Produção quilombola contribui para resistência das comunidades em RO

Produção agrícola é a base da economia quilombola em Rondônia (Foto: Freepik)
Camila Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

PORTO VELHO (RO) – Em Rondônia, onde pouco menos de 3 mil pessoas se autodeclaram quilombolas, as comunidades resistem para assegurar sua sobrevivência. Contando com uma economia associativa na agricultura familiar, a produção agrícola enfrenta desafios que vão desde problemas de transporte até a falta de assistência técnica.

Angel Cayaduro é morador do quilombo Forte Príncipe da Beira, localizado no município de Costa Marques, a 712 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. Sua origem quilombola cabocla ou negro caboré vem da miscigenação do negro com indígena. Assim como ele, a maioria da população foi formada por ex-escravos, quando mais de 6.200 negros, índios e lusitanos trabalharam na edificação do Forte Príncipe da Beira no século 18, hoje considerado Patrimônio do Brasil.

Assim como Angel, os moradores do quilombo Forte Príncipe da Beira vivem por meio de um sistema de produção independente, implementando práticas agrícolas baseadas em tecnologia, como sistemas de irrigação eficientes e técnicas de manejo sustentáveis. Na região, a comunidade se destaca como uma entidade autossustentável, reunindo agricultores, pescadores, funcionários públicos e militares.

Angel Cayaduro, morador do quilombo do Forte Príncipe da Beira (Foto: Arquivo Pessoal)

“Assim como guio os visitantes com paixão pelo nosso monumento, meu coração também se encontra apaixonado na busca pela preservação e valorização do que fazemos aqui.”

Angel Cayaduro Pesoa.

Hoje, a Comunidade de Remanescentes de Quilombo Forte Príncipe da Beira abriga 90 famílias (aproximadamente 310 moradores) e já é reconhecida e registrada pela Fundação Cultural Palmares (FCP) desde agosto de 2005. Ela está organizada em torno da Associação Quilombola do Forte Príncipe (ASQFORTE).

Membros da Associação Quilombola do Forte Príncipe (Foto: Divulgação)
Economia dos Quilombos

Atualmente, Rondônia possui 2.926 pessoas que se declaram quilombolas, segundo os dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os moradores dessa região vivem basicamente de uma economia baseada no associativismo na agricultura familiar, tendo acesso à assistência técnica, à aquisição coletiva de insumos produtivos e à entrada em novos mercados.

Uma pesquisa realizada em 2021, conduzida pela Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam), revelou um cenário diversificado sobre a produção agropecuária das comunidades quilombolas, destacando atividades como hortaliças, frutas, lavouras, criação de animais (aves, suínos, bovinos), peixes e o extrativismo. Essas comunidades não apenas cultivam alimentos, mas também estão envolvidas em práticas que respeitam e preservam o meio ambiente, apresentando uma diversidade de cultivos e atividades extrativistas.

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Pesquisa da Equipe de Conservação da Amazônia mostra principais cultivos em comunidades quilombolas (Ecam) (Foto: Reprodução)

Nas comunidades quilombolas de Rondônia, a agricultura se revela não apenas como um meio de subsistência, mas como um elo entre cultura e sustentabilidade. A pesquisa fez um levantamento do comportamento de cinco comunidades quilombolas: Santa Fé, Forte Príncipe da Beira, Santo Antônio do Guaporé, Pedras Negras e Comunidade De Jesus.

A pesquisa aponta que cada atividade agrícola desempenha um papel crucial na preservação da identidade cultural e na garantia da segurança alimentar.

ACESSE A PESQUISA NA ÍNTEGRA:

Mandioca

O cultivo de mandioca é quase unanimidade, prática presente em todas as comunidades. Para além de seu valor alimentar, a produção de farinha de mandioca se torna um símbolo de resiliência e autonomia, alimentando, mas também fortalecendo os laços com a terra.

Em Santo Antônio, a produção expressiva de 30 toneladas de farinha por ano destaca o comprometimento dessas comunidades em realizar a comercialização do produto, ao mesmo tempo que promove a sustentabilidade econômica.

Cultivo de mandioca está presente em todas as comunidades quilombolas rondonienses (Foto: Divulgação / Governo de Rondônia)
Extrativismo

A localidade de Pedras Negras é de difícil acesso. A comunidade quilombola está localizada entre os municípios de São Francisco do Guaporé e Alta Floresta do Oeste, em Rondônia. O acesso é possível apenas por via fluvial ou aérea. A sustentabilidade da localidade se baseia principalmente na produção de castanha-do-Brasil e no turismo, com a prática da pesca esportiva.

Comunidade quilombola Pedras Negras, em Rondônia (Foto: Jonatas Boni)

Na comunidade de Pedras Negras, a produção de castanha-do-Brasil não apenas sustenta economicamente a comunidade, mas também coloca Rondônia como o quarto maior produtor dessa amêndoa no País.

Apesar das limitações de acesso, o escoamento da castanha é expressivo, atingindo uma média de 620 toneladas por ano, com a safra ocorrendo entre janeiro e maio. Atualmente, vivem em Pedras Negras 26 famílias, totalizando cerca de 150 pessoas. 

Rondônia como o quarto maior produtor de castanha-do-Brasil no País. (Foto: Divulgação)
Castanha-do-Brasil

O casal Francisco Edvaldo Mendes e Erineide Mendes, moradores de Pedras Negras, foram os vencedores, pela Região Norte, do Prêmio “A História Que Eu Cultivo”, promovido pela Articulação Nacional de Agroecologia. Eles compartilharam durante a pandemia a realidade da comunidade, por meio do vídeo denominado “Minha Sustentabilidade no Meu Quilombo”.

Confira:

Erineide Mendes, professora em Pedras Negras, destaca a importância do desenvolvimento econômico na região. “Apesar da limitação de acesso à comunidade, Pedras Negras tem buscado desenvolver tecnologias para o crescimento sustentável. A escoação de castanha-do-Brasil atrai moradores do país vizinho, Bolívia, e a pesca esportiva, regulamentada, atrai turistas de diversos estados”.

Pecuária

A criação de aves desponta como um investimento central. A presença também de suínos evidencia a diversificação de atividades, mas também a habilidade em integrar a criação animal com as práticas agrícolas.

Contudo, a presença de bovinos e peixes é mencionada, exclusivamente, na comunidade de Santa Cruz, onde a ausência de sobreposição com unidades de conservação de proteção parcial ou integral permite a prática da bovinocultura.

Foto: ESBR/Divulgação
Desafios

Os principais desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas em relação à produção agrícola, conforme aponta Pesquisa da Equipe de Conservação da Amazônia, ainda é o baixo volume de produção em relação à capacidade das localidades, associado a questões como baixa produtividade, manejo inadequado por falta de orientação técnica e escassez de recursos financeiros.

Outros desafios incluem falta de transporte, preços baixos, acesso limitado a crédito, baixa qualidade da produção, precariedade das vias de acesso, falta de mercado e carência de assistência técnica. Além disso, existem preocupações com a falta de equipamentos, infraestrutura inadequada e questões sanitárias no processamento da produção.

Pesquisa da Equipe de Conservação da Amazônia aponta principais dificuldades das comunidades quilombolas na produção agrícola

Os dados do Ecam ainda apontam que 64% da venda da produção é realizada diretamente ao mercado consumidor, como feiras, mercados locais, estradas, e até na própria residência do produtor.

Incentivos

A pesquisa estima que, aproximadamente, 48% das famílias quilombolas tenham acesso à Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) de organizações como a Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia (Emater-RO), Prefeituras e Núcleo de Apoio à Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em Rondônia (Napro). A Emater-RO é a principal instituição na execução de políticas públicas voltadas para o meio rural.

As comunidades remanescentes quilombolas em Rondônia recebem visitas técnicas e atendimentos gratuitos contínuos, os técnicos da Emater-RO acompanham o desenvolvimento e ofertam apoio a estas comunidades.

Assistência técnica promovida pela Emater (Foto: Divulgação / Governo de Rondônia)

A parceria entre as instituições governamentais e as comunidades quilombolas não se limita a uma abordagem assistencialista. Elas buscam fortalecer a autonomia e a sustentabilidade dessas comunidades.

Quilombolas recebem assistência técnica (Foto: Divulgação / Governo de Rondônia)

Apesar das dificuldades, as comunidades quilombolas se destacam pela qualidade de seus produtos, evidenciando a riqueza de suas tradições agrícolas. O apoio das instituições públicas, ainda que insuficiente, tem fortalecido essas comunidades, garantindo subsídios para enfrentar desafios emergenciais e promover práticas agrícolas que respeitem e preservem sua cultura única e diversificada.

Edição: Yana Lima

Revisão: Gustavo Gilona

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