Povos tradicionais se unem no Pará em defesa de territórios da Amazônia

Da esquerda para direita: Hari Karajá, Irenilce Batista (baixo), Letícia Moraes (cima), Avanilson Karajá (cima) e Neidinha Suruí (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM)
Emanuelle Campos – Especial para Revista Cenarium

ALTER DO CHÃO (PA) – A instalação de sistemas de internet de banda larga vêm mudando a realidade de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas em diversas partes da Amazônia brasileira. Essa transformação está se tornando uma forte ferramenta de inclusão social para povos tradicionais e serve, ainda, para denunciar irregularidades nos territórios, como desmatamento, invasão de terras, pesca ilegal e queimadas.

Nesse contexto, a iniciativa conjunta Conexão Povos da Floresta visa conectar em rede, por meio da internet, mais de cinco mil comunidades em territórios protegidos da Amazônia Legal, representando mais de um milhão de pessoas, que são responsáveis por conservar 120 milhões de hectares de floresta. É dessa forma que o projeto alinha conectividade e energia a programas de inclusão focados em segurança, educação, saúde, empoderamento nas comunidades beneficiadas, entre outros.

Na última semana, entre os dias 5 a 7 de junho, o projeto realizou o I Encontro da Rede Conexão Povos da Floresta, na vila de Alter do Chão, em Santarém (PA), onde reuniu representantes de populações tradicionais, de territórios protegidos da Amazônia, organizações de base, instituições privadas e da sociedade civil, além de agentes de governo. O evento foi uma oportunidade para debater o primeiro ano de atividades do projeto e definir próximos passos.

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Castanheira na reserva comunitária em assentamento Vale do Amanhecer (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Uma das principais lideranças que atua em prol do meio ambiente e das populações tradicionais, principalmente de Rondônia, Ivaneide Bandeira, mais conhecida como Neidinha Suruí, e responsável pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, também participou do evento.

Ela informou que o projeto garante que as denúncias das populações indígenas cheguem aos órgãos responsáveis com mais rapidez. “A internet de alta velocidade faz com que as denúncias cheguem mais rápido ao Ministério Público, Polícia Federal e outras instituições e órgãos de proteção”, ressaltou a liderança.

Neidinha Suruí atua em prol do meio ambiente e de populações tradicionais (Reprodução/Arquivo Pessoal)

A cacica da Aldeia Vista Alegre do Capixauã, território indígena do povo Kumaruara, localizada na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, Irenilce Batista, declarou que, além da proteção do território, o projeto vem fortalecendo a divulgação do Turismo de Base Comunitária (TBC). Dessa forma, a iniciativa apoia a aldeia a receber cada vez mais turistas interessados em vivenciar o dia-a-dia dos seus moradores. A comunidade possui 29 famílias e todas atuam com o turismo.

“Com a internet mais rápida, podemos fazer cada vez mais divulgação do turismo que incentivamos em nossa aldeia, com roteiros especiais, mergulho em nosso igarapé, danças, grafismo, artesanato, gastronomia e muito mais”, comenta a cacica.

Irenilce Batista é cacica da aldeia Vista Alegre do Capixauã (Marcella Tovar/PSA)

A vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Letícia Moraes, enfatiza que o Conexão Povos da Floresta promove políticas públicas de forma on-line, como educação, saúde e empreendedorismo, além do combate à desinformação dentro dos territórios.

“As desinformações destroem a luta dos movimentos sociais e promovem a desconstrução em defesa da floresta viva”, disse a dirigente do CNS.

Integração de comunidades

Para o coordenador tesoureiro da Coiab, Avanilson Karajá, um dos objetivos do projeto é fazer a integração das comunidades indígenas ao mundo digital. Ele declara que a ferramenta fortalece o aumento das denúncias referentes aos madeireiros, invasores, garimpeiros, entre outros agressores do meio ambiente.

“Por isso, esse monitoramento é fundamental para as comunidades. Além disso, a plataforma do projeto oferece cursos educacionais e o portal de telessaúde, que garante atendimento primário de saúde aos indígenas”, comenta o representante de Coiab.

O coordenador tesoureiro da Coiab, Avanilson Karajá (Divulgação)

Já a jovem Hari Karajá, do povo Karajá Xambioá do Tocantins, afirmou que, desde março, quando instalaram a internet em sua comunidade, vários jovens de sua aldeia estão fazendo cursos a distância de educação ou profissionalizante. Ela relata, ainda, que a internet vem proporcionando a troca de saberes entre parentes de outras aldeias.

“A gente faz pesquisa para melhorar nossos estudos e também para aprender mais sobre nossa língua, que quase foi extinta. Têm palavras que a gente não consegue escrever, pois a nossa língua tem palavras que são ‘faladas’ por homens e outras por mulheres. Então, com a internet, a gente consegue conversar com os parentes de outras aldeias para reviver a nossa língua”, afirma a indígena.

Mais sobre o projeto

Além do CNS e Coiab, o projeto Conexão Povos da Floresta também é liderado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com mais de 30 organizações da sociedade civil, instituições e empresas.

O projeto em rede alcançou recentemente a marca de 710 comunidades conectadas. A proposta do Conexão Povos da Floresta é que a internet funcione como uma ferramenta de transformação social para as comunidades beneficiadas, permitindo o acesso à saúde, educação e oportunidades profissionais, além de ajudar na conservação da floresta e no uso consciente da rede.

Como funciona

Por meio do projeto e de um processo de priorização realizado entre as organizações de base, as comunidades recebem um kit de conectividade que inclui equipamentos como antena de internet banda larga via satélite, roteador, celular e computador.

Além disso, as comunidades sem acesso à energia convencional também recebem um kit de energia solar, com placas fotovoltaicas para geração de energia e uma bateria de lítio para armazenamento da energia.

Para garantir o uso consciente da rede, um aplicativo foi desenvolvido especificamente para que cada comunidade possa fazer a gestão da sua internet, de acordo com as regras que forem acordadas coletivamente.

Leia mais: Tratado internacional sobre patentes pode estabelecer lucro para povos tradicionais
Editado por Adrisa De Góes
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