Por que não uma negra?

A população negra é maioria no País — 56,1% ou 113,8 milhões, confirmados pelo último Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As mulheres negras são 44%, ou seja, 50 milhões de pretas e pardas. Em breve, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, vai se aposentar. Até agora, há uma disputa pela vaga que será aberta com a sua despedida do STF. Os homens da Alta Corte têm candidatos. As únicas duas mulheres do Supremo — ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia — defendem que a vaga seja preenchida por uma mulher negra.

A escolha será do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente ocupado em ampliar, positivamente, a imagem do Brasil no cenário internacional e garantir a aprovação dos projetos de governo no Congresso, formado, em sua maioria, pela extrema direita, que não nutre simpatia por negros, negras e todos demais segmentos da sociedade que não sejam brancos. Uma negra no STF seria um indicativo de mudança.

Nunca, em 132 anos, uma jurista negra chegou ao Supremo, onde os homens brancos têm hegemonia, em total dissonância da realidade populacional. Não há paridade de gênero na composição do STF. Ainda que isso não tenha sido declarado ou, claramente, admitido, o modelo patriarcalista é nítido e prevalece nos critérios de escolha. O racismo e a misoginia velados se revelam na composição dos tribunais e em outras instâncias de poder. Impossível supor que em conjunto de 50 milhões de mulheres negras, nenhuma tenha formação e capacidade de chegar à Alta Corte.

PUBLICIDADE

Entre os 11 integrantes do STF, nove são homens, perpetuando a concepção conservadora de que eles têm mais competência, saber jurídico e expressão na sociedade. Ao longo da sua história, desde o Império, o Supremo teve três ministros negros — Pedro Lessa (1907-1921), Hermenegildo de Barros (1917-1931) e Joaquim Barbosa (2003-2014), que foi o primeiro a presidir a Alta Corte.

Ellen Gracie Northfleet, magistrada no Rio de Janeiro, foi a primeira mulher a ser nomeada ministra do STF, em 23 de novembro de 2000, pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Ela abriu caminho para que outras juízas ocupassem o mesmo cargo. Gracie chegou à presidência e despediu-se do Supremo antes de completar 70 anos, idade para a aposentadoria compulsória.

O presidente Lula bem que poderia ser mais ousado e o primeiro presidente a nomear a primeira mulher negra para substituir Rosa Weber. Ele faria um ato inédito. Sinalizaria, ainda que modestamente, que o Supremo pode ser plural, tanto etnicamente quanto em gênero. Daria um bom exemplo às demais cortes superiores e um passo para que haja mais equidade étnico-racial e de gênero no Judiciário brasileiro e em todos os espaços de decisão.

O momento político exige que se rasgue sofismas que reforçam a misoginia, o racismo e as diversas expressões de preconceitos e discriminações. O País precisa de alternativas que o aproximem dos valores civilizatórios compatíveis com o século 21, por meio de atos e decisões concretas. Chega de discurso vazio, sem rebate na realidade. Por que não uma negra no Supremo Tribunal Federal?

(*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas residindo em Brasília há 62 anos, é jornalista há 41 anos. Ela trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil e, atualmente, ocupa o cargo de subeditora de Opinião, no Correio Braziliense.

PUBLICIDADE
(*)Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas há 62 anos em Brasília, jornalista, há 41 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e, hoje, é subeditora de Opinião do Correio Braziliense.

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.