Um recorte sobre a história do MST em tempos de cognição bolsonarista

Manifestantes do MST em frente à bandeira do Brasil (Divulgação/MST)
Ademir Ramos – Especial para Revista Cenarium**

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma força catalisadora fincada no campo dos sertões do Brasil, em quase todos os Estados da federação, com uma extensa pauta centrada na luta pela reforma agrária popular, sustentável e socialmente justa, formuladora de políticas públicas de acesso à terra, à produção familiar e solidária, focadas no combate à fome, capaz de criar condições materiais para se enfrentar a reprodução da desigualdade, reivindicando a efetiva função da propriedade para erradicar a pobreza e a exclusão social, visando à promoção da dignidade da pessoa humana sob o soberano dever de garantir e assegurar terra para quem trabalha.

Para os desavisados é bom que se diga que o MST foi criado no Oeste do Paraná, no município de Cascavel, em janeiro de 1984, no contexto das lutas sócias, numa assembleia da Comissão Pastoral da Terra, uma das frentes de atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em solidariedade às lutas do campesinato em favor da reforma agrária no Brasil que, articulada com o Conselho Indigenista Missionário, órgão da CNBB, reivindicava também a efetiva demarcação das terras indígenas em reconhecimento ao direito dos povos originários.

A criação do MST foi ganhando corpo e musculatura nas lutas pela democratização do País, sobretudo, a partir de 1987, na participação da Assembleia Nacional Constituinte, que consumou com a promulgação da Constituição de 1988, assegurando em seu Art. 184, a competência da União para “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo com sua função social […]”.

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Esta determinação legal e legítima, até hoje, é inaceitável pelos conservadores patrimonialistas com cara de coronel de barranco, capitão do mato ou escravocrata. Por esta razão, por meio de seus representantes no Congresso Nacional, fazem de tudo para violentar a Constitucional Federal, recorrendo aos mais variados artifícios regimentais, como é o caso da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em curso contra o MST.

Para o ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, em artigo recente veiculado na imprensa nacional, a CPI contra o MST “volta-se, com renovados artifícios, em medidas legislativas, a invocar a tese da propriedade privada como um direito absoluto, num contexto de realidade distópica (contrário à ordem constitucional) em que mentes autoritárias afirmam a “sacralidade” para retirar do seio da sociedade direitos conquistados historicamente por lutas sociais”.

De forma orquestrada, a bancada ruralista, representando os interesses do agronegócio e do capital agrário, com assento no Congresso Nacional, levanta-se também contra a demarcação das terras indígenas, advogando em causa própria contra o direito tradicional dos povos originários, visando emplacar a tese do Marco Legal, patrocinando uma ação que visa reconhecer o direito à terra tão somente aos povos indígenas que estavam naquele território circunscrito no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Com este arremedo jurídico pretendem negar peremptoriamente a etno-história, o direito ultramarino, o direito consuetudinário e, afrontar o Art. 231 da Constituição Federal que reconhece “os direitos originários sobre as terras que, tradicionalmente, ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Toda esta ginástica jurídica é bancada pelos feitores e latifundiários para dar legalidade ao esbulho das terras indígenas, acelerando desta feita, a integração destes povos nos bolsões de miséria que circundam a periferia das grandes cidades.

O MST não tem cabresto e nem dono. É muito mais do que pensam os seus algozes, que fazem de tudo para criminalizar suas lideranças e o próprio movimento. Sua bandeira é solidária, levantando as forças do campo e da cidade, como expressão de uma unidade estruturante capaz de promover as lutas sociais pautadas por um novo modelo agrícola baseado em uma matriz agroecológica destinada à soberania alimentar, articulada com os entes federados comprometidos com o combate à fome e à desigualdade social, orientada por um projeto político pedagógico de uma educação participativa e cidadã, na perspectiva emancipatória de baixo para cima, sendo mantenedor de mais de 2 mil escolas com mais de 200 mil crianças, mais de 50 mil adultos em formação contínua e mais de 2 mil agentes em cursos técnicos e quase 200 alunos e alunas em nível de graduação.

Com toda teimosia, o MST é recorrente em suas lutas nesses 39 anos de história. A CPI armada contra o direito dos trabalhadores do campo é mais uma jogada do patronato rural que, historicamente, tudo tem feito para calar e acantonar as lutas no campo desde os tempos coloniais até o presente histórico do Brasil. O MST é um dos apoiadores do Governo Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa conjuntura, para João Pedro Stédile, a CPI foi criada para tentar desestabilizar o governo do PT. “Eles querem enquadrar o governo” e, com isso, assegurar suas prerrogativas para exercer o mando da exploração dos trabalhadores do campo, concentrando mais terras como bem de capital especulativo, inclusive, os territórios dos povos indígenas, avançando com as frentes de devastação, queimada e grilagem articuladas com as corporações internacionais, seguidas de uma política de exportação cumulativa, deixando para os brasileiros a pobreza, a fome e o desalento enquanto marca da prática de rapina de uma política excludente e socialmente injusta, sem terra, pão e liberdade.

(*) Ademir Ramos é professor, antropólogo, coordenador do Projeto Jaraqui e do Núcleo de Cultura Política do Amazonas, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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