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TCU afirma que Fundação do Exército tem ‘indícios contundentes’ de nepotismo
Tanque leve SK-105 Kurassier dos fuzileiros navais passa em frente ao Palácio do Planalto (Pedro Ladeira/Folhapress)
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21 de agosto de 2023
Da Revista Cenarium Amazônia*
MANAUS (AM) – Uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou “indícios contundentes” de nepotismo, acúmulo de funções e ausência de licitação na Fundação Habitacional do Exército (FHE), órgão ligado aos militares e responsável por gerir a Poupex, associação privada que atua com créditos imobiliários.
A análise cruzou os CPFs de contratados pela associação com os de integrantes das três Forças Armadas, do Comando do Exército e do Ministério da Defesa. Foram encontrados 221 casos de relação de parentesco entre as instituições.
O tribunal identificou nove casos de parentesco entre a cúpula da fundação do Exército e funcionários da associação subordinada a ela.
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As informações constam em um acórdão do TCU de maio deste ano, no processo de análise das contas de 2017 da fundação.
A Folha procurou a Defesa e o Exército, que não responderam. A Poupex afirmou que não recebe dinheiro público, que é uma empresa privada.
“Desde a sua criação, foram construídas cerca de 10 mil unidades habitacionais em todo o Brasil. A Instituição já concedeu mais de 150 mil financiamentos imobiliários, para civis e militares”, disse, em nota enviada por sua assessoria de imprensa.
“A Poupex conta, atualmente, com R$ 6 bilhões de saldo em poupança, distribuídos em 1,6 milhão de contas”, completou.
A FHE e a Poupex foram criadas no início da década de 1980, em um arranjo singular no funcionalismo público brasileiro.
A primeira é uma instituição pública de direito privado, o que significa que tem um CNPJ próprio, mas presta contas aos órgãos públicos —como o TCU. Ela tem como finalidade o financiamento de crédito imobiliário para militares.
Já a Poupex é uma empresa privada, mas que foi criada exclusivamente para atender a fundação e é gerida por ela.
Em sua defesa no processo do TCU, a Poupex alega que não precisa cumprir as regras do poder público, por ser privada, e que a FHE não recebe recursos públicos.
Em seu voto, o relator Marcos Bemquerer Costa questiona essa separação, uma vez que o quadro de servidores da FHE é composto apenas por sua direção e seu conselho administrativo e toda a atividade de créditos é operacionalizada pela Poupex.
Por isso, ele entende que, ao cabo, a empresa privada acaba prestando o serviço público, mas sem que para isso tenha sido feita licitação nem concurso público para a contratação de pessoal.
“Os números envolvidos autorizam a afirmar que a Poupex é o corpo que personifica a existência da FHE, e que não existe de fato a distinção da personalidade jurídica das duas entidades, inviabilizando a supervisão que a segunda deveria exercer sobre a primeira”, diz, em seu voto.
“A simbiose entre as duas entidades vem sendo praticada ao longo de décadas com base em argumentos de conveniência e oportunidade, sem que a lei tenha conferido tal poder discricionário àquela entidade, que se esquiva dos deveres legais de seleção de pessoal, mediante concurso público, e de aquisição, mediante processo licitatório […] e infringe os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa”, completa.
O levantamento do tribunal mostra que 50% das 221 relações de parentesco entre funcionários da Poupex e membros das Forças Armadas e da Defesa é com militares de alta patente —de coronel para cima.
Também aponta quase 100 casos de pessoas contratadas pela Poupex e que constavam nas folhas de pagamento das Forças Armadas ou da Defesa —considerando a relação de pessoal de 2020.
Calcula o tribunal que, portanto, 316, “ou 24,2% dos 1.306 funcionários da Poupex, possuem vínculo direto com as Forças ou indireto”.
O TCU ainda aponta que o parentesco mais comum é o de pai, que corresponde a 28% dos casos, seguido pelo de tio, 22%. Dos 9 casos de funcionários da Poupex familiares de membros da FHE, 3 são filhos, três são sobrinhos, um é irmão e outro é sobrinho irmão.
O órgão de controle ainda questiona o fato de que conselhos e direções das duas instituições são compostos majoritariamente por militares, sendo que elas não são organizações militares.
O tribunal aponta ainda que os mesmos nomes ocupam a direção tanto da Poupex quanto da fundação, mas enquanto o salário da fundação é de cerca de R$ 17 mil, o da associação privada, em 2019, era de mais de R$ 19 mil, além de quase R$ 1.500 mil em auxílios.
O TCU ainda destaca que a FHE tem apenas cargos de presidência e direção, e contrata todo o corpo de funcionários da associação de poupança. Assim, em 2017, foram pagos pela fundação à empresa quase R$ 210 milhões para emprego de pessoal e quase R$ 35 milhões em gastos com informática, em valores da época.
O tribunal questiona que, “embora [a FHE] não seja mantida com recursos financeiros do Orçamento Geral da União”, ela recebeu o equivalente a R$ 37 milhões em permutas com o Comando do Exército e “desfruta, no seu relacionamento com a União, de privilégios não disponíveis a entidades privadas que exercem atividades de mesma natureza”.
Por isso, o tribunal questiona o fato de que nem a FHE, muito menos a Poupex, realizem licitações ou concursos públicos.
Na opinião do relator, a apuração aponta fatos “contrários à legislação, mas que não ensejam censura à atuação dos gestores da FHE, porque respaldada no texto do estatuto da entidade”, que prevê uma relação estruturada desta forma.
Por isso, o tribunal recomenda uma série de ajustes aos pontos do estatuto que contrariam a uma série de leis.
Yohann Sade, da Sade & Gritz Advogados e especialista em direito administrativo e regulatório, pondera que, “mesmo que haja uma evidente ‘mistura’ de regimes públicos e privados”, o caso pode demonstrar uma exceção à regra, pelo fato de que a relação entre as entidades é singular dentro do funcionalismo.
Raphael De Matos Cardoso, mestre em direito administrativo, professor e sócio do Marzagão e Balaró Advogados, diz ainda que é justamente neste sentido que o TCU “determinou que cabe à FHE compatibilizar o estatuto da Poupex” para se adequar ao princípio da segregação de funções.
Sade ressalta, no entanto, que “como a estrutura da Poupex é que justifica, hoje, a existência funcional da FHE, é evidente que, neste aspecto, não estão sendo cumpridos deveres legais de seleção de pessoal, mediante concurso público”.
“O corpo de funcionários da FHE se confunde com o da Poupex, de modo que, obviamente, há a obrigatoriedade de observância das normas relativas ao nepotismo”, avalia.
Cardoso diz ainda que o problema de enquadrar o caso como nepotismo é que não há previsão no direito privado para isso, apenas no público.
“Portanto, sob essa ótica, o que pode acontecer é o conflito de interesses. No âmbito privado deve existir uma avaliação à integridade, compliance. É necessário se analisar caso a caso, claro, mas pode configurar”, completa.
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