Justiça manda transferir ‘Pelado’, suspeito de matar Bruno e Dom, por ‘receio de queima de arquivo’

Caso Bruno e Dom (Carla Carniel/Folhapress)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – O juiz federal Fabiano Verli, da Vara de Tabatinga (AM), determinou a transferência para um presídio federal de segurança máxima do principal acusado de assassinar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.

Bruno e Dom foram assassinados em 5 de junho, na região da Terra Indígena Vale do Javari, um dos lugares mais preservados da Amazônia.

Cidade de Atalaia do Norte, a mais próxima da Terra Indígena Vale do Javari (João Alet/AFP)

Na decisão, de 3 de outubro, o juiz apontou um “receio de queima de arquivo” e determinou que, ao menos um réu, Amarildo Oliveira, o “Pelado”, seja levado a um presídio federal.

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Segundo informações do processo, o destino deve ser a penitenciária federal de Campo Grande (MS). Hoje, “Pelado” está preso, preventivamente, em um presídio de Manaus.

Outros dois réus pelo duplo assassinato – Oseney de Oliveira, o “Dos Santos”, e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha” – também devem ser transferidos à unidade prisional federal.

A defesa dos réus afirmou que as condições dadas aos presos na carceragem da PF, em Manaus, não eram adequadas e que eles eram retirados das celas para “interrogatório forçado ou acareação indevida”. Os acusados, então, foram transferidos para um presídio comum de Manaus.

“De fato, presos não podem ser levados a todo momento para interrogatório e, segundo o direito brasileiro, devem ser ouvidos com a presença de seu advogado, se assim desejar”, afirmou o juiz federal responsável pelos processos dos crimes ocorridos no Vale do Javari.

“Por isso, para se evitarem situações de dúvida quanto à correção da atuação da PF, determinei a ida, pelo menos de Amarildo, para um presídio federal”, disse Verli.

Segundo a PF no Amazonas, a data das transferências é mantida em sigilo para preservar a segurança dos presos. O trânsito é uma responsabilidade do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), conforme a PF.

A polícia disse que interrogatórios de presos são uma praxe e que todos os direitos e garantias fundamentais dos acusados são preservados.

A defesa feita pela advogada Goreth Rubim discordou da transferência determinada a uma penitenciária federal e pediu que os réus fiquem no presídio em Manaus.

“Quanto ao pedido de que fiquem os presos, todos, em presídios de Manaus, não é a melhor solução, no entender da PF, e não vejo qualquer abuso nisso”, afirmou o magistrado. “O crime é de competência do setor federal e presídios federais existem para isso”.

O juiz disse existir “o justo receio de queima de arquivo”, o que justificaria uma transferência para a penitenciária federal.

“A alegação de que ficaram longe das famílias é relevante e forte o suficiente para ser levada em consideração, mas não é suficientemente forte para impedir que a Justiça Pública se acautele diante de possíveis cenários não muito favoráveis à incolumidade física dos presos”, cita a decisão.

Bruno e Dom foram assassinados no começo da manhã de 5 de junho. Os corpos só foram encontrados dez dias depois, em uma das margens do Rio Itaquaí, nas proximidades da comunidade onde moravam dois dos três denunciados e fora da terra indígena.

Base da Funai na entrada da Terra Indígena Vale do Javari (Lalo de Almeida/Folhapress)

O crime foi motivado pela atuação de Bruno na defesa dos indígenas do Vale do Javari e contra a pesca ilegal na região, que movimenta grupos organizados interessados principalmente no pirarucu. A atividade criminosa ocorre tanto dentro quanto fora da terra indígena.

O indigenista exerceu o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele foi exonerado do cargo em setembro de 2019, no primeiro ano do Governo Jair Bolsonaro (PL), em razão de sua atuação para repressão de garimpo ilegal e outras atividades criminosas no Vale do Javari.

Bruno, então, licenciou-se da Funai e passou a atuar para a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). Ele foi um dos responsáveis pela estruturação do serviço de vigilância indígena na região, criado em razão da ação deliberada do Governo Bolsonaro de enfraquecer a fiscalização de atividades ilícitas em terras indígenas.

A ação contra a pesca ilegal incomodou pescadores como “Pelado”. Um inquérito investiga, ainda, a atuação de um grupo criminoso de pesca ilegal no Vale do Javari, cujo comando é atribuído pela PF a Ruben Dario da Silva Villar, o “Colômbia”. As investigações tentam descobrir se há conexão entre a ação do grupo e o duplo homicídio de Bruno e Dom.

Colômbia foi preso por uso de documentos falsos e transferido para Manaus. Ele foi solto no último dia 21 após pagamento de fiança e cumpre prisão domiciliar.

O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas denunciou Amarildo, o irmão Oseney e Jefferson como autores dos homicídios no mês seguinte ao crime. A Justiça Federal aceitou a denúncia em 22 de julho, o que fez com que os três se tornassem réus.

A acusação é de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Outras pessoas das comunidades ribeirinhas onde viviam os dois irmãos são investigadas por suspeita de participação na ocultação dos corpos.

Na denúncia, o MPF argumentou que Amarildo e Jefferson confessaram os crimes. A participação de Oseney, por sua vez, foi comprovada por depoimentos de testemunhas, segundo os procuradores.

O órgão afirmou que já havia registro de desentendimentos entre Bruno e Amarildo por pesca ilegal no território indígena.

“O que motivou os assassinatos foi o fato de Bruno ter pedido para Dom fotografar o barco dos acusados, o que é classificado pelo MPF como motivo fútil e pode agravar a pena”, disse a procuradoria.

Indígenas fazem protesto em defesa de suas etnias e territórios e em homenagem ao indigenista Bruno Pereira e jornalista Dom Phillips (Pedro Ladeira/Folhapress)

O MPF afirmou, ainda, que Bruno foi morto com três tiros, sendo um pelas costas, sem possibilidade de defesa, o que também qualifica o crime.

Dom foi morto, segundo os procuradores, “apenas por estar com Bruno, de modo a assegurar a impunidade pelo crime anterior”. O jornalista fazia uma apuração jornalística sobre a atuação dos indígenas do serviço de vigilância.

(*) Com informações da Folhapress
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