Proclamação da República: ataques à democracia marcam o dia em que se celebra fim da monarquia no Brasil

Pintura da Proclamação da República (Arquivo/TV Brasil)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS — Há 133 anos, o descontentamento do povo, da elite, da religião e a crise econômica levaram à Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889. Um golpe republicano movido por militares e liderado por Marechal Deodoro da Fonseca acabou com os 67 anos do regime monárquico e cortou os laços de colônia brasileira com Portugal.

Conforme a mestre e professora em História Kivia Mirrana Pereira, o processo de independência e, posteriormente, a Proclamação da República foram baseadas em articulações políticas para impedir a tomada de poder pelo povo. A especialista explica que a América Latina já sofria revoltas de grupos populares contra os regimes empregados.

Toda a América Latina estava tentando seu processo de independência, então, uma hora ou outra, os grupos populares iam tomar o poder em uma estratégia independente. Para evitar que isso acontecesse, essa articulação foi dada e Dom Pedro I declarou a independência do Brasil, que depois foi seguida pelo Segundo Reinado e findou na Proclamação da República“, conta.

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A partir daí, nascia a República dos Estados Unidos do Brasil, primeiro nome do País desde a Proclamação, marcada por uma cultura de colonização, problemas escravistas, econômicos e políticos que perduram até hoje.

Pintura da Proclamação da República (Arquivo/TV Brasil)

Kivia conta que a partir da Proclamação da República, foi possível notar uma mobilização social muito contundente. “E essa mobilização social buscava direitos trabalhistas, sociais e principalmente direitos políticos“, que, segundo a historiadora, é o que move o povo atualmente.

A democracia é categorizada como um processo em que grupos de minorias podem ter voz, ou seja, a partir de manifestações e mobilizações, esses grupos que antes eram afastados da sociedade e dos direitos, manifestaram contra a opressão e pelos direitos civis, políticos e sociais.

Acredito que o principal ganho para a sociedade seja justamente essa manifestação por direitos liderada por grupos que sempre estiveram à margem da sociedade. Então, essa mobilização por direitos civis, direitos políticos e direitos sociais trabalhistas é reflexo de uma mobilização contra a opressão e contra colonização que sempre houve que sempre fez parte da história do Brasil“, relata Kivia.

Manifestações só são possíveis graças à democracia (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Nos últimos anos, graças aos movimentos sociais, foi possível alcançar ainda mais postos nas casas legislativas e em posições de liderança. A especialista afirma que mesmo com uma grande presença da elite dirigindo o País, a participação de homens e mulheres negros, LGBTQIA+ e de movimentos estudantis consegue alcançar um lugar de importância.

A maior parte da história do Brasil sempre teve uma elite que pensava nos nossos direitos, a partir do momento em que temos outros atores sociais no meio político, nós temos a garantia de direitos efetivos para a população brasileira. Penso que quanto mais atores sociais entram para a política e estão exercendo papéis legislativos, a garantia da democracia é muito mais efetiva“, afirma.

Kivia ressalta a importância dessa presença, tendo em vista os constantes ataques que a democracia tem sofrido nos últimos anos. “Isso é muito significativo para os dias de hoje, onde a gente tem esses ataques constantes movidos por um grupo insatisfeito, que pedem as reivindicações desses privilégios que sempre foram garantidos a estes grupos que estão no poder“, diz.

Manifestações antidemocráticas

Desde as eleições, que ocorreram em 30 de outubro, com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) e a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestantes descontentes com o resultado se reúnem em estradas e quartéis, pedindo por uma “Intervenção Federal” e afirmam que houve fraude nas eleições sem provas.

No Amazonas, a mobilização está acampada em frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA) desde o dia 2 de novembro, causando transtornos para quem mora ou trabalha nas proximidades, como infrações de trânsito, poluição sonora e descarte irregular de lixo. Os manifestantes, vestidos de verde e amarelo, carregam cartazes anticomunistas e pedem por “socorro” aos militares.

O posicionamento e o slogan “Deus, Pátria, Família e Liberdade“, utilizados durante a campanha de Jair Bolsonaro e nos protestos executados em todo o País, são características observadas no Integralismo, regime fascista brasileiro observado nos anos 1930.

Mensagem na mão de eleitora de Bolsonaro (Jefferson Coppola/Veja)

O movimento integralista traz como princípio, segundo a historiadora, a questão do nacionalismo e do anticomunismo. “Os alicerces do movimento integralista estão baseadas nos partidos e movimentos fascistas da Europa, e fazendo um link com o que acontece atualmente, é possível notar essa apologia ao nazismo e ao fascismo nos grupos de extrema-direita no Brasil“, diz.

A doutrina integralista defende e se define como nacionalista, pautada em uma extravalorização das características nacionais — como patriotismo que se utiliza dos símbolos da nação, como a bandeira, hinos, etc. – e é totalmente contrária ao liberalismo e o comunismo.

Em Manaus, crianças são vestidas com símbolos nacionais como era feito durante período Integralista (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

O que percebo atualmente é que os grupos que estão se manifestando são muito mais anticomunistas e isso se expressa justamente porque eles têm os seus lemas, de ordem religiosa, patriótica e moral. Esses princípios estão expressos no lema ‘Deus, pátria, família’“, explica.

O tema está ligado e evidente na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, manifestações de grupos conservadores e anticomunistas que encaminharam as forças para o golpe e a ditadura militar de 1964.

O militarismo no quesito funcional cumpre um autoritarismo onde o chefe de Estado deve exercer a ordem, e essa busca pela ordem não está isolada no pedido de intervenção militar, mas está no questionamento e oposição ao processo democrático“, explica a historiadora.

Protestantes de extrema-direita pedem por Intervenção Federal em frente ao CMA (Reprodução/Internet)

Segundo a historiadora, o processo democrático é visto pelos manifestantes como um fator a ser debatido por meio de uma intervenção superior. As manifestações e as interferências dos grupos de extrema-direita em estradas e ruas causam uma crise, constituída para que o Estado seja levado ao limite.

E quando esse estado é levado ao limite, a crise estratégica visa levar o Estado, ou o chefe de Estado, a exercer um papel autoritário contra aquilo que eles mesmos deflagraram como uma desordem“, explica.

Relembrar a história

Na visão do sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio Nascimento, é importante ver que apesar de expressões e alguns lemas serem repetidos ao longo da história, ela própria não se repete.

Essas manifestações, esses grupos históricos, politicamente falando, sempre atentam contra valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos e da integração social em uma perspectiva em que ele se apropriam do Estado para reproduzir os seus interesses econômicos“, diz.

Acampamento montado por grupo extremista de direita em frente ao CMA, em Manaus (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Ele acredita que o povo protestando tem sido usado como massa de manobra para encobrir ações de Bolsonaro no fim de governo. “Ninguém tem dúvida de como esse bolsonarismo tem sido usado como massa de manobra para, por exemplo, o Bolsonaro, nesse final de governo, tentar privatizar uma refinaria que em 2021 lucrou R$ 200 milhões e está sendo vendida por R$ 210 milhões“, pontua.

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