Mercado de Carbono: Falta de regulação é risco a povos das florestas

Ribeirinho remando no Rio Negro (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – As discussões e estratégias para a implementação do mercado de carbono têm ganhado força, nos últimos anos, mas ainda carecem de legislação que regulamente a nova atividade econômica e garanta segurança jurídica para o desenvolvimento da atividade no Brasil.

É com essa finalidade que tramitam, no Congresso Nacional, projetos de lei que visam estabelecer as diretrizes para o sistema de compensações de emissão do gás de efeito estufa, como o PL n.º 528/21, do ex-deputado pelo Amazonas Marcelo Ramos (PSD), na Câmara dos Deputados, e o PL n.º  412/2022, de autoria do senador Chiquinho Feitosa (DEM-CE), no Senado.

A proposta de Ramos institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), para regular a compra e a venda de créditos de carbono. O crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases.

PUBLICIDADE
Leia mais: Estudo revela que emissão de carbono dobrou nos dois primeiros anos do Governo Bolsonaro
Projetos de lei sobre o mercado de carbono andam a passos lentos no Congresso Nacional (Marcello Casal JR/Agência Brasil)

Por se tratar de um projeto semelhante a outro proposto ainda em 2015 pelo ex-deputado Jaime Martins, de Minas Gerais, foi apensado ao PL, que prevê a redução das alíquotas de tributos — IPI, PIS/Pasep e Cofins — sobre a receita de venda dos produtos elaborados com a redução das emissões de gases do efeito estufa. Os textos tramitam na Câmara dos Deputados e a última movimentação ocorreu no dia 12 de maio deste ano, com a apresentação de requerimento para a criação de comissão especial que vai analisar a proposta.

Na Câmara, os projetos sofreram empecilhos. Ramos alegou, no ano passado, que o projeto estava emperrado por pressão do próprio governo federal, até então liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “A relatora [Carla Zambelli] chegou a publicar o texto, mas os ministérios da Economia e do Meio Ambiente a forçaram a apresentar outro relatório, que não era esse mercado regulado. Esse relatório foi levado à reunião de líderes e eu disse que não concordava. O presidente Arthur Lira (PP-AL) decidiu então não pautar o projeto até que se chegue a um novo acordo”, disse Ramos ao Congresso em Foco, à época.

O plenário da Câmara dos Deputados (Reprodução/Câmara dos Deputados)

Já o PL n.º 412/2022, do senador Chiquinho Feitosa, regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) de gases que provocam o efeito estufa, com o objetivo de dar segurança jurídica a todos os integrantes do mercado. No Senado, o projeto está na fase de audiências públicas de instrução para o debate do assunto na Comissão de Meio Ambiente da Casa Legislativa.

O coordenador da Rede Jurídica da Amazônia do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Ciro Brito, comparou o posicionamento do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro com o do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Não acho que dê para colocar 100% na conta do governo anterior. Até porque não tem unanimidade no campo sobre o Brasil ter que regular ou deixar o mercado como está, ou seja, voluntário. Daí, ter menos tensão nessa agenda sobre o governo. Esse governo atual tem como prioridade a agenda climática e ambiental”, explica.

O ex-deputado federal Marcelo Ramos no Plenário da Câmara. (Paulo Sérgio/ Câmara dos Deputados)
Segurança jurídica 

Brito lembra que a regulamentação pode trazer um campo para certificações públicas, que hoje são privadas e autônomas — feitas por auditorias externas — protocolos e metodologias para o Brasil, tornando o mercado atrativo para os envolvidos. 

Atualmente, as transações acontecem na lógica de um mercado voluntário. Isso significa que os créditos são auditados por auditorias externas independentes”, explica ele, lembrando da necessidade de regulamentação para criar segurança jurídica. “Sem um mercado regulado, as empresas ficam livres para definir suas metas de redução. E há quem avalie que isso é complicador para o cumprimento de metas pelos países”.

Pontapé na regulamentação

Em audiência pública no Senado, o diretor de Políticas de Mitigação do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Aloisio de Melo, afirmou que o governo federal está trabalhando em um projeto de lei para criar um mercado de carbono regulado no Brasil no modelo cap and trade, um sistema de comércio de emissões. 

Nesse sistema, o governo define os setores e entidades que vão ser regulados e impõe um limite para as emissões dessas entidades. Então, criam-se permissões de emissões compatíveis com esse limite, que são vendidas ou distribuídas gratuitamente. O preço dessas permissões se ajusta ao mercado.

O desmatamento é o principal responsável pelas emissões de carbono do Brasil (Ricardo Oliveira/AFP)

Esse limite não é definido individualmente por empresa ou por setor, mas sim para um conjunto de entidades reguladas nesse sistema que diz quanto as emissões devem ser reduzidas em cinco ou dez anos. Cada regulado define qual melhor estratégia, se reduz emissões ou se compra mais ativos que permitem compensar essa emissão”, afirmou Melo.

Leia mais: Especialista diz que AM pode gerar mais crédito de carbono
Medidas federais

O governo federal também tem buscado caminhos para estruturar o mercado de carbono no Brasil. Por essa razão, editou o Decreto nº 11.550, de 2023 (substituiu o Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022), criando o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), a quem compete, entre outras medidas, “estabelecer diretrizes e elaborar propostas para mecanismos econômicos e financeiros a serem adotados para viabilizar a implementação das estratégias integrantes das políticas relativas à mudança do clima”.

Presidente Lula e ministra do Meio Ambiente Marina Silva em evento do Dia Mundial do Meio Ambiente em 2023 (Ricardo Stuckert/PR)

Neste ano, o governo ainda sancionou a Lei 14.590/2023, que permite que os concessionários de florestas públicas desenvolvam atividades econômicas sustentáveis, como a comercialização de créditos de carbono a partir de projetos de conservação. A lei amplia o rol de atividades econômicas sustentáveis permitidas nas concessões de florestas públicas. Sancionada pelo presidente Lula no dia 24 de maio deste ano, a lei foi criada a partir da Medida Provisória 1.151/2022, já aprovada por Câmara e Senado.

O novo marco legal confere maior atratividade às concessões florestais e reforça o entendimento de que a floresta em pé vale muito mais, bem como mantém a proteção dos povos e comunidades tradicionais prevista na Lei de Gestão de Florestas Públicas desde 2006. A MP tem base no Projeto de Lei 5.518, que contou com subsídios do Escolhas em sua elaboração e foi apresentado em 2020 pelo, então, deputado Rodrigo Agostinho, atual presidente do Ibama.

Fiscal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Um estudo do Instituto Escolhas analisou o potencial de geração de créditos carbono em 37 áreas passíveis de concessão na Amazônia e identificou um potencial de geração de 24 milhões de dólares ao ano em créditos de carbono (aproximadamente 125 milhões de reais). Esses créditos de carbono podem aumentar em 43% as receitas de um concessionário.

Potencial Ampliado

O Amazonas tem grande potencial de gerar mais créditos de carbono se reduzir o desmatamento”, a avaliação é da diretora jurídica da Future Carbon Group, Cíntia Donato. No seminário “Mercado de Carbono – Oportunidades, Desafios e Sustentabilidade no Estado do Amazonas”, realizado no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), no dia 7 de junho, a especialista em mercado de carbono analisou a participação e a importância dos Estados da Amazônia na redução dos gases de efeito estufa.

O evento, coordenado pela Escola de Contas Públicas (ECP), ocorreu na sede do órgão, na Avenida Ephigênio Salles, bairro Aleixo, Zona Centro-Sul. Donato foi uma das palestrantes e pontuou que o Amazonas e o bioma amazônico estão muito visados por países e corporações que integram o mercado de crédito de carbono, portanto, apostar em projetos que contribuam para a redução de gases de efeito estufa é apostar no desenvolvimento socioeconômico da região.

Evitando o desmatamento, a gente está evitando o lançamento de gases de efeito estufa para a atmosfera”, explica ela. “E países, empresas, corporações com a contabilidade das suas emissões podem ter interesse em compensar para trazer equilíbrio”.

A diretora jurídica da Future Carbon Group, Cíntia Donato, palestrando ao público (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

O mercado de créditos de carbono é um sistema de compensação à emissão de gases que causam o efeito estufa e, consequentemente, ao aquecimento global e mudanças climáticas. Ou seja, o carbono que não foi emitido em um projeto de redução de emissões na Amazônia vai servir para compensar as emissões em excedente de outras organizações. Donato afirma que, se superados os desafios da região amazônica, o Brasil pode ter 50% da fatia do mercado.

Tem um estudo que analisa um pouco mais a realidade local, do Bank of America, que traz que a gente alcançaria, de 8% que é hoje, 18% da fatia de mercado em 2050. Contudo, se conseguíssemos superar todos os desafios existentes na realidade amazônica, que são os desafios da segurança jurídica para desenvolver o projeto, a gente alcançaria a fatia de 50%. Então, é mais do que necessário esse ambiente de debates sobre a evolução do mercado brasileiro”, afirma.

Amazonas como referência no mercado

O secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, que também participou do evento, lembrou que o Amazonas lançou o edital de projetos de crédito de carbono. O Estado já tem 800 milhões de toneladas de carbono e, com o preço da tonelada em torno de US$ 5 ou US$ 10, a geração de recursos para o Estado é uma grande oportunidade.

Seminário Mercado de Carbono na sede do TCE-AM (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Se a gente considera apenas essas 800 milhões de toneladas, se o preço está em torno de cinco a dez dólares, a gente está falando de uma oportunidade de arrecadação de recursos condizente com essa questão de fazer transições econômicas para baixas emissões, em especial melhorando, inclusive, a vida das comunidades”, explica Taveira.

Mas ele lembra que o mercado ainda precisa de regulamentações que garantam mais segurança jurídica às empresas. “Não é um mercado fácil, ou seja, o mundo como um todo está em busca de mecanismos para que, de fato, haja uma oportunidade concreta com o mercado de carbono, nas suas diferentes modalidades”, afirma.

Participação do TCE-AM

O coordenador da Escola de Contas Públicas (ECP), conselheiro Mario de Mello, enfatizou a participação do TCE-AM no desenvolvimento das políticas de desenvolvimento socioeconômico do Amazonas.

O conselheiro Mario de Mello, coordenador da Escola de Contas Públicas (ECP) (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Os tribunais de conta conseguem fiscalizar, especificamente também, o meio ambiente, e o mercado de carbono tem tudo a ver. É um tema muito atual e todos nós temos que cuidar dos nossos ‘laguinhos’. O tribunal de contas está cuidando do dele, fazendo o seu papel junto à sociedade brasileira, que é um tema internacional”, disse.

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM do mês de junho de 2023. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.