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No Maranhão, desfile da Independência tem crianças negras vestidas de escravas
Crianças negras vestidas de escravas carregaram sombrinhas por toda a passeata (Reprodução)
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08 de setembro de 2022
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS – Crianças negras foram vestidas como escravas para participar do desfile cívico em comemoração ao bicentenário da Independência, nesta quarta-feira, 7, organizada por escolas municipais e estaduais da cidade de Imperatriz, distante cerca de 480km de São Luíz, no Maranhão.
O vídeo, publicado pelo secretário municipal de Educação de Imperatriz, Jose Antônio Pereira, mostra centenas de crianças e adolescentes de várias escolas participando da comemoração. Entre uma multidão de adolescentes vestidos como princesas e príncipes, algumas crianças de pele retinta se destacam por estarem utilizando trajes que remetem à escravidão.
Veja vídeo:
Algumas das jovens carregavam guarda-sol e caminhavam ao lado de outras crianças, de pele mais clara, fantasiadas de vestido longo branco, utilizando coroas em referência à Família Real brasileira.
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O Centro de Cultura Negra – Negro Cosme de Imperatriz, chegou a emitir uma nota de repúdio contra a apresentação por conter referências racistas. “Colocar crianças negras para desfilar como se fossem escravizadas, é transmitir a mensagem de que, mesmo após tantos anos de lutas contra o racismo que se mantém na estrutura de nossa sociedade, o lugar da pessoa negra neste país, ainda é o da subalternidade, da inferioridade e do menosprezo“, diz trecho da nota.
De acordo com a entidade, não há justificativa para a representação de crianças como escravas, tendo em vista o tema dos 200 anos de independência não tratar sobre escravidão. Inclusive, a participação de lideranças negras foi crucial para a proclamação na época.
“Há mais de 20 anos, o movimento negro de Imperatriz vem realizando atividades de conscientização acerca da temática negra, principalmente, dentro das escolas em Imperatriz. Ainda, desde de 2003 existe a obrigatoriedade do ensino de ‘história e cultura afro-brasileira’ nos ensinos fundamental e médio. Logo, não há justificativa para o ocorrido. Foi uma violência sem parâmetro e um crime dos mais crueis“, afirmam.
Na avaliação do jurista e presidente do Instituto Nacional Afro Origem (Inaô), Christian Rocha, o Brasil retrocedeu em quatro anos o enfrentamento ao preconceito e as políticas públicas para o enfrentamento à discriminação e ao racismo.
“Temos uma demonstração pífia do que era pra ser muito grande. Nos últimos quatro anos o Brasil não se encontra, não assume que é racista, que é preconceituoso, que mata pobre e negro. Temos o país mais desigual do mundo“, afirma o especialista.
Para ele, a pauta, que afeta toda a sociedade, hoje em dia é naturalizada. “Hoje as pessoas preferem dizer que é melhor aceitar e colocar para debaixo do tapete, porque nunca vai acabar. Isso causa uma segurança da impunidade, as pessoas se sentem seguras em saber que o Brasil é o país da impunidade“, afirma.
Lei do Racismo
O caso registrado em Imperatriz pode ser enquadrado como crime de racismo, previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Segundo a advogada, apresentadora, ativista preta e integrante do coletivo Odaras, Carol Amaral, o Poder Público pode intervir junto à unidade de ensino e, se for o caso, buscar a responsabilização cível e criminal dos idealizadores do “desfile“.
“É grave que nossa sociedade submeta nossas crianças a esse tipo de situação, quando, na realidade, deveria estar discutindo a efetiva implementação do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Ao invés de romantizar o período escravocrata, nossas crianças deveriam aprender a real história da construção do Brasil. A história que a história não conta. De como o povo negro alicerçou as bases do nosso Brasil, juntamente com os povos indígenas, ambos escravizados, o que origina a dívida histórica que temos com essas ‘minorias’ étnico-raciais“, avalia a advogada.
Segundo ela, por mais que o objetivo da escola tenha sido retratar a escravidão como forma de crítica, a “homenagem” na verdade reforça esteriótipos. “Por que duas crianças, uma branca (no papel de princesa) e uma negra (no papel de escravizada)?” indaga. Na visão de Amaral, “é nítido o intuito de reforçar estereótipos. A criança branca representando a feminilidade, a fragilidade, a pureza, enquanto a criança preta representa a subserviência, sempre no papel de cuidado“, isso porque a criança negra é flagrada carregando um guarda-sol para a outra.
“O reforço a esses estereótipos é o reflexo de uma sociedade estruturalmente racista. A romantização de um período histórico tão nefasto como o período escravocrata apenas demonstra o quanto a pauta racial ainda precisa ser discutida, em especial por aqueles que, historicamente, estiveram (e ainda estão) em posição de privilégio“, repudia a especialista.
Nas redes sociais, a candidata a Deputada Federal pelo PSOL, Sonia Guajajara, publicou texto em repúdio ao ato. “Parece mentira, minha gente, mas o Desfile da dita Independência hoje, em Imperatriz, no Maranhão, colocou uma menina negra segurando um guarda-chuva para meninas brancas, simbolizando a escravidão“, escreveu.
“Essa práticas, infelizmente, acontecem na vida real todos os dias, reforçando o racismo estrutural na nossa sociedade. Racismo é crime e precisa ser combatido de todas as formas. Não podemos deixar que se transforme num espetáculo, isso fortalece as práticas coloniais e o bolsonarismo que todos os dias promove as elites, o preconceito e a escravidão no nosso país“, pontuou a parlamentar.
Atualizado em 10/09 para inserir nota enviada pela assessoria da Prefeitura de Imperatriz:
“NOTA DE ESCLARECIMENTO
Em 2022, o tema do desfile das escolas municipais são os “200 anos de Independência do Brasil”, respeitando as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que vêm sendo trabalhadas nas escolas. Ressaltamos que, pensando nos direitos humanos, lamentamos o período escravagista brasileiro.
Com a encenação histórica do período regencial do Brasil, apresentado pela Escola Municipal Maria Francisca Pereira da Silva, a instituição provocou uma discussão a respeito do tema.
O objetivo foi retratar o passado do nosso Brasil para refletir o HOJE, no sentido de que, o que foi retratado na encenação não aconteça NUNCA mais.
Em nenhum momento a escola quis apresentar algo que contribuísse para reafirmar o preconceito a nenhum tipo de pessoa ou situação.
A Escola e toda comunidade escolar apresentou na avenida um desfile cívico pautado no respeito e no esforço coletivo.
Equipe Gestora
A Secretaria Municipal de Educação (Semed) reforça que apoia a manifestação da unidade escolar, haja vista que a cena foi questionada fora do seu contexto geral, pois a narrativa apresentada no momento em que o pelotão passava na avenida ressaltava justamente uma crítica ao nascimento do racismo estrutural no período colonial.
É importante destacar ainda que, a instituição está contribuindo para a formação HUMANA e CIDADÃ e que apresentou um desfile digno, com marco histórico e fomento ao pensamento crítico.
Em resumo, o pelotão que vem sendo questionado, foi fiel à proposta pedagógica e a história, bem como provocou essa análise social, para que a pessoa humana jamais seja vista como outrora, mas sim valorizada e respeitada.
Imperatriz, Assessoria da Secretaria Municipal de Educação de Imperatriz. 09 de setembro.”
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