Promotor do Amazonas quer suspender ponto facultativo nos dias de jogos da seleção feminina

O promotor de Justiça do Amazonas Weslei Machado Alves (Reprodução/Record News Manaus)
Paula Litaiff e Pricila de Assis – Da Revista Cenarium

Manaus (AM) – O promotor de Justiça do Amazonas Weslei Machado Alves ingressou, nesta quarta-feira, 26, com uma ação popular, como cidadão comum, para suspender o ponto facultativo para funcionários do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e do Governo do Amazonas em dias de jogos da Seleção Brasileira feminina na Copa do Mundo. Não há informações públicas de que o promotor teve a mesma iniciativa nos jogos da seleção masculina nos últimos mundiais.

A justificativa do promotor é que o ponto facultativo nos dias dos jogos da seleção feminina é uma “afronta ao princípio da moralidade”. “Tem-se uma evidente afronta ao princípio da moralidade, já que apenas servidores públicos remunerados por impostos pagos pela população receberão o privilégio de deixarem de trabalhar por várias horas, em detrimento da continuidade do serviço público, em prejuízo à tramitação dos tão demorados processos judiciais, em violação ao interesse público”, diz trecho da ação.

O mundial de futebol feminino tem a perspectiva de ser o maior da história no País. Isso porque os jogos da Seleção Brasileira com atletas mulheres serão exibidos na TV aberta. Haverá, também, transmissão pelos canais especializados na internet. Criada pela Fifa em 1991, a Copa do Mundo de Futebol Feminino chega à sua nona edição, mas será apenas a terceira vez que haverá partidas televisionadas, ao vivo, no País.

PUBLICIDADE
Jogadoras da Seleção Brasileira de Futebol (Thais Magalhães/CBF)
Androcentrismo

Durante quase quatro décadas, as mulheres foram legalmente impedidas de praticar o futebol no Brasil. A proibição constava no decreto que criou o Conselho Nacional dos Desportos, assinado em 1941 pelo então presidente Getúlio Vargas, e que só foi revogado em 1979. Na ditadura do Estado Novo de Getúlio, o Brasil ainda se posicionava como neutro na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), mas sinalizava com ideais fascistas, entre eles, de que as mulheres não poderiam praticar esportes que não “fossem associados a sua natureza”.

Para a professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutora Iraildes Caldas, que é especialista em questões de gênero, o futebol sempre foi uma atividade androcêntrica, um lugar dos homens. “Chegar à conquista de espaço como as mulheres chegaram no mundo inteiro é um ato de resistência a um patriarcado que requer para si o domínio das mulheres”, disse.

Para ela, é difícil que determinados homens aceitem essa evolução. “Isso é demonstrado na ação do promotor do Amazonas que quer inutilizar o ponto facultativo que permite parar o estado para assistir, aplaudir e enobrecer as mulheres jogadoras da Seleção Brasileira”, pontuou Iraildes.

Equidade

A ativista e enfermeira Anne Moura afirmou que o fato de não haver ação do promotor de Justiça Werley Machado contra o ponto facultativo nos dias de jogos da seleção masculina da Copa do Mundo diz muito. “Inclusive, eu duvido bastante que essa posição transpareça o pensamento do Ministério Público como um todo, devido à importância da instituição na promoção de equidade de gênero”, afirmou ela.

O comportamento do promotor, para a ativista, é contra tudo que se vem construindo no que diz respeito à igualdade de oportunidades e de visibilidade para a pauta feminina. “Esperamos que a repercussão gerada traga o efeito de reconhecer que ainda existe muita misoginia e aversão ao empoderamento feminino, bem como precisamos estar mais atentas e unidas na construção e manutenção de nossos espaços com igualdade, destacou.

Invisibilizadas

A professora Iraildes Caldas lembra que mulheres, historicamente, eram vistas como um “ser de segunda cidadania”, sobejamente desprestigiadas em seu trabalho, em suas funções sociais. “Sempre foram invisibilizadas, afastadas da ode, segregadas em papéis ditos femininos. Trata-se de uma dominação masculina, como diz Pierre Bourdieu, vistas como objeto da sujeição e da submissão”, opinou.

Em vigor até 2002, o Código Civil de 1916, considerava a mulher casada “incapaz”, devendo a sua representação legal ser assessorada pelo esposo, ou seja, ela não poderia, sem autorização prévia do esposo, litigar em juízo cível ou comercial, exercer profissão, aceitar mandato, aceitar herança ou contrair obrigações.

Procurado pela reportagem, na noite desta quarta-feira, 26, o promotor de Justiça confirmou que a ação popular foi proposta por ele para suspender os efeitos das portarias em que se teve a suspensão ou diminuição do horário de expediente de servidores públicos e depois declaração de nulidade.

“Estamos numa flagrante imoralidade e desperdício de recursos públicos”, concluiu Weslei Machado. A ação contra o ponto facultativo nos dias de jogos da seleção feminina da Copa do Mundo está registrada no processo 0559112-46.2023.8.04.0001, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM).

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.