Questão municipalista: impacto do censo no orçamento dos municípios do Amazonas

Gráfico representando o censo demográfico (Reprodução/ANPG)
Ademir Ramos – Especial para Cenarium**

O resultado da pesquisa do Censo Demográfico 2022, publicado no dia 28 de junho de 2023, consta que o Brasil tem uma população de 203.062.512 habitantes, acrescida de 6,45% relativo a 2010, mas abaixo da estimativa projetada pelo IBGE em 2021, de 213.317.639. O censo por força de lei ocorre a cada 10 anos; em 2020, por razão da pandemia de Covid-19 deixou de se fazer; em 2021 foi descartado pela prática beligerante e irresponsável do Governo Bolsonaro.

Vencido os males, em 2023 a pesquisa foi feita e o resultado foi publicado com grande impacto na economia política nacional quanto à queda brusca da repartição das receitas tributárias de alguns municípios, devido à redução de sua população. Para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), 770 prefeituras terão perdas significativas do coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O Amazonas, segundo o IBGE, contabiliza um total de 3.941.175 habitantes, sendo que a estimativa era de 4.269,995; com a redução de sua população no Censo 2022, calcula-se, inicialmente, que 20 prefeituras sofram impacto nos seus orçamentos. Nesta circunstância, o prefeito de Parintins, Bi Garcia (MDB), um dos municípios do Estado diretamente atingido, contesta os resultados dizendo que “é humanamente impossível aceitar isso, porque Parintins é a cidade que mais cresce no interior do Amazonas. Nós tínhamos uma população de 115.416 pessoas em 2010 e não é possível que 12 anos depois a gente tenha reduzido, ao contrário, nós crescemos. O exemplo disso é o número de eleitores que a gente tem, de 73 mil. Então, não é aceitável a cidade ter 96 mil habitantes e 73 mil eleitores, porque aqui sempre regulou 50% de eleitores”.

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A grita é geral, os municipalistas representados na CNM são unânimes em afirmar que o Censo 2022 não representa com fidedignidade a realidade do País e ainda mais, provoca grande impacto nos recursos transferidos aos entes federados, especialmente, aos municípios mais pobres; o montante de 29% da Região Norte terá coeficiente menor; 18% do Nordeste; 11% do Sudeste e Centro-Oeste; e 8% do Sul, toda esta gente depende dos recursos do FPM e dos diversos programas federais que têm o Censo como gradiente referencial para repasse dos recursos destinados às políticas públicas enquanto promotoras do bem-estar social.

O IBGE, em comunicado, esclarece “do alto de sua reputação” que a despeito de dificuldades e percalços “está entregando à sociedade um Censo com qualidade e confiabilidade indiscutíveis. Sem dúvida, trata-se do Censo mais tecnológico e com maior monitoramento e análise em tempo real da história dos Censos realizados há 150 anos no Brasil”.

A matéria é constitucional. Portanto, recorro ao ministro Ricardo Lewandowski, respaldado na relatoria da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Decisão Normativa – TCU 201/2022, a sustentar em sua arguição um dos princípios fundamentais da República, que é o “federalismo cooperativo” caracterizado pelo entrelaçamento de competências e atribuições dos diferentes níveis governamentais sob a ordem vertical e horizontal das ações de governo aliada à partilha dos recursos financeiros nos termos do art. 159 da Carta Constitucional de 1988.

Saiba também, que o Tribunal de Contas da União, anualmente, faz o cálculo das quotas referentes ao FPM e fiscaliza o seu repasse de acordo com a lei. O cálculo desta repartição tributária obedece a ordem legal e é realizado conforme o Censo de responsabilidade do IBGE.

Os especialistas também afirmam que o FPM é uma transferência constitucional nos termos supracitado, resultante do produto da arrecadação dos Impostos sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, bem como do Imposto sobre Produtos Industrializados, sendo destinados aos municípios na importância de 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos), em atenção à população de cada município e a renda per capita do seu Estado. Como foi dito, os coeficientes são anualmente calculados pelo TCU, baseados no Censo ou na estimativa formulada pelo IBGE.

Em tempo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar 198/2023, que evita a queda brusca nos repasses do FPM para os municípios que tiveram redução populacional. A CNM não se deu por satisfeita, mesmo sabendo que a decisão do Governo Lula respaldou-se na propositura do então deputado federal e hoje senador Efraim Filho (União Brasil-PB), a pedido dos municipalistas e mais ainda, com aval da relatoria do senador Rogério Marinho (PL-RN).

O novo parâmetro normativo instituído pelo Governo Lula prevê uma transição de dez anos para que os municípios se enquadrem em índices de distribuição de recursos do FPM, de acordo com critérios de população e renda. O objetivo é minimizar, gradativamente, o risco fiscal em atenção a 770 municípios brasileiros, ou muito mais, que sofreram redução populacional atinente à somatória do Censo 2022.

O debate tem sido recorrente junto aos poderes constituintes. A lei 8.184/1991 determina que o Censo Demográfico deva ser realizado a cada dez anos. A contagem populacional, por sua vez, é realizada a cada cinco anos com o objetivo principal de atualizar as estimativas populacionais de cada município, mas não foi feita em 2015. Valendo-se deste expediente jurídico e considerando também que a pesquisa do Censo 2022 sofreu graves intercorrências, possivelmente, comprometendo a qualidade dos seus resultados, a CNM, em articulação com a nova ordem governamental, valendo-se dos meios necessários, mobiliza-se junto aos poderes constitucionais para que seja feita a nova contagem populacional em 2025, com propósito de levantar dados efetivos e reparar as distorções decorrentes do Censo 2022.

A pauta de mobilização e luta do movimento municipalista é muito mais ampla, trata-se de assegurar direitos na Reforma Tributária, compensando as perdas do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); do julgamento dos royalties de petróleo; do reajuste da merenda escolar e de propostas da previdência, seguido também da reivindicação do repasse adicional de 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios para garantir a obrigatoriedade do piso da enfermagem, é o que reivindica a Confederação Nacional de Município.

(*) Ademir Ramos é professor, antropólogo, coordenador do projeto jaraqui e do Núcleo de Cultura Política do Amazonas, vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Ufam.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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