Número de casos de violência contra lideranças políticas no primeiro trimestre é o maior em dois anos

"Isso é resultado da lógica da violência gratuita e apoiada pela política do próprio Governo Bolsonaro", afirma sociólogo (Reprodução/Internet)
Com informações da FolhaPress

SÃO PAULO – O número de casos de violência contra lideranças políticas, como o assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda, já é maior na primeira metade deste ano do que no mesmo período do último ciclo eleitoral, o pleito municipal de 2020.

A constatação é do Observatório da Violência Política e Eleitoral formado por pesquisadores do Giel (Grupo de Investigação Eleitoral) da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).

Considerando-se os primeiros seis meses do ano, em 2020, ano de eleição municipal, foram registrados 174 casos e, em 2022, 214, um aumento de 23%.

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Coroas de flores no velório do guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Arruda, baleado em festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR)
Velório do guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Arruda, baleado em festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR) (Paulo Lisboa/FolhaPress)

O grupo considera como lideranças políticas ocupantes e ex-ocupantes de cargos eletivos, candidatos, ex-candidatos, pré-candidatos e determinados funcionários da administração pública (ministros, secretários de governo e assessores).

É o caso de Arruda, que, além de guarda municipal e tesoureiro do PT, havia concorrido a vereador e a vice-prefeito pelo partido nas últimas eleições municipais.

O boletim trimestral sobre violência política é feito pelo Giel com base no acompanhamento dos veículos de comunicação. As informações obtidas em reportagens são depois validadas pela equipe para descartar mortes naturais, acidentais ou sem razão conhecida.

O grupo considera violência política contra lideranças os atos de ameaça, agressão, homicídio, atentado, homicídio de familiar, sequestro e sequestro de familiar.

O recrudescimento da violência política já havia sido observado no primeiro trimestre deste ano, quando o Observatório registrou a ocorrência de 113 casos, 28% a mais do que no mesmo período de 2020.

Já no segundo trimestre, foram 101 episódios, 17% a mais do que há dois anos. O caso do petista entrará no próximo boletim, já que o acompanhamento é trimestral.

O político petista Marcelo Aloizio de Arruda, morto a tiros pelo bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, policial penal federal, que invadiu a festa de aniversário temática dele no sábado, 9 de Julho, em Foz do Iguaçu (PR)
O político petista Marcelo Aloizio de Arruda (Acervo Pessoal)

No período mais recente analisado, ou seja, de abril a junho, o tipo de violência mais frequente foi ameaça, com 37 casos (36,6%), seguida de agressão, com 27 casos (26,7%) e homicídios, com 19 casos (18,8%).

Houve ainda nove atentados (8,9% do total de ocorrências), cinco homicídios de familiares (5%), dois sequestros (2%) e dois sequestros de familiares (2%).

Segundo o cientista político Felipe Borba, coordenador do Giel, a comparação entre anos eleitorais é a mais adequada, devido à tendência de os casos acompanharem o calendário dos pleitos. E isso o preocupa atualmente.

“Caso se repita o que foi observado na eleição municipal, a grande escalada de violência começa agora”, afirma.

Em 2020, o número de episódios de violência política aumentou 44% do segundo trimestre para o terceiro, e 93,5% entre o terceiro e o quarto trimestre.

A Região Nordeste teve o maior número de assassinatos (10 casos) e, pela primeira vez, o Estado do Paraná liderou o ranking, com quatros casos, algo que, segundo o boletim, “chama atenção por ser algo incomum até então”.

O guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Arruda é enterrado em Foz do Iguaçu
O guarda municipal e tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, é enterrado em Foz do Iguaçu (Paulo Lisboa/FolhaPress)

Considerando-se o País todo, Borba afirma que o atual aumento da violência política em relação a 2020 não era esperado porque a eleição federal e estadual tem muito menos candidatos do que a municipal, quando as 5.568 cidades do País elegem prefeitos, vice e vereadores.

Em sua avaliação, a alta neste ano decorre de dois fatores. Por um lado, a violência da política estadual e federal se soma à municipal, que é predominante no País. E, por outro, afirma, o bolsonarismo usa a linguagem da violência como estratégia eleitoral, o que acaba incitando apoiadores.

“As eleições brasileiras sempre foram polarizadas, mas nunca houve pelos candidatos estímulo à violência, falar em metralhar”, diz.

Na campanha de 2018, o presidente Jair Bolsonaro, então candidato ao cargo, chegou a falar em “fuzilar a petralhada”.

Cobrado pela declaração neste fim de semana, Bolsonaro publicou, em rede social, horas após o assassinato de Arruda, que dispensa o “apoio de quem pratica violência contra opositores”.

Para o coordenador do Giel, qualquer ato de violência contra liderança política é muito grave porque mina a democracia e ainda fere a liberdade de expressão. “Reduz a participação e a legitimidade dos eleitos e deixa as pessoas com receio de manifestar sua opinião”, afirma.

Diante do acirramento das tensões no País e dos ataques de Bolsonaro ao processo eleitoral, ele diz temer que ocorra, em grandes proporções, algo pouco comum no Brasil: a violência pós-eleitoral, como ocorreu em episódios recentes nos Estados Unidos e na Bolívia.

Por enquanto, o assassinato do tesoureiro petista em Foz do Iguaçu (PR) não é a regra da violência política observada nos últimos três anos, que tem perfil mais local.

Estudo de Borba em parceria com Vinícius Israel, Miguel Carnevale e Pedro Bahia mostra que, no ciclo das eleições de 2020, as lideranças políticas vítimas de violência eram majoritariamente do sexo masculino, brancos, com alta escolaridade, dos pequenos municípios e filiados a partidos do centro-direita.

Por outro lado, a chance de um homicídio ocorrer era maior contra políticos não brancos e de baixa escolaridade.

Por enquanto, a dinâmica predominantemente local se mantém. Segundo o boletim mais recente do Observatório, a maior parte dos alvos da violência política do segundo trimestre de 2022 eram vereadores (48,5%) e prefeitos (10,9%).

Mas acontecimentos recentes têm aumentado a preocupação com a segurança do pleito deste ano.

Na quinta-feira, 7, um evento com apoiadores de Lula, na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro, foi alvo de um artefato explosivo.

No último dia 15, apoiadores do ex-presidente foram alvos de drone com um líquido antes de um ato com a presença de Lula em Uberlândia, Minas Gerais.

Como a Folha mostrou, a Polícia Federal decidiu antecipar e reforçar o aparato de segurança do ex-presidente.

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