Símbolo da escravização de africanos, ‘Sinhazinha’ usa vestido com bonecos pretos

Imagem mostra a Sinhazinha do Boi Caprichoso ao lado de personagens pretos (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
Isabella Rabelo – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Em apresentação na primeira noite do 57° Festival Folclórico de Parintins, a sinhazinha do Boi Caprichoso, Valentina Cid, evoluiu na arena do Bumbódromo com uma indumentária carregando vários bonecos que retratam pessoas pretas. Além dos presentes em sua roupa, a dançarina trazia nas mãos Pai Francisco e Catirina, personagens que eram escravizados. O fato gerou discussão nas redes sociais sobre o possível cunho racista da apresentação.

Internauta critica a apresentação da sinhazinha (Arquivo Pessoal)

Para a advogada e jornalista, especialista em africanidades e ativista do movimento negro, Luciana Santos, a atitude traz uma forte carga relacionada ao racismo estrutural. A profissional ainda apontou a invisibilização sofrida pelos personagens negros no enredo do Festival.

“Parece que, numa tentativa de tentar se redimir, a Comissão de Arte mais uma vez deu um tiro no pé, com uma imagem carregada de colonialismo e eurocentrismo. Um verdadeiro “fogo amigo”, que é o que a população negra não precisa”, declarou.

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A advogada e jornalista Luciana Santos (Arquivo Pessoal)

“Mulheres Negras eram cruelmente violentadas por mulheres brancas. Eram estupradas pelos senhores e depois ainda eram vítimas da raiva das sinhás que as viam como o objeto de desejo de seus maridos. Nossa sociedade nasceu dessa violência colonial”, completou a especialista.

Já o sociólogo Luiz Antônio de Souza afirmou que é necessário ter atenção ao processo de “embranquecimento” do boi, e do enredo do festival, que vem acontecendo desde a adaptação do Bumba Meu Boi, que teve origem no Estado do Maranhão.

“O Boi, nas primeiras manifestações, era uma história com elementos negros muito bem demarcados, muito contundentes. O pai Francisco e a mãe Caterina eram negros e tinham muito mais presença. A sinhazinha, por exemplo, não existia na história original. Então você vê um processo de mudança do boi, o boi vai sofrendo um processo de embranquecimento, até o ponto de desaparecer os elementos negros do boi”, pontuou.

O sociólogo Luiz Antônio de Souza (Divulgação)

No ano passado, o mesmo item perdeu pontos na competição após representar a figura do orixá Oxum, entidade religiosa de matriz africana, na sinhazinha da fazenda. A encenação foi considerada apropriação cultural pelos jurados.

Leia também: Jurados confirmam apropriação cultural de sinhazinha em Festival de Parintins

Veja vídeo da apresentação desta sexta-feira, 28:

Sinhazinha traz bonecos de pessoas pretas no vestido e nas mãos (Reprodução/Redes Sociais)
Conceito

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que é autor da obra “Racismo Estrutural”, publicada em 2019, considera o racismo parte da estrutura social, um de seus “componentes orgânicos” com práticas já entendidas como normais pela sociedade.

“Entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas”, explicou o ministro em uma postagem sobre o livro em suas redes sociais.

O ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida (Divulgação)
Contexto histórico

O enredo do Festival Folclórico de Parintins se baseia na história chamada “auto do boi, onde o casal de escravos Francisco e Catirina matam o boi do senhor da fazenda para servir de alimento, e então se inicia um ritual para ressuscitar o animal. A sinhazinha, neste contexto, sendo filha do fazendeiro, faz parte do lado branco do festival, como uma integrante da Casa Grande.

“Sinhá” era a forma com a qual os escravizados e as escravizadas designavam a senhora, a patroa, durante o período escravocrata, que representa uma história de violência e opressão contra as pessoas negras.

Leia mais: No ‘Julho das Pretas’, Caprichoso leva para arena Oxum representada pela sinhazinha
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