Primeiro ator negro a ganhar o Oscar, Sidney Poitier morre aos 94 anos

Sidney Poitier em 2013 (Gus Ruelas / REUTERS)
Com informações da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO – O ator e cineasta bahamense-americano Sidney Poitier morreu aos 94 anos. A informação foi confirmada pela secretaria de comunicação das Bahamas nesta sexta-feira, 7, embora a causa da morte ainda não tenha sido divulgada.

Com uma carreira de mais de sete décadas, Poitier ganhou notoriedade ao se tornar o primeiro ator negro a vencer um Oscar, numa época em que os Estados Unidos ainda tinham várias leis de segregação racial e em que Hollywood pouco se importava com a diversidade nas telas. O prêmio, de melhor ator, foi pelo filme “Uma Voz nas Sombras”, de 1963.

homem recebendo prêmio
O ator Sidney Poitier fez história no Oscar de 1964 ao se tornar o primeiro ator negro a levar a estatueta, por “Uma Voz nas Sombras” – Reprodução

Nele, Poitier viveu um faz-tudo que ajuda um grupo de freiras que quer construir uma capela no meio do deserto. A direção foi de Ralph Nelson.

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O Oscar de melhor ator veio 25 anos depois de Hattie McDaniel se tornar a primeira negra a vencer uma estatueta de atuação, por “… E o Vento Levou”. Mesmo com os esforços por representatividade em Hollywood encabeçados por McDaniel e Poitier, no entanto, levou outras duas décadas até que outro ator negro vencesse o troféu mais cobiçado da indústria.

Antes de fazer história ao ganhar o Oscar de melhor ator por “Uma Voz nas Sombras”, Poitier já havia quebrado uma barreira enorme, quando se tornou o primeiro negro a ser indicado à categoria de melhor ator, pelo longa “Acorrentados”, de 1958.

Tanto “Acorrentados” quanto “Uma Voz nas Sombras” renderam a Poitier o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim e, entre os dois título, ele estrelou o musical “Porgy & Bess”, “O Sol Tornará a Brilhar”, “Paris Vive à Noite” e “Tormentos D’Alma”.

Mas foi após ganhar o homenzinho dourado que sua carreira de fato deslanchou. Numa década que viu o movimento pelos direitos civis ganhar força nos Estados Unidos, Poitier estrelou diversas tramas que denunciavam o racismo presente na sociedade da época.

'O Ódio É Cego' (1950): Dirigido por Joseph L. Mankiewicz, este drama explora o tema da violência racista ao narrar o assassinato de um médico negro por um homem branco
‘O Ódio É Cego’ (1950): Dirigido por Joseph L. Mankiewicz, este drama explora o tema da violência racista ao narrar o assassinato de um médico negro por um homem branco (Imdb)

São dos anos 1960, por exemplo, os filmes “Adivinhe Quem Vem para Jantar”, de Stanley Kramer, em que Poitier viveu o namorado negro de uma moça branca, na noite em que é apresentado aos pais preconceituosos dela, e “No Calor da Noite”, de Norman Jewison, que venceu cinco estatuetas do Oscar ao acompanhar um policial negro que investiga um assassinato no sul dos Estados Unidos.

Ainda nos anos 1960, o ator esteve em outros filmes importantes, como “A Maior História de Todos os Tempos”, “Uma Vida em Suspense”, “Quando Só o Coração Vê” e “Ao Mestre, com Carinho”, que encantou toda uma geração com sua música tema melosa e cativante.

Na década seguinte, Poitier integrou o elenco de “Noite Sem Fim”, “O Estranho John Kane”, “A Organização” e “Conspiração Violenta”. Ele ainda se lançou como cineasta, dirigindo e atuando em “Um por Deus, Outro pelo Diabo”, “Dezembro Ardente”, “Aconteceu num Sábado”, “Aconteceu Outra Vez” e “Os Espertalhões”. Na nova função, não obteve tanto prestígio quanto aquele que teve enquanto ator.

Mesmo assim, ele passou a primeira parte dos anos 1980 ocupando apenas a cadeira de direção, nos filmes “Loucos de Dar Nó”, “Hanky Panky, Uma Dupla em Apuros” e “Ritmo Quente”. Seu último trabalho como cineasta foi em “Papai Fantasma”, de 1990, que surfavava na popularidade do comediante Bill Cosby, hoje caído em desgraça após uma série de acusações de estupro.

Ele voltou a aparecer diante das câmeras no fim dos anos 1980, em “Atirando para Matar” e “Espiões sem Rosto”, num momento já de declínio da carreira. Na década de 1990, se dedicou em grande parte à televisão, atuando nas séries “Separados, Mas Iguais” e “Caçada Brutal” e nos filmes para a TV “Ao Mestre, com Carinho 2”, “Mandela e De Klerk” e “Rumo à Liberdade”.

No período, seu trabalho mais relevante foi em “O Chacal”, de 1997, filme de ação que também teve Richard Gere e Bruce Willis no elenco. Sua última aparição nas telas foi em “Construindo um Sonho”, um melodrama sobre um homem que lida com a perda da esposa.​

Em uma de suas autobiografias, “Uma Vida Muito Além das Expectativas”, o ator conta que sua mãe buscou ajuda de uma vidente para saber o que aconteceria com ele —Poitier nasceu prematuro e longe de um hospital, em 1927, num momento em que o preconceito contra os negros era violento nos EUA.

“Ele crescerá e viajará por quase todos os cantos do mundo. Caminhará ao lado de reis. Será rico e famoso”, teria dito a vidente, segundo a obra, que saiu no Brasil em 2010.

Poitier teve uma infância pobre e simples nas Bahamas. Quando era adolescente, ingressou no Exército para fugir do frio e da fome. Depois trabalhou como lavador de pratos por anos, até ter seu destino desviado para uma seleção de atores.

Foi muito mal no teste, como era de esperar. Mas a dispensa pelo produtor só fez com que ele pusesse mais determinação em entrar no meio artístico.

Ele fez seu primeiro filme, “O Ódio é Cego”, com 23 anos, e recebeu cerca de US$ 3.000 pelo papel. Com a “pequena fortuna”, voltou para a casa dos pais pela primeira vez em oito anos, quando sua mãe, sem notícias, pensava que ele tinha morrido.

Ao ganhar seu segundo Oscar, em 2002, pelo conjunto da obra, disse que a premiação era “o máximo [risos]. Filmes com negros não eram feitos. Mas havia quem visse a humanidade como uma família e não como senhores e escravos. Fui escolhido para o papel de um médico negro [em “O Ódio É Cego’]. Com isso, Joseph L. Mankiewicz inspirou pessoas pelo mundo. Tínhamos uma democracia segregacionista, que não permitia que os negros participassem da sociedade. Era um resíduo da escravidão.”

A morte de Poiter foi confirmada pelo ministro das Relações Exteriores, Fred Mitchell, de acordo com o The Mirror.

O primeiro-ministro de Bahamas, Chester Cooper, prestou tributo a Poitier. “Entrei num conflito de sentimentos, de tristeza e celebração, quando descobri que Sidney Poitier tinha morrido. Me senti triste porque ele não estaria mais aqui para dizermos o quanto ele é importante, mas celebrei o tanto que ele fez para mostrar ao mundo que aqueles que têm as origens mais humildes podem mudar o mundo. Perdemos um ícone; um herói, um mentor, um guerreiro, um tesouro nacional.”

Jeffrey Wright, ator e produtor norte-americano, que também possui formação em ciência política, escreveu no Twitter que Poitier era “incomparável”. “Foi um belo homem, gentil, carinhoso e grandioso”.

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