MPF investiga crimes ambientais com participação de agentes públicos em terra indígena no Pará

(Agência Brasil)
Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – Após a Polícia Federal realizar uma série de ações de busca e apreensão, inclusive na sede da Funai (Fundação Nacional do Índio), em Brasília, a investigação sobre grilagem na TI (terra indígena) Ituna-Itatá, no Pará, quer descobrir até que ponto a suposta organização criminosa que atua no local envolve o alto escalão do funcionalismo público.

Segundo Gilberto Naves, procurador do MPF (Ministério Público Federal) do Pará que atua no caso, a operação da PF pode esclarecer quanto o grupo suspeito se infiltrou nas instituições de Estado, inclusive se houve a participação de políticos com mandato.

É possível que [a investigação] aponte para o alto escalão do serviço público, e aí teríamos que adotar as providências adequadas para respeito de foro. É algo não descartado, mas que necessita de mais apuração. A expectativa é que o material apreendido permita aprofundar isso“, afirmou ele à Folha.

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Imagens aéreas da terra indígena Ituna-Itatá, no Pará, em 2019
Imagens aéreas da terra indígena Ituna-Itatá, no Pará, em 2019 (Fábio Nascimento/Divulgação Greenpeace)

A investigação corre em segredo de Justiça. As ações de busca e apreensão aconteceram no último dia 14.

Segundo Naves, a apuração até aqui aponta para uma organização complexa que atua ilegalmente na TI Ituna-Itatá, com uma rede com ramificações em quatro estados e no Distrito Federal —a operação mirou 16 endereços e 12 pessoas—, além de grande poderio econômico.

Em razão do sigilo, Naves diz que ainda não é possível revelar os nomes dos suspeitos de envolvimento no caso.

O território tem registro de presença de indígenas isolados e é uma das áreas em que a Funai, na gestão do governo Jair Bolsonaro (PL), deliberadamente retardou ou dificultou a emissão de portarias de restrição de uso, necessárias para proteção das áreas de invasores enquanto não ocorre demarcação do território.

A portaria referente à Ituna-Itatá, que fica na região dos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, venceu e só foi renovada por força de decisão judicial. A renovação foi publicada em junho deste ano, e a restrição de uso do território tem validade de três anos.

O que observamos lá foi um flagrante descumprimento da decisão [judicial que determinou que fosse feita] a restrição de uso”, afirma o procurador.

Segundo o representante do MPF, a destruição do ecossistema do território é grave, mas ainda não irreversível. O território começou a ser protegido em 2011. Então, diz Naves, o desmatamento na região era mínimo. A situação se agravou a partir de 2016, com a grilagem de terra, e se intensificou em especial a partir de 2018.

Essa organização ficou mais complexa, aparentemente pela entrada de um grupo vindo de Tocantins, e passou a contar com antropólogos, um núcleo técnico, agrimensores… A terra indígena foi toda dividida entre propriedades particulares, foram feitos CARs [Cadastro Ambiental Rural]”, diz ele.

Ele descarta a hipótese de que os atuais invasores da TI sejam movimentos sociais em busca de assentamento. Segundo o procurador, essa organização doaria pedaços de terra para pessoas de baixa renda para poder utilizá-las para justificar a ocupação ilegal.

Ainda de acordo com o procurador, esse grupo já desmatou, rapidamente, 23 mil hectares de terra apenas dentro da TI.

O que se tem visto são grandes fazendas, com milhares de bovinos. Boa infraestrutura, estradas rapidamente abertas com ajuda de maquinário pesado, assim como a criação de vilas em alta velocidade. Há um forte fluxo financeiro no local“, afirma.

É um caso de abrangência nacional. É necessário descobrir como essa organização conseguiu desmatar tantos hectares e fazer controle desses hectares em velocidade impressionante e por tanto tempo”, completa.

Um dos endereços onde a PF realizou busca e apreensão foi na Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados (Cgiirc) da Funai, em Brasília.

Em carta, a União Independente de Indigenistas Dedicados aos Grupos Isolados e de Recente Contato (Uniinds) saiu em defesa do atual coordenador de povos isolados da Funai, Geovânio Katukina, alvo da investigação.

Segundo a carta, o documento no qual a Funai rechaça a existência de povos isolados na TI Ituna-Itatá é anterior a seu ingresso no cargo e, portanto, ele não seria o responsável por facilitar a entrada de invasores no local —pelo contrário, dizem, ele atuou “em prol do mantenimento da restrição de uso, e […] para reforçar a proteção ao local”.

“A possível manipulação de relatórios técnicos da Cgiirc com fins escusos deve ser investigada integralmente, mas a prematura criminalização midiática de técnicos, coordenadores e servidores de campo da Funai deve ser rechaçada“, afirma o documento.

(*) Com informações da Folhapress

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