‘O senhor do Rio Negro’ e os impactos da cheia no Amazonas

O engenheiro civil Valderino Pereira da Silva, de 73 anos, conhecido por medir o nível das águas do Rio Negro, em Manaus (Ricardo Oliveira/CENARIUM)
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – O engenheiro civil Valderino Pereira da Silva, de 73 anos, hoje aposentado, é o homem engenhoso que, mesmo com problemas na vista e andar cuidadoso, é considerado o “cara” da medição, há quase 35 anos, do nível do majestoso e imponente Rio Negro, que banha a metrópole Manaus. A missão é primordial para a previsão de enchentes na capital do Amazonas, que tem enfrentado eventos climáticos extremos nos últimos anos.

Valderino acompanhou de perto, em 2021, a maior enchente do Rio Negro, quando a marca da água atingiu 30,02 metros acima do nível do mar. O número é o maior desde quando a medição da série histórica começou, em 1902. Ao todo, além de Manaus, quase todos os outros 61 municípios do Amazonas costumam registrar inundações e estragos, segundo a Defesa Civil estadual. Somente no ano passado, foram mais de meio milhão de pessoas atingidas pela cheia.

Valderino no Porto de Manaus (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Neste 2022, os níveis das águas do Amazonas estão próximos de chegarem ao ápice e atingirem em junho, como no ano passado, um número surpreendente de pessoas afetadas. O Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM), que tem o trabalho de Valderino como referência, divulgou na sexta-feira, 29 de abril, o 2º Alerta de Cheia que estima que o nível do Rio Negro deve chegar a 29,80 metros neste ano. O cenário atual, contudo, é melhor do que o anterior, mas a estimativa do Estado é que cerca de 385 mil pessoas sofram alguma consequência com a subida das águas.

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A previsão da Defesa Civil do Estado é que até 45 cidades obtenham prejuízos com a enchente ocasionada pelo período chuvoso, que atinge o Amazonas desde os primeiros meses do ano. Ainda em relação às chuvas, a mestre em meteorologia e analista de ciências e tecnologia no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Deydila Bonfin, afirma que parte das bacias amazônicas vão enfrentar precipitação acima do normal ainda neste trimestre de maio, junho e julho.

(Ricardo Oliveira/CENARIUM)

Segundo destacou a especialista, durante a divulgação do 2º Alerta de Cheia do Amazonas, realizado em 29 de abril, pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB – CPRM), o prognóstico de chuvas fora da normalidade é para as bacias do rios Negro e Branco, o curso principal do Rio Solimões e seus afluentes da margem esquerda, como o rios Içá e Japurá, além da margem direita, à exemplo de Tefé e Coari.

Após comparar os modelos de precipitação climática brasileiro, americano e europeu, Deydila Bonfin destacou que as bacias da Amazônia estão sendo afetadas pelo fenômeno La Niña, que consiste na diminuição da temperatura ou resfriamento da superfície das águas do Oceano Pacífico, provocando chuvas acima da média.

O trimestre

No trimestre de maio, junho e julho é quando os níveis mais críticos da enchente atingem os maiores patamares e estão as variações que registram quando a água para de subir. O engenheiro Valderino que, além medir a cota do Rio Negro, crava milimetricamente na memória datas e números das enchentes, explica à REVISTA CENARIUM que a prevalência em registrar a cota máxima cabe ao mês de junho.

O engenheiro civil Valderino Pereira da Silva, de 73 anos, conhecido por medir o nível das águas do Rio Negro, em Manaus (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

“Em 118 anos, as maiores cheias ocorreram 94 vezes no mês seis [junho]. Dezoito vezes, a máxima de enchente ocorreu em julho e somente 6 vezes ocorreu em maio. A medição começou aqui no Porto de Manaus, em 15 de setembro de 1902, já em época de vazante”, comentou Valderino.

Para o medidor experiente, não há como saber qual o mês exato em que o rio pode parar de subir ou não, porque existem essas variações. Valderino Pereira declara convicto também que ninguém pode dizer o que vai acontecer com as águas, pois a natureza é imprevisível.

“Em 2012, por exemplo, quando teve a segunda maior enchente, o Rio Negro parou de subir no dia 29 de maio. No ano passado, que foi a maior, parou no dia 16 de junho. Ou seja, as variações são muitas. Você não chega aqui e diz que o rio vai parar só em maio, mas há previsões, probabilidades”, reforçou.

O senhor do Rio Negro

Seja como o “senhor do Rio Negro”, o “Homem do Rio” ou o “Príncipe do Rios”, Valderino Pereira da Silva é referência e amplamente conhecido no Porto de Manaus. O trabalho detalhista do medidor começou, oficialmente, após a morte de um ex-servidor, o José Cavalcante Paiva, responsável direto também por fazer as medições diárias do rio, em meados da década de 1970.

O engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), contudo, atua no Porto de Manaus há, pelo menos, 53 anos. Sua trajetória na região iniciou-se na labuta pesada de serviços gerais. Ele recolhia lixo, fazia faxina, ajudava outros trabalhadores que precisavam de uma mão amiga, mas sempre foi apaixonado mesmo pela medição do rio, momento em que pode desfrutar da paisagem e observar a natureza amazônida.

(Ricardo Oliveira/CENARIUM)

“Eu tenho 53 anos de porto. Formei em Edificações pela antiga Escola Técnica Federal do Amazonas (Etfam), na década de 1970, e depois eu vim estagiar aqui no porto, quando fui começar a saber tirar a cota. Quando o Paiva estava de férias, era eu quem fazia a leitura. Quando o Paiva se aposentou, eu fiquei como o responsável e sou até hoje”, frisou o medidor Valderino.

É nesse convívio diário com a medição que Valderino notou algumas peculiaridades. Uma delas diz respeito à mudança de comportamento do rio na região de Tabatinga, no Alto Solimões, que se reflete em Manaus. Ou seja, se registrado algum evento climático nas águas da cidade de Tabatinga, o Rio Negro também pode sentir no período aproximado de três semanas.

Casado, pai de três filhos, Valderino conta que o pai dele também trabalhou no Porto de Manaus, motivo que o levava a estar frequentemente naquela região. O engenheiro civil conta com orgulho que, quando o Rio Negro está em época de cheia ou vazante, equipes de jornalistas ou pesquisadores do Brasil todo o procuram para entrevistas ou colher informações.

“Falo com muito orgulho, pois é gratificante. Hoje, sou aposentado, mas venho até o porto com muito prazer. Fazer a medição nunca fez parte das minhas obrigações, mas sempre fiz questão de estar à frente dessa atividade”, finalizou.

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