Novo PAC: é preciso cautela ao licenciar grandes obras na Amazônia, apontam técnicos ambientais

A Ferrogrão, ferrovia que ligará Sinop, no Norte de Mato Grosso, a Itaituba, no Pará. (Ricardo Botelho/Minfra)
Alessandra Leite – Especial para a Revista Cenarium Amazônia

SÃO PAULO (SP) – Com a intenção de “jogar luz” sobre os critérios utilizados para selecionar as obras que serão realizadas via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), três organizações se uniram para a elaboração de uma nota técnica sobre os empreendimentos selecionados para o programa. Entre as obras estão duas de grande impacto econômico, social e ambiental na Amazônia: a Ferrogrão e a BR-319, as quais os técnicos apontam que é necessário cautela ao licenciá-las.

No documento, o Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), Transparência Internacional – Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e GT Infraestrutura e Justiça Ambiental consideram questões de infraestrutura com foco em maiores benefícios socioeconômicos para a sociedade, evitando intervenções que levam ao desperdício do dinheiro público e mais transparência e participação das pessoas na tomada de decisões sobre alternativas e projetos nos setores de transporte e energia.

Citado pelos especialistas como empreendimento de “altíssimo risco socioambiental”, o projeto da BR-163, conhecida como Ferrogrão – via férrea cujo intuito é interligar o porto de Mirituba, no Pará, ao município de Sinop, no Mato Grosso – já tem toda uma dinâmica com a BR-163 que foi asfaltada recentemente e a abertura de portos e hidrovias entre Mirituba e Santarém, segundo o geógrafo e membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, Brent MillikanBrent Millikan.

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Tem uma dinâmica de expansão da soja e desmatamento naquela região, ligada inclusive à grilagem de terra pública, violência contra os moradores, conflitos fundiários em geral, grilagem de terra pública”, aponta o geógrafo.

Com quase 1.000 km, projeto da Ferrogrão promete facilitar o escoamento da safra de grãos do Centro-Oeste pelos portos da Região Norte do País. (Divulgação/Ministério da Infraestrutura)

Por outro lado, Brent acredita que o governo federal teve alguma cautela com o Ferrogrão, no PAC, já que prevê a realização de estudos. “Não diz nem sim, nem não, mas preconiza mais estudos. A questão é de que modo esses estudos serão feitos. Como eles vão abranger e até que ponto haverá transparência e participação no debate público sobre isso”, analisa.

Outro caso mencionado como de alto risco ambiental é a BR-319, entre Manaus e Porto Velho. Para Brent, trata-se de uma outra situação que precisa ser melhor debatida e analisada, especialmente sob a ótica das questões de governança territorial.

Nos dois casos, tanto Ferrogrão quanto BR-319, é necessário melhorar essa governança territorial, independentemente de fazer essas obras ou não. Isso deveria ser assegurado antes de avançar com os empreendimentos. Por isso nós elencamos critérios na publicação da nota, exatamente nesse sentido, de ver como foi o processo de planejamento, se foram levadas em contas seriamente as questões de risco socioambiental”, critica.

Área desmatada no entorno da BR-319. (Lalo de Almeida/Folhapress)

O especialista destaca, ainda, a importância do direito à consulta livre e prévia, principalmente aos povos indígenas e outras populações tradicionais, durante planejamento, implementação e execução dos projetos dos portfólios do governo.

Programa de Aceleração do Crescimento

Com um total de investimentos de R$ 1,7 trilhão, sendo o montante de R$ 371 bilhões da União, o novo PAC – lançado em agosto pelo governo federal – está dividido em nove eixos de investimento e cinco grupos de medidas institucionais, entre eles o programa Cidades Sustentáveis e Resilientes, cujo valor será recebido será de R$ 610 bilhões. O Programa engloba, ainda, projetos para mobilidade urbana, gestão de resíduos sólidos, entre outros.

O documento elenca critérios de análise prévia de alternativas de investimentos em infraestrutura e uma proposta de categorias de diagnóstico e de classificação, com o intuito de contribuir com a escolha de projetos incluídos no planejamento do governo.  Ao considerar o lançamento do “novo PAC”, que contém um conjunto de obras prioritárias para o Brasil, o texto traz reflexões sobre que princípios foram seguidos na seleção dessas obras.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante cerimônia de lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). (11.ago.2023 – Ricardo Stuckert/PR)

De acordo com o diretor-presidente do IEMA, André Ferreira, a elaboração de cenários alternativos de infraestrutura que incorporem critérios socioambientais e econômicos transparentes na comparação de projetos, com ampla participação da sociedade, deveriam ser fundamentais na seleção dos investimentos, tanto no orçamento público quanto nas Parcerias Público Privadas (PPI). “No entanto, esta não é uma prática usual no Brasil e não se tem clareza dos critérios utilizados na seleção desses investimentos”, explica Ferreira.

Para uma das autoras da nota, a economista e analista do ISA, Mariel Nakane, o que mais se espera com a iniciativa é o descarte de projetos que são de fato inviáveis. “Muitas vezes eles avançam e serão revertidos. Quando são revertidos? No licenciamento ambiental é um momento inoportuno para essa reversão. Quando se chega no licenciamento, espera-se que a avaliação de viabilidade socioeconômica do projeto já esteja, enfim, sanada”, ressalta.

Benefícios e menor custo ambiental

Na avaliação do geógrafo e membro da Secretaria Executiva do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, Brent Millikan, as reuniões do grupo de trabalho têm sido “bastante produtivas” com áreas do governo federal como a secretaria-geral da presidência, ministério do Meio Ambiente, do Planejamento e da Fazenda.  

Nossas reuniões têm sido positivas também com o TCU [Tribunal de Contas da União], cujo trabalho é de fiscalização a posteriori. Percebemos que existe um reconhecimento generalizado sobre a necessidade de melhorias entre instrumentos de planejamento e processos de tomada de decisão quanto à análise de risco socioambiental e viabilidade socioeconômica. Vejo isso, sobretudo, no sentido de avaliar alternativas, de ver quais empreendimentos poderiam trazer mais benefícios para a sociedade e menor custo socioambiental”, opina o especialista.

Uma dificuldade apontada por ambos os especialistas e autores da nota técnica é a ausência de diálogo com a Casa Civil e outras áreas do governo, como Ministério de Minas e Energia e Transportes. “A gente espera que seja possível melhorar esse diálogo ou as possibilidades de se abrir um diálogo”, argumenta Brent.

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Respeito aos povos tradicionais

Para Mariel Nakane, é crucial que as diversas ações de infraestrutura sejam articuladas de forma integrada com outras políticas públicas em cada região. Ela destaca que essa articulação é o que protege os territórios cuja governança é frágil, evitando projetos inviáveis no âmbito socioeconômico. Nakane finaliza pedindo respeito e proteção aos direitos de povos e comunidades tradicionais e comunidades locais afetadas pelas infraestruturas.

 “Historicamente, o planejamento de infraestrutura no País enxerga os danos aos povos e comunidades tradicionais e locais como ‘sacrifícios necessários’ para o desenvolvimento dos projetos, e isso não é mais aceitável. Os povos e as comunidades impactados exigem que seus direitos de participação, como a consulta prévia e a inclusão de seu bem-estar, sejam considerados no planejamento e que sejam selecionados projetos que apresentem resultados verdadeiramente positivos para os territórios”, reforça Mariel Nakane.

Povo Pirahã, impactado pela BR-319. (Pedro da Silva Souza, Equipe Madeira do CIMI – Regional Norte I)
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