MPF investiga se policial civil tentou assassinar líder indígena no Acre

O líder indígena Benki Piyãko — Foto: Arquivo pessoal
Da Revista Cenarium*

RIO BRANO – O Ministério Público Federal (MPF) abriu duas novas frentes de investigação – nos âmbitos cível e criminal – relacionadas à suposta tentativa de assassinato contra o líder indígena Benki Piyãko, do povo Ashaninka. O episódio ocorreu no fim de fevereiro, na Terra Indígena Kampa, localizada no município de Marechal Thaumaturgo, no sudoeste do Acre. Segundo noticiado pela imprensa, a tentativa de homicídio teria sido praticada por um policial civil.

O MPF já acompanha o caso desde março, quando foi instaurada investigação cível para apurar as condições do suposto atentado e sua eventual relação com a atuação de Benki Piyãko na defesa e preservação da cultura indígena e do meio ambiente. Agora, o órgão decidiu abrir procedimento investigatório criminal independente e outro inquérito civil, dessa vez para apurar eventual ilegalidade na conduta funcional do policial, no âmbito do controle externo da atividade policial.

O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias explica que a apuração criminal independente é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em mais de uma ocasião, o Tribunal internacional já decidiu que, em casos de supostas mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de intervenção policial, a investigação seja atribuída a um órgão independente e diferente da força pública envolvida no incidente.

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Segundo o MPF, a Corregedoria da Polícia Civil do estado arquivou em tempo recorde o inquérito policial instaurado para investigar o caso, concluindo que a apuração não indicou caracterização do delito de ameaça. Como resultado, a autoridade policial encaminhou cópia do inquérito à Delegacia de Polícia Civil para investigar eventual conduta criminosa por Benki, por ter noticiado fato criminoso que não ocorreu.

De acordo com Lucas Dias, o relatório final mostra a inversão dos papéis no âmbito do processo investigatório, quando a vítima indígena passa a ser apontada – pelas autoridades – como autor de suposto fato criminoso.

“A discriminação e o preconceito contra os indígenas – visivelmente constatada neste caso contra a liderança Benki Piyãko – praticado pelo órgão correcional da polícia civil – reflete faceta da violência praticada contra os povos indígenas que tem por premissa a negação da humanidade desses povos”, afirma o membro do MPF

Violência étnico-racial

O despacho do MPF alerta para o histórico de violência contra lideranças, indígenas ou não, que atuam na defesa dos direitos dessas populações. Cita, entre esses casos, o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do servidor da Funai Bruno Araújo Pereira, que desapareceram quando se deslocavam de barco pelo Rio Itaquaí, após visita à Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas.

Menciona, ainda, o homicídio do cacique Antonio Mig Claudino, em 2017, na Terra Indígena de Serrinha, em Ronda Alta (RS); e o assassinato do guardião da floresta Paulo Guajajara, na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão.

Diante de evidências de violência étnico-racial contra Benki Piyãko, o procurador da República também solicitou a juntada do inquérito civil que investiga a suposta tentativa de assassinato da liderança à ação civil pública ajuizada pelo MPF contra o Estado do Acre em razão de racismo policial institucional.

A ação pede a reparação de danos morais coletivos por tratamento violento à população indígena por meio de abordagens, agressões físicas e verbais e ameaças praticadas por policiais (civis e militares) do Estado do Acre.

Benki Piyãko

A liderança indígena conta com vasto trabalho na defesa e preservação da cultura indígena e do meio ambiente, bem como no combate à exploração predatória dos territórios indígenas do Estado do Acre.

Benki foi agraciado com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos em 2004, o Prêmio – E em 2012 (iniciativa da Unesco, do Instituto-E e da Prefeitura do Rio de Janeiro) e, em 2013, o Prêmio dos Direitos Humanos da cidade de Weimar, pelos esforços no convívio pacífico entre os Ashaninka e seus vizinhos não indígenas.

(*) Com informações do MPF

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