Paixão pela ciência: os desafios da carreira de pesquisadoras no Brasil

Participação de mulheres e meninas em atividades de pesquisa deve ser estimulada e promovida em todos os níveis, segundo a Unesco (George Joch/Argonne National Laboratory)
Da Revista Cenarium*

BRASÍLIA – A paixão pela ciência uniu o destino das pesquisadoras Ester Sabino, 63 anos, e Jaqueline Goes, de 33 anos. De gerações distintas, elas participaram do primeiro sequenciamento genético do novo coronavírus no Brasil. O mapeamento genético do vírus realizado em apenas 48 horas – enquanto a média mundial é de cerca de 15 dias –, gerou uma repercussão inesperada na equipe de especialistas.

Em entrevistas exclusivas à Agência Brasil, Ester e Jaqueline falaram sobre as perspectivas e valorização de suas carreiras e da ciência, no País, no Dia Internacional da Mulher. Ampliar a divulgação da ciência no País e garantir investimentos para a produção científica estão entre os principais pontos defendidos pelas duas pesquisadoras.

Ingra Morales, Érica Manuli, Ester Sabino, Flávia Sales, Jaqueline Goes participaram do sequenciamento do coronavírus no Brasil.
Equipe de pesquisadoras que mapeou o genoma do SARS-CoV-2. Da esquerda para a direita: Ingra Morales, Érica Manuli, Ester Sabino, Flávia Sales e Jaqueline Goes (Almir R. Ferreira/Scapi IMT)

Jaqueline é biomédica e coordenadora da Rede Colaborativa de Sequenciamento Genético no Brasil (Rede SEQV Br). Ela defende regulamentar a profissão, no País, e lembra que as bolsas de pesquisa ficaram quase dez anos sem reajuste. Em fevereiro, o governo anunciou aumento de 25% a 200% nos valores pagos.

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“Trata-se o pesquisador como se ele fosse um estudante, mas esquece-se de que ele já é um profissional graduado. Não faz sentido ganhar R$ 1.500 para desenvolver pesquisa, que é algo tão importante para o País. Essa desvalorização do cientista também impacta na produção, porque muitas vezes o cientista está ali, mas não está em condições ideais. Nem de moradia, nem de alimentação, nem de apoio psicológico e, obviamente, isso vai impactar na produtividade dele dentro da pesquisa”, pontuou.

Além da regulamentação profissional, Jaqueline defende a modernização da legislação brasileira para assegurar, por exemplo, mais agilidade na importação de insumos para a pesquisa.

“O Brasil não produz [insumos] e toda a ciência brasileira é pautada pelas importações de produtos produzidos fora do País. Isso faz com que tudo encareça, porque esses materiais são importados em dólar ou euro”.

“Também é necessário considerar a cadeia logística [para importação], pois a gente cansa de receber reagentes que ficam na alfândega por 15 dias, 20 dias, muitas vezes em temperatura inadequada”, acrescentou.

Ester Sabino trabalha no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP) e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (Rovena Rosa/Agência Brasil)

A imunologista e professora do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Ester Sabino também defende o aporte de mais verbas para atividades de pesquisa e diz que, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, houve uma “guerra contra a ciência”.

“Hoje, realmente, a área de ciência precisa de muito apoio para poder continuar crescendo do jeito que estava antes desses últimos quatro anos, quando houve uma guerra contra a ciência. O valor das bolsas [de ensino e pesquisa] caíram, os estudantes vivem muito mal e isso tem um grande impacto”, ressaltou a professora.

Segundo Ester Sabino, gerações inteiras de pesquisadores se perdem, já que muitos talentos vão para o exterior em virtude da falta de investimento e perspectivas na área.

“A ciência é uma coisa de longo prazo. Sinto falta de pessoas mais novas que eu, que já estivessem fazendo os seus grupos, senão vamos ter, de novo, uma falta de pesquisadores. Essa leva [de pesquisadores] que foi formada pode cair de novo, como aconteceu na década de 60”, avalia.

(*) Com informações da Agência Brasil
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