No Quênia, maioria das vítimas de seita que promovia jejum extremo é de crianças

Floresta de mais de 300 hectares está isolada e foi declarada 'cena de crime' (Reprodução/AFP)
Da Revista Cenarium*

Malindi (Quênia) | AFP e Reuters – A maioria das vítimas da seita que promovia jejum extremo para “conhecer Jesus”, no Quênia, é de crianças, afirmou à agência de notícias AFP um legista que não quis ser identificado. O número de mortos chegou a 89 na terça-feira, 25, após outros 17 corpos serem encontrados na floresta de Shakahola, no leste do País.

O número já indica que essa é a maior tragédia relacionada a cultos na história recente, e a quantidade de vítimas ainda pode aumentar. Segundo a Cruz Vermelha do Quênia, mais de 300 pessoas estavam desaparecidas, e as autoridades continuam percorrendo uma floresta com mais de 300 hectares, próxima à cidade costeira de Malindi, onde os seguidores da Igreja Internacional das Boas Novas viviam isolados.

Trabalhadores que exumam corpos em Shakahola, nos arredores da cidade costeira de Malindi (Yasuyoshi Chiba/25.04.23/AFP)

“Não sabemos quantas valas comuns e quantos corpos encontraremos”, afirmou o ministro do Interior, Kithure Kindiki, durante visita ao local. O chefe da pasta acrescentou que 34 pessoas foram encontradas vivas na floresta, e aventou a possibilidade de indiciar por terrorismo o pastor Paul Mackenzie, preso sob a acusação de realizar “uma lavagem cerebral” em seus seguidores.

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Funcionários do hospital e o parente de um membro do grupo disseram à agência Reuters, nesta quarta-feira, 26, que Mackenzie instruía seus seguidores a deixarem de comer para serem os primeiros a irem para o céu.

“Ele disse para passarem fome antes do fim do mundo, em 15 de abril, dizendo que seria o último e que trancaria as portas”, disse Stephen Mwiti, cuja esposa e seis filhos que se juntaram ao culto estão mortos. Ele afirma ter ouvido isso de um ex-membro do culto, que foi expulso por beber água durante o jejum. Mwiti disse que deu o alarme à polícia, mas sentiu que foi ignorado.

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A descoberta provocou uma onda de indignação no País. O presidente queniano, William Ruto, prometeu medidas contundentes contra aqueles que “utilizam a religião para promover atos atrozes”.

Foi necessário pedir à Cruz Vermelha contêineres refrigerados para atender a chegada em massa de corpos ao necrotério do hospital local, informou à AFP Said Ali, diretor do centro de saúde. Segundo um funcionário da Direção de Investigações Criminais, as escavações serão suspensas nos próximos dois dias para que haja tempo hábil de fazer as autópsias.

“A cada dia que passa, há grandes chances de mais pessoas morrerem”, afirmou Hussein Khalid, diretor-executivo da ONG Haki África, que comunicou à polícia sobre as ações do líder do grupo. “O horror que vimos, nos últimos quatro dias, é traumático. Nada te prepara para ver covas rasas com crianças dentro.”

Steven Mwiti segura fotografia de sua esposa Joan Bahati, que morreu após entrar na seita (Monicah Mwangi/26.abr.23/Reuters)

As autoridades recuperaram 81 corpos de covas rasas, enquanto oito membros do culto morreram depois de serem encontrados vivos. No necrotério do hospital local, dezenas de pessoas buscavam notícias de familiares que temiam estar entre os mortos.

“Meu coração está doendo muito”, disse Mwachai Jombo, 48, morador de Malindi, que foi ao necrotério em busca da mulher e de três filhos desaparecidos. Ele disse que os familiares se juntaram ao grupo e se mudaram para a floresta, há três anos, levando com eles todos os utensílios domésticos da família.

Terreno onde estavam as valas comuns, após exumação dos corpos (Yasuyoshi Chiba/25.abr.23/AFP)

O ex-taxista Mackenzie se tornou pastor em 2003 e já havia sido detido em outras duas ocasiões — a última delas, em março deste ano, após a morte de duas crianças por fome. O líder, porém, foi liberado depois de pagar uma fiança de US$ 700 (R$ 3.540). Após o último caso, no dia 14 de abril, ele se entregou à polícia, e outros 14 membros também foram presos. O líder comparecerá a uma audiência com um juiz em 2 de maio. Segundo a imprensa queniana, ele está recusando comida e água.

O drama reacendeu o debate sobre o controle do culto religioso no Quênia. Para o ministro do Interior, o massacre deve gerar “não apenas uma punição mais severa para o autor ou autores de atrocidades, mas também uma regulamentação mais rigorosa de cada igreja, mesquita, templo ou sinagoga, no futuro”.

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(*) Com informações da Folhapress
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