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Mulheres trans devem ter cuidado ao ‘aquendar’ para prevenir lesões e infecções, diz especialista
Calcinhas especializadas para mulheres trans facilitam a "aquenda" (Bruno Santos/Folhapress)
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24 de agosto de 2023
Da Revista Cenarium Amazônia*
SÃO PAULO (SP) – A salgadeira Tatianna Pessoa, 26, começou a ficar insatisfeita com a própria aparência na adolescência. Ela é uma mulher com órgãos genitais masculinos. Sem condições financeiras de fazer uma cirurgia de redesignação sexual, começou a “aquendar” — nome dado pela comunidade trans à prática de esconder o pênis e os testículos.
Tatianna usa esparadrapo da virilha até a região um pouco abaixo da lombar para disfarçar o volume, principalmente para ir à praia. “Com o tempo, fui acostumando com a dor e o desconforto”, diz.
A prática é comum entre mulheres trans, drag queens, travestis e pessoas não-binárias. Com essa técnica, o volume da genitália é posto entre as nádegas.
O aquendamento, chamado de “tucking” nos Estados Unidos, porém, exige cuidados para que não prejudique a saúde das mulheres trans, diz o médico da família e comunidade Caio Portela, um dos coordenadores do Núcleo de Saúde para Mulheres Trans do Hospital Sírio-Libanês.
Se mal feito, pode acarretar em lesões na pele do órgão genital, resultar em torção ou trauma do testículo, em problemas de circulação e até ocasionar infecções e problemas urinários.
Uso do esparadrapo
Se forem usados faixa ou esparadrapo para esconder o órgão, Portela aconselha que não seja muito apertado, uma vez que os utensílios podem sufocar a pele na região e diminuir a circulação, causando problema vascular ou torção do testículo.
Segundo o médico, o ideal é usar esparadrapo do tipo micropore ou adesivo mais respirável. “O esparadrapo comum é mais forte, mas também mais alergênico, então a pele fica mais lesionada. Na hora de arrancar, essa pele pode começar a ter reações e ficar ferida, o que abre a possibilidade de infecções.”
Cuidados para se ter na hora de aquendar
Caio Portela, um dos coordenadores do Núcleo de Saúde para Mulheres Trans do Hospital Sírio-Libanês, afirma que há mais efeitos por causa da má prática da ‘aquenda’ que pela prática em si.
Usar esparadrapo do tipo micropore ou tecido mais respirável que o esparadrapo comum
Não urinar quando estiver com esparadrapo ou fita
Ter cuidado para não apertar de forma demasiada o órgão genital
Evitar ficar muito tempo com o pênis aquendado
Não puxar os testículos após desfazer a aquenda
Usar calcinhas específicas para aquendação
Hora de ir ao banheiro
Idealmente, segundo o médico da família, não se deve urinar com o tucking feito, uma vez que isso deixa as fitas úmidas e pode aumentar a chance de infecção.
“Mas desfazer para urinar acaba sendo um pouco inviável, por conta da situação, do lugar. Aí a gente tem que pensar na cadeia — se sabe que não vai poder urinar, a pessoa não bebe água e passa os dias sem se hidratar direito, então tem problema de hidratação, excesso de urina na bexiga ou o problema de urinar em cima da faixa”, diz Portela.
A complicação por causa das faixas e o medo de ir ao banheiro por causa do preconceito são agravantes para infecção urinária em mulheres trans, afirma o médico Ubirajara Barroso Jr., diretor da Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia. “Isso por conta de assédio moral, de violência ou de embaraços que podem ser criados”, afirma.
Pessoas com pênis, porém, têm maior proteção à doença por possuírem um canal uretral maior.
Tempo de uso
A quantidade de tempo em que a pessoa permanece com aquendamento pode ser problemática. Se forem muitas horas ao longo do dia, pode haver lesão do tecido do órgão genital, que precisa ser preservado no caso de uma futura cirurgia de redesignação sexual.
“A gente costuma dizer para sempre que a pessoa puder não estar [com o tucking], não esteja. Todos os momentos em que for possível, você pode desfazer para facilitar a circulação sanguínea e a respiração da pele”, afirma o médico.
Além disso, Portela afirma que há um trabalho psicológico e social a ser feito para construir a ideia de que gênero não está necessariamente ligado à genitália. “A gente diz que não precisa de tanto esforço assim para ocultar, que é para ser confortável, que não precisa ser uma prisão”.
Facilitadores
A primeira vez que Tatianna aquendou de forma mais confortável foi quando comprou pela internet calcinhas especializadas para mulheres trans. Comprou quatro, cada uma por R$ 20. Mas ficaram velhas e, por causa do preço elevado, ela voltou para o esparadrapo.
“Existem alguns materiais como calcinhas especiais para aquendação que deixam menos difícil”, diz Portela.
As chamadas “calcinhas de aquendar”, porém, chegam a custar até R$ 100. As de Tatianna foram da loja online Woggan Trans, mas há outras marcas como a NoNeca, Segredo Lacrado e Trucss.
A Trucss, que é feita por encomenda, lançou uma campanha em junho para ser disponibilizada no SUS (Sistema Único de Saúde). O abaixo-assinado online tem 3.500 assinaturas e ganhou apoio de artistas.
A cantora e atriz Linn da Quebrada, que usou as calcinhas da Trucss durante participação no reality Big Brother Brasil (BBB), compartilhou a petição nas redes sociais.
À Folha, Linn disse que a marca é sobre bem-estar. “É importante vestir algo que pense o conforto do nosso corpo. Ninguém gostaria de viver usando peças íntimas desconfortáveis, porque machuca. Não é, nem de longe, uma mera questão estética. Estamos falando de qualidade de vida e saúde do corpo”, afirma.
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