Polícia Civil de Roraima investiga ataque a barracão de candomblé; ‘sentimento de revolta e medo’, diz frequentadora

A explosão assustou religiosos durante ritual do candomblé (Divulgação)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

BOA VISTA – Um artefato explosivo foi lançado durante a realização de um ritual no barracão de membros adeptos a religião de matriz africana. O fato aconteceu no último dia 9 de julho, no Bairro São Bento, em Boa Vista. O ataque assustou todos que estavam presentes, inclusive deixou ferida uma das frequentadoras. À REVISTA CENARIUM nesta sexta-feira, 15, uma das mulheres que estavam no local contou que o sentimento é de revolta e medo.

A Polícia Civil de Roraima investiga o ataque que aconteceu por volta das 15h, logo após o início de um ritual de entidade aos som do tabaque (instrumento musical de percussão africano) e dos cânticos. Segundo uma das frequentadoras do terreiro, Inadira Silva, que testemunhou o ocorrido, o som teria incomodado os vizinhos que foram surpreendidos pelo artefato.

“Nós ficamos desesperados, porque isso foi uma afronta muito grande. Ficamos revoltados pois tínhamos acabado de construir o nosso espaço e estamos nos adequando justamente para que o som não incomode os vizinhos. Nós não recebemos doações, nem de dízimos. Somos trabalhadores, pessoas comuns e precisamos fazer que todos as coisas caibam no nosso orçamento”, informou a frequentadora ressaltando que esse seria o primeiro encontro de celebração no local.

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Questionado se temem um novo ataque, ela respondeu: “Sim, tememos e muito. Eu temo mais ainda que aqui é minha casa eu moro aqui. Se a pessoa tem coragem de jogar uma bomba, tem coragem de me matar”, afirmou Inadira.

Boletim de Ocorrência

Os membros que estavam no espaço no dia do fato, relatam que tentaram chamar a Polícia Militar e o Samu para atender a ocorrência já que três pessoas haviam ficado feridas, mas a PM se recusou a ir até o local e o Samu informou que só iria se a Polícia Militar estivesse presente.

O esposo de Inadira tentou fazer um Boletim de Ocorrência (BO) no 5º Distrito de Polícia, mas quando chegou no local não havia internet. Eles conseguiram fazer o BO na Plantão Central – Boa Vista, no Jardim Primavera. No documento que a REVISTA CENARIUM teve acesso mostra que o caso foi registrado como lesão corporal e dano material.

A motivação delitiva ora citada, foi devido o local estar ocorrendo um culto, do qual a vítima participava e o autor que é vizinho do local se irritou e arremessou o artefato ora citado, e que o autor já se exaltou outras vezes, reclamando da prática de culto no local”, diz trecho do BO.

Repúdio

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Roraima (OAB-RR), manifestou repúdio e indignação ao ataque aos membros adeptos da religião de matriz africana. Para a instituição, a agressão a um local de culto é situação flagrante de intolerância religiosa e clara violação dos direitos humanos, pois, além do direito constitucionalmente garantido a todos, sem exceção, professarem a sua fé, os atos destacados configuram crime de acordo com o Código Penal Brasileiro.

Além de ofender o sagrado alheio e os adeptos das religiões de matriz africana, os atos praticados contra os membros do local, desprestigiam a luta pelo respeito à liberdade religiosa e demonstra um grave rompimento com os ditames concebidos na Constituição Federal de 1988, especialmente, relacionado ao respeito à liberdade de culto e crença descrito no art. 5º, inciso VI.

A Comissão de Liberdade Religiosa da OAB Seccional Roraima, ao tomar conhecimento do caso, realizou o devido acolhimento das vítimas na quarta-feira, 13.07.2022, e se colocou à disposição para cobrar e exigir providências no sentido de que o episódio seja elucidado, formando uma política de proteção e garantindo que fatos como esse não se repitam no Estado de Roraima.

Comissão de Liberdade Religiosa

O presidente do Conselho Seccional, Ednaldo Gomes Vidal, editou portaria designando a Comissão de Direitos Humanos para acompanhar o caso, juntamente com a Comissão de Liberdade Religiosa.

“As agressões contra a Dofona de Sangò, Ekedy de Oyà, sua família e demais membros que integram a comunidade que segue as tradições do Candomblé, fere a importância histórica e cultural das religiões de matriz africana. Além de difundir, portanto, uma postura intolerante e discriminatória, o que é inadmissível”.

A OAB Roraima se solidariza com a Casa de Auxílio Espiritual Filhos de Osùn e todos os seus membros, defendendo o respeito à liberdade religiosa e ressalta que, qualquer ato atentatório e de intolerância torna obrigatório seu efetivo enfrentamento parte de todos os seguimentos da sociedade.

Conforme dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no ano de 2021, foram registradas no Brasil o total de 586 denúncias de intolerância religiosa, resultando em um aumento de 141% em relação ao ano de 2020, quando foram registradas 423 denúncias.

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