Polícia Federal no rastro de Bolsonaro

Jair Bolsonaro recorreu contra multa de R$ 20 mil aplicada pelo TSE (Reprodução/Agência Brasil)
Ademir Ramos – Especial para Revista Cenarium Amazônia**

MANAUS – Muito antes de ser eleito para a Presidência da República (2019–2022), Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo Rio de Janeiro, disparava sua metralhadora contra o Estado Democrático de Direito, afrontando no plenário da Câmara, o ordenamento Constitucional, alegando para fins golpistas que: “a atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura (…)” e, em ordem unida, o deputado exalava ódio contra a Democracia.
Na Presidência da República, não foi diferente, Bolsonaro potencializou sua fúria contra a Constituição Federal com referendo de alguns apoiadores no Parlamento, dessa vez, sua alça de mira apontava seletivamente contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Destaca-se na trama, a participação do presidente, na Avenida Paulista, no 7 de setembro de 2021, quando chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”, declarando à Nação que a partir daquele momento não cumpriria mais qualquer decisão do ministro. Não demorou muito, a bravatice caiu por terra e de repente “o tigre da paulista virou um bichano”, retratando-se publicamente.

Nessa escalada de impropérios e xingamentos impublicáveis contra os ministros do Judiciário, o presidente da República convocou os embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de junho de 2022, para manifestar suspeição sobre o sistema eleitoral brasileiro e acusar os ministros do TSE de tentar beneficiar o seu principal oponente Luiz Inácio Lula da Silva, isso porque, segundo seus espirros autoritários: “a urna não é inviolável, é penetrável, sim”.

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Denunciado por abuso de poder político, o TCE, no dia 30 de junho de 2023, reconheceu a prática de abuso e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião com os embaixadores no Alvorada e por maioria de votos, declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, a partir das Eleições 2022.

Apura-se também, entre outros arroubos, aquele que o candidato Bolsonaro declarou ao seu público evangélico sobre o seu futuro: “estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira alternativa não existe (…)”, restando tão somente a segunda, como força da natureza, visto que o ex-presidente foi derrotado nas urnas.

Bolsonaro, não reconhecendo a vitória do seu sucessor, bateu em retirada no dia 30 de dezembro de 2022, não repassando a faixa presidencial ao eleito, possivelmente, inspirado no gesto de um dos pilares da ditadura, general João Batista de Oliveira Figueiredo, aquele que dizia, “preferir o cheiro de cavalo do que cheiro do povo”.

Mas, pelo festival de besteira que exalava, Bolsonaro foi comparado com o folclórico general Costa e Silva, que “chegara à Presidência perseguido por uma coleção de piadas onde entrava no papel de paspalho”, é o que registra Elio Gaspari (2002), na obra “Ditadura Envergonhada”.

Contrariado e envergonhado, Bolsonaro, como um patriarca sem pátria, viajou para Orlando, nos Estados Unidos, acompanhado da esposa Michelle e assessores, apinhado com joias da República, conforme investigações em curso na Polícia Federal (PF).

Frente aos fatos, Bolsonaro, alinhado com seus princípios autoritários, poderia ter exclamado pela décima vez que: “através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil (…)”.

O ex-presidente retorna dos Estados Unidos, no dia 30 de março de 2023, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 contra os Poderes da República, como se nada soubesse e isento de qualquer responsabilidade.

Diferente dessa conduta dissimulada, o STF, em cumprimento ao seu dever Constitucional, instaurou de pronto, o Inquérito 4.879/DF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para apurar, segundo consta na justificativa, a escalada violenta dos atos criminosos que resultou na invasão dos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF, com depredação do patrimônio público, amplamente noticiado pela imprensa nacional. Conforme registro nos autos, “somente poderia ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira”.

Frente à “intentona bolsonarista” contra a Democracia, o STF amparado em requerimento da Advocacia-Geral da União, sustentado pelos art. 319 e 283 do Código de Processo Penal (CPP), reclamando, entre outras medidas, a “prisão em flagrante de todos os envolvidos nos atos criminosos decorrentes de prédios públicos federais em território nacional, inclusive do Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e demais agentes públicos responsáveis por atos e omissões, avaliando, até mesmo, a adoção de outras medidas cautelares que impeçam a prática de novos atos criminosos”, sendo imediatamente deferida pelo relator.

A Decisão do ministro relator Alexandre de Moraes é categórica em afirmar que, “absolutamente todos serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às Instituições, inclusive pela dolosa conivência – por ação ou omissão – motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo. A Democracia brasileira não será abalada, muito menos destruída, por criminosos terroristas”.

Em outra Petição 11.645/DF, de 10 de agosto de 2023, conectada com o Inquérito 4.874/DF, sob a suspeita de que Bolsonaro seja o principal beneficiário das vendas das joias da República, o editorialista do Estadão (15/8.) advertiu, “que as instituições – Polícia, Ministério Público e Judiciário – devem atuar estritamente dentro da lei”, apela também para o respeito às regras de competência, elemento indispensável de um julgamento imparcial.

Ademais, a Opinião do Estado recorre às determinações do Art. 76 do CPP, explicando porque todos os casos de atos antidemocráticos foram distribuídos no STF ao ministro Alexandre de Moraes. Ele é o juiz competente, a quem deve ser encaminhado os novos indícios. No entanto, pondera o Editorialista, “não sendo hipótese de conexão, entender que todo novo caso, como o da venda das joias, deve estar sob a jurisdição de Alexandre de Moraes – simplesmente porque Jair Bolsonaro estaria envolvido – é repetir o grande erro da Lava Jato, abrindo caminho para a impunidade. O País não merece reviver essa frustração”.

A advertência é pertinente, contudo, a PF informa em sua petição inicial supracitada que a investigação feita até o presente, já identificou cinco eixos principais de atuação da organização criminosa do Palácio da Alvorada: a) ataques virtuais a opositores (b) ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; (c) tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito; (d) ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia e; (e) uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.

Paralela às investigações do STF, o Senado também instalou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os atos golpistas de 8 de janeiro, na ocasião a CPMI tem sido recorrente em requerer junto à Suprema Corte o compartilhamento dos dados contidos nos celulares do ex-presidente Bolsonaro apreendidos no dia 3 de maio de 2023, no Jardim Botânico, em Brasília. A resposta do STF tem sido protocolar, “por enquanto não”.

A incógnita assalta nossa razão. Mas, a decodificação das mensagens dos agentes dessa organização criminosa, extraídas dos celulares, inclusive do Bolsonaro, bem como, a quebra dos sigilos fiscal e bancário de suas contas e demais membros, dirão não só o enredo, como também, a cumplicidade dos atores nos atos criminosos que abalaram Brasília e tomaram de assalto as joias da República, se Bolsonaro integra ou não esse movimento golpista ainda não sabemos, mas a PF está no seu rastro.

Leia também: Bolsonarismo e as próximas eleições no Amazonas

(*) É professor, antropólogo, coordenador do projeto Jaraqui e do Núcleo de Cultura Política do Amazonas anexado ao Dpto. de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). E-mail: [email protected]

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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