‘Não é possível continuarmos achando que redes sociais são terra de ninguém’, diz Moraes

Moraes é relator do “inquérito das fake news” (Divulgação)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) debateu, durante a terça-feira, 28, e na manhã desta quarta-feira, 29, em audiência pública, a regulamentação das redes sociais no Brasil. Durante o evento, os ministros da Suprema Corte Brasileira defenderam a aprovação do Projeto de Lei 2.630/2020 (PL 2.630) e destacaram a desinformação como um problema em particular. Presente no evento, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, defendeu estender a autorregulação que já existe para conteúdos pornográficos ou sob direitos autorais para o discurso de ódio. Moraes é relator do “inquérito das fake news”.

“Não seria eficiente tentarmos, de alguma forma, definir o que é fake news, mas é possível estender a autorregulação e uma atuação mais direta para questões objetivas: atentado contra instituições e contra a democracia. Por mais que alguns queiram defender (…). Não é possível continuarmos achando que redes sociais são terra de ninguém, sem responsabilidade alguma”, afirmou o ministro.

Ministros do STF e do governo federal participam de abertura de audiência pública (Carlos Moura/STF)

O Projeto de Lei 2.630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail. As medidas valerão para as plataformas com mais de dois milhões de usuários, inclusive, estrangeiras, desde que ofertem serviços ao público brasileiro.

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Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux são relatores de dois recursos, com repercussão geral, que discutem regras referentes ao chamado Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Fux defendeu que é fundamental a participação dos experts, na audiência pública, para subsidiar o julgamento dos recursos movidos pelas plataformas Google e Facebook, que estão em tramitação no STF, por se tratar de tema tão específico.

O ministro acredita que a Corte vai encontrar a melhor solução para adequar a realidade normativa à realidade prática, na solução da controvérsia sobre responsabilização das empresas provedoras de aplicativos, sobre conteúdos postados por terceiros.

Dias Toffoli afirmou que a lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, mas que ainda assim ela não consegue contemplar todas as situações possíveis. Segundo ele, a evolução das tecnologias digitais “põe em xeque noções jurídicas tradicionais” para combater inúmeras violações a direitos fundamentais e da personalidade que ocorrem nas plataformas e redes sociais. Toffoli acredita que a audiência trará valiosas contribuições sobre o funcionamento da internet e seu impacto na sociedade.

Monitoramento adequado

Já o ministro Luis Roberto Barroso elencou que a liberdade de expressão é um direito precioso e que as plataformas precisam de regulação estatal moderada, autorregulação ampla e monitoramento adequado e independente desta regulação, além de educação midiática.

“Desinformação, mentira deliberada, discurso de ódio, ataque à democracia e incitação à prática de crimes violam os três fundamentos que justificam a proteção da liberdade de expressão. A dificuldade, aqui, não se encontra em tentar impedir esse tipo de comportamento, e sim, em identificá-lo adequadamente em um mundo complexo, plural e subjetivo, evitando a prática de todo e qualquer excesso”, defendeu Barroso.

Algoritmos

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, defendeu, durante a reunião, a transparência do algoritmo e disse que a regulamentação das redes não é uma questão exclusivamente de negócio, pois as empresas de tecnologia exercem “o controle do espaço público e do discurso público da sociedade”. O ministro defende forma de regulação na programação de algoritmos.

“O algoritmo é humano. Não se trata de um ente divino suprimido à regulação. O algoritmo é humano e, por isso mesmo, é preciso tratar, sim, de regulação, que é algo humanamente programado e reprogramável“, disse.

Autoridades na audiência pública debatem as regras do Marco Civil (Rosinei Coutinho/SCO/STF)

Marco Civil

O Marco Civil, sancionado em 2014, determina em seu artigo 19 que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado, civilmente, por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”, se não cumprir determinação judicial para a retirada de conteúdo.

Na audiência, os representantes do Facebook e da Google defenderam a constitucionalidade do artigo 19 da lei sancionada em 2014. As duas empresas argumentam que as regras atuais não inibem a moderação de conteúdo, e que excluem milhões de publicações por conta própria.

O gerente jurídico do Facebook Brasil, Rodrigo Ruf Martins, disse, na sua fala, que a inconstitucionalidade do artigo 19 levaria a aumento considerável da remoção de conteúdos subjetivos.

“Permita-me, excelências, um alerta. A declaração de inconstitucionalidade (do artigo 19) levaria a um aumento considerável da remoção de conteúdos subjetivos. Conteúdos críticos, que são tão importantes para o debate público e para a democracia, eles acabariam removidos, mesmo sem violar a lei ou as políticas, mas como uma forma de mitigação de riscos jurídicos para a plataforma”.

O advogado sênior da Google Brasil, Guilherme Cardoso Sanchez, explicou que responsabilizar as plataformas como se elas próprias fossem as autoras do conteúdo que hospedam levaria a um dever genérico de monitoramento de todo o conteúdo produzido pelas pessoas.

“Responsabilizar as plataformas como se elas próprias fossem as autoras do conteúdo que hospedam levaria a um dever genérico de monitoramento de todo o conteúdo produzido pelas pessoas, desnaturando completamente o ambiente plural da internet. O artigo 19 do Marco Civil reproduz o consenso dos países democráticos em afastar a responsabilidade direta e objetiva de vigilância das plataformas sobre o conteúdo gerado pelas pessoas”, disse Cardoso.

O diretor de Políticas Públicas do TikTok, no Brasil, Fernando Gallo, que a plataforma terá um perverso incentivo para remoção de expressivo número de conteúdos todos os dias, incluindo aqueles legítimos.

“Se na remota possibilidade de o Supremo Tribunal Federal decidir que o artigo 19 é inconstitucional, tornando plataformas como o TikTok corresponsáveis por conteúdos, sem estabelecer critérios e parâmetros objetivos para notificações, nós teremos contra nós, dado o risco de litigância, um perverso incentivo para remoção de expressivo número de conteúdos, todos os dias, incluindo aqueles legítimos”, finalizou Gallo.

Encerramento da audiência

No encerramento da audiência, o ministro Luiz Fux enalteceu o grau de excelência dos expositores. Segundo ele, as palestras foram enriquecedoras e contribuem na análise do tema, que perpassa conhecimentos interdisciplinares e não são estritamente inerentes à seara jurídica.

Para o ministro Dias Toffoli, a audiência sobre o Marco Civil da Internet foi relevante para trazer ao tribunal as várias visões da sociedade, subsidiar a análise da legislação, do funcionamento e limites das plataformas diante dos princípios constitucionais. 

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