Nobel da Paz 2021: prêmio vai para jornalistas por defesa da liberdade de expressão

Maria Ressa e Dmitri Muratov, jornalistas vencedores do Nobel da Paz de 2021 (Eloisa Lopez/Reuters e Natalia Kolesnikova/AFP)
Com informações da Folha de S. Paulo

GUARULHOS – Os jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, ganharam o prêmio Nobel da Paz de 2021. O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira, 8, pelo comitê norueguês do Nobel.

Ressa, repórter filipina-americana, é editora do site de jornalismo investigativo Rappler e foi presa pelo governo de Rodrigo Duterte, em 2019, acusada de violar uma controversa legislação contra “difamação cibernética” devido a uma reportagem em que acusava um empresário filipino de atividades ilegais.

Já Muratov é cofundador e editor-chefe do “Novaia Gazeta” (novo jornal, em russo), um dos principais jornais de oposição ao governo de Vladimir Putin. O comitê norueguês descreveu o veículo como o mais independente da Rússia atualmente.

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A escolha, justificou a porta-voz do comitê, Berit Reiss-Andersen, foi um aceno à defesa das liberdades de imprensa e de expressão, “pré-requisitos para sociedades democráticas e a paz duradoura”.

“Esse prêmio não vai resolver os problemas que os jornalistas e a liberdade de expressão vêm enfrentando, mas joga luz sobre o trabalho dos jornalistas e o quão difícil é exercer a liberdade de expressão não apenas em regiões de conflito armado, mas em todo o mundo”, afirmou.

Ressa e Muratov foram escolhidos entre um universo de 329 candidatos, que incluía 234 indivíduos e 95 organizações — o terceiro maior número de todos os tempos. Os demais nomes na lista só serão tornados públicos daqui a cinco décadas, seguindo as regras do prêmio.

Lá fora

A jornalista se tornou a 18ª mulher a receber o Nobel da Paz desde que a distinção começou a ser entregue, em 1901. Numa conta do Rappler nas redes sociais, Ressa disse esperar que o prêmio seja “um reconhecimento de como é difícil ser jornalista hoje” e que “dê energia para seguir na batalha pelos fatos”.

Ainda que seja alvo de críticas de Dmitri Muratov, o Kremlin parabenizou o jornalista pela premiação. “Ele trabalha persistentemente de acordo com seus próprios ideais, é dedicado a eles, talentoso e corajoso”, afirmou o porta-voz Dmitri Peskov a repórteres pouco após o anúncio do comitê notureguês.

Muratov é o primeiro russo a ganhar o prêmio Nobel da Paz desde o ex-líder soviético Mikhail Gorbachov, laureado em 1990 pelo papel de liderança desempenhado nas mudanças radicais nas relações Leste-Oeste. Gorbachov, aliás, ajudou a fundar o Novaia Gazeta, jornal para o qual trabalha Muratov, em 1993, com parte do dinheiro que recebeu ao ganhar o prêmio.

Premiados

A liberdade de expressão rondava os nomes cotados para ganhar o Nobel da Paz. A organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), fundada em 1985 e responsável por monitorar, em 130 países, as relações de chefes de governo com a imprensa local, era apontada como possível vencedora neste ano.

O ambiente para a imprensa livre, descrito pelo comitê norueguês como preocupante, vem sido cercado em diferentes países. De acordo com os dados mais recentes da RSF, 24 jornalistas foram mortos desde o início do ano. Outros 350 estão presos. Um dos mortos é das Filipinas, País de Maria Ressa: Renante “Rey” Cortes foi assassinado por assaltantes em julho após concluir a apresentação de seu programa de rádio.

Há três meses, a organização lançou uma lista de “predadores da imprensa livre”, reunindo 37 chefes de Estado que asfixiam o ambiente da liberdade de imprensa. O presidente russo, Vladimir Putin, e o filipino, Rodrigo Duterte, integram a lista — bem como o brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido).

O prêmio é o primeiro para jornalistas desde que o alemão Carl von Ossietzky o recebeu, em 1935, por revelar o programa secreto de rearmamento de seu País no pós-guerra. Antes dele, dois jornalistas haviam sido laureados: o italiano Ernesto Teodoro Moneta, em 1907, por seu trabalho para um entendimento entre a França e a Itália, e o suíço Élie Ducommun, pela direção do Bureau da Paz.

O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta — economia — foi adicionada décadas mais tarde, em 1969. ​

Até a metade do século 20, os vencedores da categoria paz eram “políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais”. Desde o fim da Segunda Guerra, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco mudou para iniciativas que tentem limitar mudanças climáticas causadas pelo homem.

China, terra do meio

Há alguns anos, o Nobel da Paz vem recebendo críticas devido as suas escolhas. Em 2019, por exemplo, o laureado foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia — um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do País.

Durante a cerimônia de anúncio da premiação nesta sexta, a porta-voz do comitê norueguês, Berit Reiss-Andersen, foi questionada sobre a guerra travada pelo governo e por combates regionais da região do Tigré, mas disse que não comentaria premiações anteriores. Ainda assim, declarou que “a situação para a liberdade de expressão na Etiópia está muito longe do ideal e enfrentando severas restrições”.

Já em 2009, o ex-presidente dos EUA Barack Obama ainda estava em seu primeiro ano de mandato quando foi laureado. O próprio democrata disse não saber o motivo de ter sido agraciado. Mais recentemente, na quinta (7), Shimon Peres (1923-2016), um dos fundadores de Israel e Nobel da Paz em 1994, foi acusado de assédio sexual por uma ex-diplomata.

Entregue apenas a autores vivos, o prêmio nasceu para cumprir o testamento do químico Alfred Nobel. O curioso é que, em vida, o sueco ficou conhecido por ter inventado um artefato utilizado em guerras: a dinamite. Seu pai era dono de uma fábrica de explosivos em São Petersburgo, e foi lá que um jovem Nobel, com pouco mais de 15 anos, interessou-se pela nitroglicerina, elemento essencial do explosivo.

A descoberta não tinha o objetivo de ser usada em campos de batalha. A ideia inicial de Nobel era que o artefato lhe ajudasse em seu trabalho: como engenheiro, construía pontes e prédios em Estocolmo, e a dinamite poderia implodir pedras para tal fim. Ele patenteou a invenção nos EUA em 1867, quando tinha 34 anos. Nas décadas seguintes, fez disso um negócio lucrativo e no final da vida era dono de 355 patentes, boa parte delas relativas a novas descobertas feitas a partir da dinamite.

Pouco antes de morrer de hemorragia cerebral, aos 63, deixou em seu testamento que 94% de seus ativos deveriam ser destinados à criação de um fundo para premiar iniciativas que ajudassem a humanidade.

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