Pressão por BR-319 aumenta com seca na Amazônia e governo cria grupo de trabalho

Vista aérea da BR-319 (Reprodução/Idesam)
Da Revista Cenarium Amazônia*

MANAUS (AM) – A seca severa em rios da Amazônia, com consequências mais danosas a cidades e comunidades no Amazonas, deu impulso político à pressão pela pavimentação da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).

A obra pode provocar mais grilagem de terras públicas no curso da rodovia, ampliar o desmatamento ilegal e impulsionar a exploração criminosa de madeira, segundo documentos do processo de licenciamento ambiental em curso no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Em visita a Manaus nesta quarta-feira, 4, por determinação do presidente Lula (PT), com comitiva de ministros, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) disse ter conversado no dia anterior com o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), sobre a obra de pavimentação da rodovia. Segundo o vice-presidente, um GT (Grupo de Trabalho) foi criado para analisar o empreendimento.

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O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, em sobrevoo pelas áreas afetadas pela seca na Amazônia (Cadu Gomes/Presidência da República)

“Já há um trecho inicial pavimentado”, disse o vice-presidente. “Falei ontem com Renan Filho. Um GT foi criado para analisar a pavimentação, dentro do conceito de rodovia-parque, com todos os cuidados ambientais”. O objetivo do GT é permitir o avanço do licenciamento, segundo Alckmin.

Em julho de 2022, o então presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, emitiu licença prévia para pavimentação do trecho do meio da BR-319, entre os quilômetros 250 e 655,7 – uma extensão de 405,7 quilômetros.

Bim estava no cargo por indicação do hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ministro do Meio Ambiente no Governo Jair Bolsonaro (PL). A licença prévia foi emitida a cinco meses de Bolsonaro deixar o poder, após derrota nas urnas em outubro de 2022.

Os defensores da pavimentação argumentam que ela é necessária para a redução do isolamento de moradores dos dois Estados conectados, Amazonas e Rondônia.

Com a seca severa neste ano, a pressão política pela rodovia se ampliou, em razão das dificuldades de navegação no período de estiagem.

O Observatório BR-319, formado por uma rede de organizações da sociedade civil, pesquisadores e associações indígenas, emitiu posicionamento contrário à concessão da licença prévia em 2022.

O grupo afirmou que o processo atropelou etapas básicas, em especial, a consulta a populações indígenas de cinco territórios e comunidades ribeirinhas e extrativistas diretamente impactadas com a obra.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Governo Lula, Marina Silva (Rede), integrou a comitiva que visitou Manaus nesta quarta para anúncio de medidas contra a estiagem. Ela foi questionada por jornalistas do Amazonas sobre sua posição quanto ao licenciamento da pavimentação.

“O licenciamento deve responder a critérios de viabilidade econômica, social e ambiental”, disse a ministra. “O governo anterior emitiu a licença prévia. O presidente Lula encaminhou no PAC, para que estudos sejam feitos. E foi criado o GT. O Ibama não dificulta nem facilita, ele faz uma análise técnica”, afirmou.

Marina afirmou que deixou de ser ministra do Meio Ambiente em 2008 e retornou ao cargo em 2023, 15 anos depois. “Se fosse fácil fazer a BR, ela teria sido feita nesses 15 anos. Existem licenças para recuperação de trechos, uma desde 2007, e nada foi feito”, disse a ministra.

Segundo ela, não se pode negar o impacto das mudanças climáticas na Amazônia, como agora, com a estiagem que caminha para momentos extremos, iguais ou piores que marcas históricas em determinados rios da bacia amazônica.

“Trabalhamos para reduzir as causas da mudança do clima. No primeiro Governo Lula, a redução do desmatamento da Amazônia foi de 83%, maior contribuição até hoje para que isso tudo não se agrave. E nos primeiros nove meses, conseguimos redução de 48% no desmatamento”, afirmou Marina.

Além de Marina, estavam na comitiva do vice-presidente os ministros Waldez Góes (Integração Nacional), Alexandre Silveira (Minas e Energia), José Mucio Monteiro (Defesa), Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos). Eles foram recebidos pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil).

A comitiva fez um sobrevoo em comunidade afetada pela estiagem, em região próxima a Manaus.

Depois, o vice-presidente repetiu o anúncio de medidas como dragagem em 8 quilômetros do Rio Solimões, entre Tabatinga (AM) e Benjamin Constant (AM), com ordem de serviço assinada nesta quarta; dragagem de 12 quilômetros no Rio Madeira, prevista para início em 15 dias; antecipação de pagamento de benefícios, como Bolsa Família; e ajuda no combate a queimadas.

“O fornecimento de energia está garantido, mesmo com a paralisação da usina [hidrelétrica] Santo Antônio [no Rio Madeira, em Rondônia]”, afirmou Alckmin. Segundo ele, está em estudo a contratação de mais energia de termelétricas para fornecimento à região.

Dados compilados pela Defesa Civil do Amazonas mostram um agravamento da estiagem e uma aproximação da situação a momentos extremos de seca — aos piores níveis hídricos nas medições históricas — em rios que são o coração dessa porção da Amazônia.

Os dados e análises feitas por institutos de pesquisa e monitoramento apontam uma estiagem próxima dos extremos no alto e médio Rio Solimões, no baixo Rio Negro (onde está Manaus) e no Rio Madeira.

Nessas regiões, se deram as consequências mais visíveis da seca até agora. Comunidades ficaram isoladas em Tabatinga (AM) e Benjamin Constant (AM), no alto Solimões. No lago onde está Tefé (AM), no médio Solimões, mais de 120 botos tucuxis morreram em dez dias.

Leia mais: ‘Impacto ambiental é tremendo e assustador’, diz Marina Silva sobre seca dos rios no Amazonas
(*) Com informações da Folhapress
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