Prefeitura do interior do AM ignora isolamento da seca e gasta R$ 1,25 mi em shows nacionais

Entrada do município de Itacoatiara, no Amazonas (Reprodução)
Bruno Pacheco – Especial para Revista Cenarium Amazônia

ITACOATIARA (AM) – Um dia após o Rio Amazonas registrar a maior seca da história em Itacoatiara (a 270 quilômetros de Manaus), a prefeitura da cidade divulgou, nesta sexta-feira, 20, o cachê de R$ 1,25 milhão a ser pago pelos shows de João Gomes, Xand Avião e Pablo do Arrocha na 2ª Edição do Expofest. O evento, que acontece mesmo com 70 comunidades isoladas na zona ribeirinha por conta da estiagem, inicia hoje e vai até domingo, 22.

De acordo com o Diário Oficial dos Municípios (DOM), as contratações foram assinadas pelo prefeito Mário Jorge Abrahim (PSC), por meio da modalidade de Despacho de Homologação de Inexigibilidade (sem licitação). Somente com os shows de João Gomes e Xand Avião, a prefeitura vai desembolsar o valor R$ 1 milhão.

Segundo a publicação, a empresa J.G Shows Ltda, de CNPJ nº 43.099.846/0001-33, vai receber R$ 500 mil pelo show do cantor João Gomes. Dono dos hits “Dengo”, “Meu Pedaço de Pecado” e “Aquelas Coisas”, o cantor pernambucano de apenas 21 anos de idade se apresentará no domingo, 22, no encerramento do evento.

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Prefeito de Itacoatiara, Mário Jorge Abrahim (PSC) (Reprodução/Facebook)

Pelo show de Xand Avião, empresa Alic Participações e Entretenimento Ltda, de CNPJ nº 26.337.395/001-06, também vai receber o valor global de R$ 500 mil. O músico que dá voz às canções “Balanço da Rede” e “Risca Faca” abre o festival, nesta sexta-feira, 20, no Palco Juracema Holanda.

Para a apresentação do cantor Pablo do Arrocha, a empresa AD Produção Musical Ltda, de CNPJ 26.337.395/0001-06, vai receber R$ 250 mil em verba pública. O artista, considerado o Rei do Bolero por canções como “Por que o Homem não chora” e “Desculpe Aí”, faz show neste sábado, 21, no Expofest.

Nas publicações, a prefeitura justifica que o evento “integra o calendário cultural” do município e “importante para a economia local, em setores como comércio, turismo e serviços em geral”. Ainda no documento, o Executivo municipal explica que o preço dos shows dos artistas está compatível com os valores praticados no mercado.

Levantamento da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA mostra que a contratação dos três artistas nacionais está, pelo menos, cerca de R$ 190 mil acima do que os cantores costumam cobrar. Segundo o site IG, especialistas em celebridades, na festa de São João, na cidade de Caruaru, em Pernambuco, o cachê de João Gomes foi de R$ 470 mil, enquanto que Xand Avião recebeu de R$ 400 mil e Pablo R$ 190 mil.

A lista está disponível no site: https://gente.ig.com.br/celebridades/2023-06-23/sao-joao–prefeituras-gastam-mais-de-r-20-milhoes-com-shows–confira.html.amp. Segundo a reportagem, o cachê do cantor João Gomes variou entre R$ 450 mil R$ 470 mil durante as festas juninas pelo País.

Estiagem

Realizado pela prefeitura desde o ano passado, o Expofest acontece mesmo com cidade em situação de emergência por conta da vazante extrema que atinge o Amazonas. Segundo a Defesa Civil municipal, com a falta de água em rios e mananciais, diversas comunidades estão comunidades ribeirinhas estão isoladas. O número pode passar de 70.

Vista aérea de rio no período da vazante no Amazonas (Outubro de 2023/Camila Garcez/Idesam)

O pescador Elias Peixoto, 71 anos, apesar de morar na cidade, conta que tem família e conhecidos isolados no interior da cidade, em regiões onde a água do rio já não aparece mais. Segundo ele, a estiagem tem provocado uma série de consequências aos trabalhadores que vivem da venda de peixes.

“Impactou tudo. A venda de peixes, a pesca. Conheço gente isolada pelo interior por conta da seca. É preocupante. Só vi isso uma vez na vida e estou completando duas agora. Para nós, é triste”, contou Elias Peixoto.

Pescador Elias Peixoto (Bruno Pacheco/Revista Cenarium Amazônia)

Além da estiagem, Itacoatiara enfrenta ainda as queimadas desenfreadas na zona rural da cidade, que tem gerado fumaça e preocupado a população. Entre os afetados, estão indígenas do Rio Urubu, na Aldeia Correnteza, do povo Mura. Em um vídeo compartilhado pelo vereador Arnoud Lucas, a matriarca do povo indígena, Astrogilda Mura, 65 anos, suplica por ajuda.

“Está acabando com o mato, tudo, nossas plantações. Estou agoniada. Tenho 65 anos e estou aqui. Só Deus por nós. Peço para que os órgãos competentes, o que estou pedindo não é brincadeira. Uma indígena velha aqui da nossa terra ainda não tinha passado por isso como hoje está passando”, lamentou a anciã indígena, em vídeo divulgado na segunda-feira, 16, nas redes sociais.

A matriarca do povo mura suplica por socorro as autoridades (Bruno Pacheco/Revista Cenarium Amazônia)
Ações humanitárias

Para amenizar os impactos à população, desde o último sábado, 14, o prefeito de Itacoatiara, Mário Abrahim, iniciou as ações de ajuda humanitária aos ribeirinhos afetados pela estiagem severa. Os primeiros atendidos foram os moradores das comunidades Jerusalém, São João Batista do Carão, Santa Maria do Boqueirão e Machado de Assis, na Ilha do Risco.

A prefeitura levou cesta básica, água potável e kits de higiene às comunidades. Segundo o prefeito Mário, o objetivo é amenizar o sofrimento da população por conta dessa estiagem. “Estamos trazendo, também, atendimento médico e assistência social. Todos envolvidos nesse trabalho para que nós possamos trazer uma ação que seja capaz de oferecer um pouco mais de esperança, respeito e dignidade para nossa população”, declarou o prefeito, nas redes sociais.

Expofest

Desde o início desta semana, a prefeitura também tem intensificado as divulgações sobre o Expofest, chegando a instalar uma arte sobre o evento no portal de entrada da cidade, localizado na barreira. Os próprios cantores enviaram vídeos para o município falando sobre os shows e convidando o público.

No Centro de Eventos Juracema Holanda, onde acontece o evento, são aguardadas cerca de 30 mil pessoas por dia. Voltado para a agricultura familiar, o Expofest aconteceria em setembro, mas a prefeitura de Itacoatiara cedeu a data para o Festival da Canção (Fecani). Exposição de animais, montarias de rodeio, desfiles e eventos esportivos integram as atividades da programação.

Rio Amazonas

A maior vazante dos últimos tempos que, segundo especialistas, é resultado das mudanças climáticas, tem provocado a descida rápida do Rio Amazonas, que banha a cidade itacoatiarense. Nessa quinta-feira, 19, o nível da água do maior rio do mundo chegou a 90 centímetros e a seca é a maior da história.

Seca no Rio Amazonas rebaixa no porto antigo de Itacoatiara (Bruno Pacheco/Revista Cenarium Amazônia)

A estiagem recorde anterior no Rio Amazonas foi registrada em 2010, quando o nível da água chegou a 91 centímetros. Até a tarde sexta-feira, 20, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil – CPRM, o índice já marca 76 centímetros, um cenário jamais visto antes.

Na cidade, a seca tem ainda provocado o deslizamento de terras. No bairro Jauary, o Porto do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) foi destruído após ser atingido pelo fenômeno das terras caídas no dia 11 de outubro deste ano. A preocupação da Defesa Civil, agora, tem sido trechos da orla da cidade.

Nessa quinta-feira, 19, o secretário da pasta, Hekney Rebouças, chegou a visitar os locais que estariam com rachadura, mas ainda não divulgou informações sobre o caso. Segundo ele, contudo, Defesa Civil segue monitorando os pontos.

Leia o despacho de inexigibilidade de licitação:

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Leia mais: Moradores de Itacoatiara, no AM, vivem há um ano com estragos de chuva: ‘Nada mudou’
Editado por Jefferson Ramos
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