderson Souza, esposo da paciente Eusmarlin Carolina Valderrey, que relata que o filho morreu na barriga da esposa por negligência no atendimento da maternidade, em novembro do ano passado. O casal mora na Comunidade Serra Grande 2, em Cantá, no interior de Roraima, e por volta das 4h da manhã do dia 13 de novembro, a mulher começou a sentir fortes dores. Então, eles se deslocaram para a sede do município, cerca de 27 quilômetros da região onde vivem.

Em um posto de saúde, o enfermeiro plantonista aplicou dipirona injetável e solicitou que a gestante retornasse para casa. Contudo, por volta das 9h da manhã, ela tornou a sentir fortes dores e resolveu voltar à unidade, dessa vez, acompanhada por uma enfermeira que também reside na vila.

“Ela foi em trabalho de parto dentro do carro. Chegando lá no Cantá, recebeu todos os procedimentos que puderam ser feitos naquele momento e foi colocada na ambulância, indo com encaminhamento para a maternidade”, explicou Wanderson.

Eusmarlin Carolina e o esposo chegaram na maternidade por volta das 13h. A mulher havia perdido líquido amniótico, assim como o tampão mucoso. No entanto, segundo o denunciante, uma enfermeira informou que ela precisava continuar a gestação e pediu para que retornasse para casa.

“Aplicou uma dipirona novamente e mandou ela para casa. Ela não fez nenhum exame, não se aprofundou no que estava acontecendo. Não viu se não estava sendo normal aquela dor ou não. Simplesmente, achou irrelevante aquela dor”, disse.

À CENARIUM, uma enfermeira que trabalha na unidade disse, sob condição de anonimato, que é frequente a falta de medicamentos, materiais hospitalares e até lençóis para as gestantes. “Todas as pacientes reclamam da falta de medicamentos e isso é ruim para as gestantes. Já chegamos, aplicamos dipirona em mães com contração, para amenizar a dor enquanto não eram atendidas. Orientamos os pacientes a trazerem um lençol de casa, pois não tem aqui”, relata a profissional de saúde.

Reforma do prédio antigo da maternidade tem previsão para ser concluída em fevereiro de 2024 (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Mortes de bebês

Em um dos casos mais graves, registrado em julho, uma denúncia feita pelo Ministério Público (MPRR), Conselho Regional de Medicina (CRM-RR) e na Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (ALE-RR) apontou que três crianças morreram, possivelmente, por falta de diálise. Conforme o relato, houve demora para a realização do procedimento em dois recém-nascidos, enquanto no terceiro caso foi utilizado um cateter para adultos, o que não é adequado para crianças.

O MPRR e o CRM instaurou procedimentos internos para investigar o caso. A Comissão de Saúde da Assembleia se reuniu na última terça-feira, 8, e solicitou relatórios e procedimentos administrativos adotados pela Sesau para o esclarecimento do caso, e ainda uma consulta técnica ao CRM sobre possível infração ético-profissional.

“O Poder Legislativo está apurando o caso desde o dia em que recebeu as denúncias dentro das atribuições que cabem ao Parlamento”, afirmou o presidente da comissão, o deputado estadual Cláudio Cirurgião (União Brasil).

A estrutura improvisada também causa grandes transtornos para as pacientes. Durante o período chuvoso em Roraima, que teve início em abril, vários vídeos foram registrados mostrando a água da chuva invadindo a unidade pelo teto e deixando vários locais alagados.

A ‘maternidade de lona’ debaixo de chuva (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Falta de gestão

Desde março deste ano, está vigente um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao MPRR para que a reforma do prédio seja concluída em até 12 meses. O vice-governador e secretário estadual de Infraestrutura, Edilson Damião (Republicanos), deu previsão de entrega do prédio até fevereiro de 2024.

Além da reclamação da sociedade, há também a má gestão dos recursos, que evitou que a obra fosse concluída no prazo previsto. Aproximadamente, R$ 17 milhões em emendas parlamentares destinadas pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e pelo deputado federal Nicoletti (União Brasil-RR) foram perdidas por falta de uso. Os recursos seriam destinados para custear a construção de alas hospitalares, salas de administração, emergência, centro cirúrgico, cozinha, refeitório e a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.

Em razão da falta de recursos, os deputados estaduais aprovaram, no dia 4 de agosto, o Projeto de Lei (PL) autorizando o governo abrir crédito especial de R$ 15 milhões para a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf) concluir as obras.

Além disso, a demora arrisca R$ 5,2 milhões em recursos federais destinados para a construção de um bloco administrativo do Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), vizinho à estrutura provisória, enquanto o governo estadual usa o terreno da prefeitura de Boa Vista, responsável pela unidade infantil, para manter a maternidade.

A CENARIUM tentou contato com a Sesau para comentar sobre a renovação do contrato para a estrutura provisória da maternidade e sobre as denúncias em relação ao atendimento das mães e dos bebês, mas não teve retorno até o fechamento da matéria.

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Leia mais: Justiça multa Estado de Roraima por não concluir reforma de hospital no interior
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