Mesmo com atividade partidária proibida, desembargador filiado ao MDB julgou processos durante 20 anos no RS

Com informações do UOL

SÃO PAULO – O desembargador Alexandre Mussoi Moreira, presidente da 4ª Câmara Cível do Rio Grande do Sul, julgou processos no estado durante seus 20 anos de carreira sendo filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Entre os casos, há julgamentos de políticos do estado. O exercício de atividade politico-partidária por juízes é proibido pela Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

A desfiliação do magistrado aconteceu na última terça-feira, 17, após o UOL questionar o vínculo partidário com o diretório do MDB de Porto Alegre. A prática é incomum, uma vez que ao tomar posse como juiz, o cidadão deve se desfiliar.

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Segundo certidões emitidas pela 1ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, domicílio eleitoral de Mussoi, o desembargador pediu desfiliação ao MDB no dia 12 de novembro, mesma data em que o UOL questionou a filiação ao TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). Após acionar o partido, no dia 17 de novembro, ele enviou e-mail ao cartório para cancelar a filiação.

Histórico

A filiação de Mussoi se deu em 06 de novembro de 1981, antes de ser juiz. Mussoi é desembargador desde abril de 2000. Ou seja, durante toda carreira de desembargador, esteve filiado ao MDB, segundo certidões da Justiça Eleitoral. O salário de desembargador é de ao menos R$ 35,4 mil, no Rio Grande do Sul.

Segundo o perfil oficial de Mussoi no site do TJ-RS, ele ingressou, por concurso público, na carreira de Procurador do Estado do Rio Grande do Sul em março de 1991 e foi nomeado desembargador para vaga destinada à classe dos advogados.

Procurado, Mussoi não quis dar entrevista sob a justificativa de que ainda tramita na Justiça o pedido de impeachment do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Junior, no qual o magistrado deu decisões.

Liminares

No início de setembro, o desembargador decidiu liminarmente (de modo provisório) pela retomada do processo de impeachment contra o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, que é do PSDB.

A liminar de Mussoi perdeu efeito em 15 de setembro, por decisão do desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, que acolheu pedido da defesa de Marchezan. No pedido, os advogados de Marchezan consideraram que Mussoi copiou e colou os argumentos da acusação.

No dia 30 de setembro, em meio à campanha eleitoral, Mussoi aceitou o pedido da Câmara Municipal e anulou a decisão de primeira instância que cancelava a sessão de recebimento do pedido de impeachment. Na prática, a decisão de Mussoi deu aval para o processo de impeachment continuar.

Certidão do TSE com dados de filiação do desembargador Alexandre Mussoi Moreira; o número do título foi omitido (Imagem/Reprodução)

Marchezan foi denunciado por crime de responsabilidade e infração político-administrativa pelo uso de verba do fundo municipal. Ele se candidatou à reeleição, mas não foi para o segundo turno.

Segundo o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ex-conselheiro do CNJ, Gilson Dipp, ao assumir um cargo de juiz ou desembargador o cidadão precisa se desfiliar do partido político.

“Se ele foi filiado a partido político e depois entrou como magistrado, desde que se desfilie, não tem nenhum problema. Antes ele era um cidadão comum dono dos seus direitos fundamentais. O que não pode é que depois ele continue [filiado]. E ele estaria suspeito a dar qualquer decisão que fosse ligada a qualquer vínculo partidário, isso é inédito”, concluiu Dipp.

O ex-ministro avalia que seria um caso inédito de filiação partidária de um juiz em exercício.

“Na pior das hipóteses, a pessoa ficou filiada, não deu baixa, o partido aceitou e entrou para magistratura. Bom, era obrigação do juiz verificar se realmente deu baixa, e era obrigação do partido fazer isso e era obrigação do Tribunal [de Justiça] verificar. Tem vários canais de verificação que não foram acionados”, afirmou Dipp.

Conselheiros do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ouvidos reservadamente pela reportagem, e sem terem analisado o caso concreto, afirmam que a filiação partidária é considerada uma das hipóteses de atividade político-partidária proibida pela Lei da Magistratura.

Decisões de Mussoi

Ao longo da carreira, Mussoi atuou em processos envolvendo políticos. No ano de 2016, Mussoi acolheu um recurso e derrubou uma liminar que afastava o vereador Cássio Trogildo (PTB) da presidência da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. À época, o vereador respondia processo no TSE por compra de votos.

Em 2013, o desembargador suspendeu uma decisão que afastava Regina Becker do cargo de Secretária Especial de Direito dos Animais. Ela era acusada de nepotismo por ter sido nomeada pelo marido, o então prefeito, José Fortunati (PDT).

Outro Lado

Procurado pela reportagem do UOL, por meio da assessoria de imprensa do TJ-RS, o desembargador não esclareceu sua filiação ao MDB. Em nota, Mussoi apontou suposto erro na data de filiação que consta na certidão obtida pela reportagem junto ao TSE, mas perguntado novamente sobre se a filiação permanecia ativa ou se pediu desfiliação em algum momento, o magistrado não respondeu.

Segundo a nota enviada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “o desembargador Mussoi informa que a data de filiação expressa na referida certidão já demonstra o equívoco da mesma, eis que ele nasceu em setembro de 1964 e em 1981, ano que consta no documento, teria 17 anos de idade, e não poderia sequer votar, tendo em vista que o sufrágio facultativo aos menores de 18 anos somente passou a vigorar em 1988”, informou.

Segundo o TJ, Mussoi destacou “que em 1981 ainda era um estudante e não havia ingressado em carreira por concurso público como Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, em março de 1991”.

UOL pediu que o TJ e o desembargador esclarecessem a filiação e se houve um eventual pedido de desfiliação. Em resposta, o TJ informou que “as informações que dispúnhamos já foram repassadas”.

O MDB de Porto Alegre, responsável pela filiação e o presidente da sigla na cidade, Tiago Simon, não se manifestaram.

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