No Egito, mulheres precisam escolher entre achar uma maneira de ‘provar’ virgindade ou correr o risco de morrer

Egípcias procuram himenoplastias baratas ou outros tipos de tratamento para não serem punidas por não ter um hímen 'intacto'. (Amr Abdallah Dalsh / Reuters)

Com informações do Infoglobo

CAIRO — Ela anuncia suas cirurgias discretamente como um serviço de “saúde e beleza”, mas a ginecologista que oferece operações de reconstrução do hímen para mulheres na zona rural do Egito diz que elas salvam vidas.

Em sociedades conservadoras como o Egito, um hímen “intacto” — o tecido fino que pode cobrir parcialmente a vagina — ainda é amplamente visto como uma confirmação da virgindade.

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Para as noivas, um hímen pode, no pior dos casos, motivar os chamados crimes de honra, que são geralmente cometidos por parentes das vítimas.

“Este é nosso dever como médicos: proteger as meninas de assassinatos e do estigma social a que são submetidas por causa do hímen”, disse a ginecologista Layla, que pediu para usar um pseudônimo.

Reparar ou reconstruir cirurgicamente o hímen, conhecido como himenoplastia, é legal no Egito, mas inacessível para a maioria, custando até 20 mil libras egípcias (R$ 7.296) — cerca de duas vezes o salário médio.

Para mulheres em áreas rurais como o Alto Egito, onde comportamentos tendem a ser ultraconservadores, o acesso ao procedimento é ainda mais difícil. Os serviços de saúde são limitados e poucas mulheres têm condições de pagar pela cirurgia.

Layla viaja regularmente para as províncias distantes do Egito para realizar himenoplastias por cerca de um terço do preço normal.

“Anuncio no meu Facebook que vou para uma certa região. As pessoas marcam uma consulta e eu faço as operações em suas casas”, disse. No Alto Egito, é muito difícil falar sobre esse assunto porque é uma sociedade muito conservadora.

Nos últimos nove anos, ela realizou cerca de 1.500 operações. Por volta de um terço foram gratuitas para mulheres em condições vulneráveis.

O Ministério da Saúde do Egito e o Conselho Nacional para Mulheres, que não têm dados sobre himenoplastias ou crimes de honra, recusaram-se a comentar, mas grupos de direitos humanos dizem que milhares de mulheres são mortas no Oriente Médio e no Sul da Ásia a cada ano por parentes irritados com a percepção de danos à sua “honra”.

Randa Fakhr El-Deen, diretora executiva do Sindicato das ONGs sobre Práticas Nocivas contra Mulheres e Crianças, organiza oficinas de educação em saúde sexual ensinando que hímens podem ser rasgados em esportes ou acidentes de carro.

“Até que a sociedade mude sua perspectiva sobre esta questão, as mulheres devem ser realmente encorajadas a fazê-la”, disse Reda Eldanbouki, advogada e diretora executiva do Centro de Mulheres para Orientação e Conscientização Legal, uma ONG feminista.

A postura religiosa sobre a reconstrução do hímen no Egito, de maioria muçulmana, também não é clara, com alguns clérigos insistindo que ela só deveria ser permitida em casos de estupro.

Mas um estudioso do Dar al-Iftaa, um importante instituto islâmico egípcio, disse recentemente que as mulheres que buscam mudar o curso de suas vidas após terem feito sexo antes do casamento também podem fazer uma himenoplastia.

‘Um pesadelo’

Ansiosa à medida que se aproximava o dia do casamento, Nour Mohamed, de 26 anos, depositou suas esperanças em um fitoterapeuta que oferecia uma mistura que, segundo ele, estimularia o sangramento durante o sexo, sugerindo que seu hímen havia se rompido.

Depois de terminar com o ex-namorado anos atrás, ela estava sob pressão da família para se casar, mas precisava de uma maneira barata de fazer seu futuro marido pensar que ela era virgem.

“Foi um pesadelo. Eu teria sido morta ou exposta pelo meu marido. Não tinha dinheiro para uma himenoplastia e este tratamento com ervas era minha única esperança.” contou, dizendo que o tratamento funcionou para ela.

Pedindo para permanecer anônimo, embora seu trabalho seja legal, o fitoterapeuta de Mohamed disse que tratou cerca de 4 mil pacientes do Egito e outros milhares da Argélia e do Marrocos. Ele cobra 2 mil libras egípcias, mas disse que fez de graça em alguns casos para ajudar mulheres sob risco de violência.

A ginecologista Amira Ibrahim Abou Shady, baseada no Cairo, afirmou que as pessoas que comercializam ervas e “receitas mágicas” on-line estão “lucrando com garotas desesperadas que estão tentando recuperar o que perderam”. Para ela, a cirurgia é a única maneira de restaurar o hímen.

Embora possa levar décadas para mudar as crenças enraizadas sobre a virgindade e erradicar os crimes de honra, Fakhr El-Deen convocou uma campanha nacional para combater os equívocos sobre o significado do hímen:

“Estamos falando sobre vidas, e elas são importantes”.

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