MPF aponta conivência do Estado brasileiro em mortes de indígenas na Bahia

Comitiva do Ministério dos Povos Indígenas esteve no velório da liderança Nega Pataxó na Bahia (Leo Otero/Ministério dos Povos Indígenas)
Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA (DF) – A Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal vêm a público manifestar preocupação com a flagrante ausência de medidas estruturais e efetivas por parte do governo federal e governo do Estado da Bahia diante dos contínuos e reiterados ataques sofridos pelos povos indígenas em nosso Estado.

Neste domingo, 21 de janeiro de 2024, indígenas Pataxó-hã-hã-hãe foram alvejados em um conflito com um grupo armado intitulado “invasão zero“, diante da presença de um agrupamento de policiais militares que não conseguiu impedir os ataques, no município de Potiraguá, no sul da Bahia.

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O cacique Nailton Muniz Pataxó foi baleado, e sua irmã, Maria de Fátima Muniz de Andrade foi morta enquanto outros indígenas sofreram graves lesões. Rememore-se que, há exatamente um mês, em 21 de dezembro de 2023, outra liderança indígena foi assassinada na região, o cacique Lucas Kariri-Sapuyá.

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É inaceitável que, mesmo cientes dos recorrentes episódios de violência aos povos indígenas e comunidades tradicionais, os governos estadual e federal não tenham implementado medidas efetivas para garantir a segurança desses grupos.

As instituições signatárias desta nota, desde o início de 2023, portanto, há mais de um ano, têm formulado diversos pedidos encaminhados aos entes estatais, clamando por um programa de segurança voltado às necessidades e especificidades destes grupos vulneráveis. No entanto, a resposta, até o momento, tem sido insuficiente. Nesse sentido, convém rememorar algumas iniciativas das instituições subscritoras.

Em resposta ao assassinato de três jovens indígenas pataxós – Gustavo Conceição (14 anos), em 4 de setembro de 2022, Nawir Brito de Jesus (17 anos) e Samuel Cristiano do Amor Divino (25 anos), em 18 de janeiro de 2023 – o Ministério dos Povos Indígenas instituiu um Gabinete de Crise (Portaria GM/MPI N° 2) para “acompanhar a situação de conflitos na região do extremo sul da Bahia“. Após apurações preliminares, constatou-se o envolvimento de uma milícia armada, composta por policiais militares, nos assassinatos.

Embora encerrado sem resolver ou apontar soluções para a crise, o gabinete promoveu um diálogo entre os atores políticos e sociais envolvidos, gerando reflexões sobre a eficácia das instituições na proteção dos direitos indígenas. Entretanto, durante as reuniões do gabinete, o governo do Estado negou as diversas solicitações feitas por lideranças indígenas da região para utilização da Força Nacional, assegurando que a violência poderia ser contida pela força de segurança local – mesmo ciente do envolvimento de policiais militares que atuam na área dos episódios de violência.

Em março de 2023, o governo estadual lançou o Plano de Atuação Integrada de Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais, focalizado na região do extremo sul. No entanto, o programa revelou-se insuficiente para conter a violência, pois, além de se limitar a apenas seis municípios do extremo sul, não promoveu alterações substanciais na abordagem da segurança pública. O plano, elaborado sem a participação dos órgãos que atuam na defesa dos direitos dos povos e ignorando sugestões das lideranças se revelou ineficaz.

Ainda em março de 2023, o Fórum em Defesa das Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, instituído pelo MPF em 2022 e que conta com a participação das Defensorias Públicas e outras entidades, endereçou uma carta ao presidente da República, com cópia para várias autoridades federais e estaduais, narrando o histórico de conflitos e violência que assolam as comunidades indígenas e tradicionais da Bahia.

Adicionalmente, o Fórum encaminhou 50 proposições específicas, dentre elas (1) “a criação de uma unidade de Investigação Especializada para tratar de casos relacionados a Povos e Comunidades Tradicionais” e (2) “a formação de força de segurança especializada e capacitada apta a monitorar as regiões de conflito, evitando a perda de vidas humanas e investigando fatos e autores para fins de prevenção e responsabilização“.

Diante do assassinato de Mãe Bernadete, as instituições voltaram a cobrar providências do Estado por meio do Ofício N° 486/2023/PR-BA/16°OTC/RRSMTA enviado em 18 de agosto de 2023. No documento, endereçado ao presidente da República e ao governador da Bahia, os órgãos reiteraram a solicitação de criação de uma política de segurança pública culturalmente apropriada para as comunidades tradicionais e indígenas.

Diante da ausência de resposta efetiva, as instituições enviaram o Ofício Conjunto DPU/MPF/DPE N°01/2023, em 6 de setembro, solicitando uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública para discutir os pedidos formulados no ofício anterior. A reunião foi realizada no dia 14 de novembro, às 10h e, apesar da ausência do secretário de Segurança Pública, foi mencionada a necessidade de se fazer um mapeamento das áreas de conflito para avaliação do pedido.

Em outubro do corrente ano, as instituições enviaram o Ofício Conjunto MPF/DPU/DPE N° 03/2023 à governadoria, a fim de comunicar o episódio de violência que culminou na morte de seis pessoas ciganas, requerendo, na ocasião, a adoção de medidas estruturais capazes de mitigar o quadro de violação sistematizada de direitos humanos dos povos ciganos e das demais comunidades tradicionais da Bahia. Por meio do referido ofício, as signatárias reiteraram as solicitações anteriores, formalizando, ainda, um pedido de reunião com o governador.

Posteriormente, em 24 de novembro de 2023, a comunidade remanescente de quilombo da Gamboa do Morro, no município de Cairu, foi vítima de uma ampla operação da Polícia Militar (PM) marcada por excessiva violência envolvendo o uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os habitantes locais. Na ocasião, uma senhora que presenciou a violência infligida a um de seus filhos faleceu após um mal súbito. Por conta desse episódio, em 28 de novembro de 2023, as instituições enviaram o Ofício Conjunto DPU/MPF/DPE N° 04/2023 reiterando o pedido de reunião, formulado, sem que qualquer resposta tenha sido dada até o momento.

A proteção dos direitos indígenas é um dever do Estado, por meio de todos seus entes federativos, conforme preconizado pela Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A postura governamental adotada até aqui viola os direitos humanos e perpetua um ciclo de violações e injustiça que faz com que o sangue indígena continue sendo derramado com a conivência do Estado brasileiro.

Assim sendo, a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal, mais uma vez e em caráter de urgência, solicitam reunião diretamente com o governador do Estado da Bahia para apresentar e explicar propostas aptas a garantir efetividade à proteção e aos direitos das populações indígenas e demais povos e comunidades tradicionais em busca da pacificação em território baiano.

(*) Com informações do MPF
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