No Pará, pousada instalada ilegalmente dentro do território indígena Wayamu é alvo de ação judicial do MPF

MPF vai à Justiça contra pousada instalada ilegalmente dentro do território indígena Wayamu, na bacia do Trombetas (PA) (Reprodução/Facebook)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – A pousada Coração do Trombetas, localizada no rio de mesmo nome, na região noroeste do Pará, vira alvo de ação judicial por parte do Ministério Público Federal (MPF), que pede a interdição do espaço por, segundo as investigações do órgão, estarem funcionando de forma irregular e ilegal dentro do Território Indígena Wayamu.

De acordo com o relatório do MPF, as atividades turísticas dentro do Território Wayamu, que compreende as Terras Indígenas (TIs) Kaxuyana-Tunayana, Trombetas-Mapuera e Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, estavam sendo realizadas sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas moradores da região e sem autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Território Wayamu e povos indígenas da região (Reprodução/MPF)

A pousada, registrada pela empresa Cachoeira Porteira Fish Brasil Hotel, possui dois sócios-administradores e outros seis sócios registrados, que, de acordo com o MPF, são de outros Estados brasileiros. Conforme norma brasileira, mesmo que a empresa busque a legalização, a pousada dentro da TI só pode ser administrada pelos próprios indígenas, nunca por empresários de fora das comunidades.

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O pedido, feito em caráter de urgência para a Justiça Federal do Pará, requer a proibição das atividades turísticas dentro da TI, considerando a alta temporada de pesca esportiva na região do Trombetas, que iniciou em agosto e pode durar até fevereiro do ano seguinte em algumas regiões e a entrada do Rio Kaxpakuru, próximo à pousada Coração do Trombetas, é a única via de acesso a um dos grupos de indígenas isolados.

Demonstração de que a pousada está localizada dentro de Território Indígena (Reprodução/MPF)

A atividade de pesca esportiva é autorizada por lei no Brasil e deve seguir protocolos básicos para o manuseio dos animais. No entanto, a prática dentro de regiões de preservação deve ter maior atenção. No entendimento do MPF e do MPPA, é necessário avaliar a atividade e os impactos antes de liberar uma licença simplificada. No entanto, no caso ocorrendo em Território Wayamu, a pousada sequer possui a licença simplificada.

O MPF pontua, inclusive, os riscos aos estoques pesqueiros que são essenciais à segurança alimentar das comunidades da bacia do Trombetas. Segurança essa que vem sendo amplamente discutida, por conta do avanço do garimpo e a contaminação dos rios na Amazônia, como a REVISTA CENARIUM mostrou em reportagem recente.

O documento do MPF destaca que existem cinco registros de grupos indígenas isolados na bacia do Trombetas, conforme o banco de dados da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC/Funai), colocados em riscos em razão da atividade e da presença de turistas e pescadores esportivos.

Documento traz foto de fossa improvisada dentro do Rio Trombetas, que poderia oferecer riscos à segurança alimentar de indígenas isolados (Reprodução/MPF)

Histórico

Em 2021, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e o MPF já haviam pedido a suspensão das atividades de todas as pousadas construídas ilegalmente na região do Trombetas, e enviaram o ofício à Prefeitura e à Secretaria de Meio Ambiente de Oriximiná, município onde ficam as áreas protegidas.

À época, a Prefeitura de Oriximiná recusou conceder a licença para a pousada, justamente por se localizar no interior de Terra Indígena e ordenou o fechamento imediato, ordem essa reforçada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em julho, após meses de resistência por parte do dono da empresa, uma reunião foi marcada e um dos sócios alegou haver entrado há pouco na sociedade e precisaria de no mínimo cinco anos para recuperar o patrimônio investido.

A empresa, fundada por Jasson Batista de Oliveira, em 2019, tem como sócios os empresários Lucas Pereira da Silva e Joelson de Jesus Adao desde a data. Porém, em 2022, Jerome Jean Marie Siffredi entrou para a empresa no dia 12 de janeiro como sócio-administrador, também entraram na sociedade Juliane de Sousa Pinto, Paulo Pesquero Ponce Silva, Roberta Albuquerque dos Santos na mesma data. Danilo Moreira Nascimento entrou depois, em fevereiro de 2022.

Os cinco novos sócios entraram na parceria após todas as recomendações do MPF e também da deliberação da SEMMAM expedidas em junho de 2021, sobre o fechamento da pousada. Para o MPF, a postura do sócio é “ilustrativa” do descaso da empresa com a legislação, que inclusive chegou a mostrar resistência no processo.

Danilo afirmou ao MPF, em reunião, “Que não estava sabendo que o MPF recomendou o fechamento da pousada; que não sabia do inquérito civil que tramita no MPF desde 2017; que não sabe o valor que investiu; que espera retornar o investimento em quatro, cinco anos”, descreve o documento.

Na ação, o MPF pede, ainda, uma indenização aos povos indígenas da Terra Indígena Kaxuyana Tunayana afetados, no valor de R$1 milhão, pela falta de consulta pública, instalação irregular e utilização do território indígena.

Leia a ação na íntegra:

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