Saiba mais sobre o MST, alvo de investigação na Câmara Federal

A bandeira do MST (Reprodução/MST)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é alvo de investigação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, e nesta quarta-feira, 14, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. O fato ocorreu depois que o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Sousa Junior criticou a opinião da deputada Carol de Toni (PL-SC), feita em pronunciamento.

O MST é uma das principais organizações de luta pela Reforma Agrária no Brasil. Fundado em 1984, busca a democratização do acesso à terra, pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela transformação da estrutura agrária, em 24 Estados das cinco regiões do País.

Entre os adversários do MST estão representantes de grandes proprietários e do agronegócio, como a poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia, uma entidade associativa que reúne grandes proprietários rurais.

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Produção de arroz do MST (Wellington Lenon/MST)

As divergências começam pelo discurso. Enquanto o MST fala em “ocupações”, os críticos adotam o termo “invasões” e julgam que há um desrespeito ao direito à propriedade privada. O MST organiza ocupações de terras consideradas improdutivas, reivindicando a desapropriação e redistribuição para fins de reforma agrária. Além disso, conforme o MST avança, desenvolve projetos de agricultura familiar, educação popular e luta por melhores condições de vida para os agricultores e suas famílias.

Dinâmica

O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luis Nascimento, explicou a dinâmica de ocupação do MST, junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o dono das terras improdutivas.

“O assentado, ele vai receber crédito para se fixar na terra e ele vai pagar esse crédito e essa terra. Ele não recebe nada de graça e, ao final disso, ele vai produzir comida para sustentar a sua família e abastecer o mercado local e o regional”, detalhou o professor.

Ele complementa e diz que, às vezes, há governos que possuem perspectivas de distribuição de terra para trabalhadores poderem viver e trabalhar nelas. “Os ‘donos’ das terras se aforam e passam a atacar o principal movimento agrário, que não é o único movimento que luta pela terra, mas como o MST é mais organizado, então, eles são os mais atacados”, explicou Antônio.

Movimento de Massa

O MST é um movimento social, de massas, autônomo, que procura articular e organizar os trabalhadores rurais e a sociedade para conquistar a reforma agrária e um projeto popular para o Brasil. No total, são cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização.

A economista Denise Kassama defende que o movimento sem terra representa o povo e não precisa, necessariamente, ter aplicação radical política, independente dos espectros de esquerda e direita.

“O MST é, sim, um movimento social que trabalha em prol da reforma agrária e contra a concentração fundiária no campo brasileiro. Como qualquer outro movimento social, ele tem a ala mais moderada e a mais radical. Eu não gosto muito de dizer a palavra vândalos, porque você vai ter os radicais nos movimentos sociais, ligado à esquerda e à direita”, explicou.

Produção de arroz orgânico

Segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), o MST é responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil. É o que mostra uma reportagem da BBC News Brasil em 2017. O Irga, vinculado ao governo do Rio Grande do Sul, é considerado referência para esse levantamento, porque o Estado detém a maior produção geral de arroz do Brasil — correspondendo a, segundo o instituto, cerca de 70% de todo o grão produzido nacionalmente.

É nesse ambiente que cresce a hostilidade ao movimento, que mantém vínculo com cerca de 400 mil famílias assentadas e 120 mil acampadas em todo o Brasil, e ganhou a fama de ser “fora da lei”. Centenas de militantes já morreram em ações e ocupações de terra que nem sempre ocorrem sem conflitos ou excessos.

De acordo com a reportagem da BBC News Brasil, o Irga estima que o movimento passou a liderar a produção desse tipo de grão, no País, por volta de 2010 — mas não há dados concretos que apontem, exatamente, quando isso ocorreu.

Como funciona o MST

O MST está presente em 24 Estados e possui uma estrutura vertical que, segundo João Stédile, dirigente nacional do movimento, mantém autonomia de núcleos locais. São vários grupos de famílias que se organizam para ocupar a terra e estão unidas por coordenações.

Produção agrícola do MST (Divulgação)

A cada dois anos, mandam delegados (sempre buscando paridade entre homens e mulheres) a um encontro para decidir a coordenação estadual que, por sua vez, escolhe dois integrantes para compor a coordenação nacional. Mas são esses grupos de família que decidem quando, onde e como vão realizar ações, sempre seguindo as orientações políticas e jurídicas do grupo.

“Se 100 famílias decidem ocupar uma fazenda errada, eles vão ser despejados. Mas foram eles que decidiram, eles mesmos vão pagar pelo erro deles. A coordenação nacional não decide isso, ela tem um papel mais político”, afirma Stédile.

Veja mais sobre o MST

Fortalecimento do Setor

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na primeira edição do podcast “Conversa com o Presidente”, na terça-feira, 13, que não há motivos para “invadir terras”. A declaração ocorre no momento em que ele tenta um diálogo com o agronegócio. Lula defendeu fortalecer o setor, mas também pontuou a necessidade de uma reforma agrária.

“Não precisa mais invadir terra. Se quem faz o levantamento da terra improdutiva é o Incra, ele que comunique o governo quais são as propriedades improdutivas que existem em cada Estado brasileiro. E a partir daí nós vamos discutir a ocupação dessa terra. É simples. Não precisa ter barulho, não precisa ter guerra. O que precisa ter é competência e capacidade de articulação”, disse o presidente.

Presidente Lula conversa com o jornalista Marcos Uchoa na estreia do programa ‘Conversa com o Presidente’ (Reprodução Youtube/PR)

Educação MST

No site do MST, uma das áreas que se destaca é a educação, que desde a origem desenvolveu processos que incluem como prioridade a luta pela universalização do direito à escola pública e à qualidade social da infância, à universidade. 

Professora e alunos em uma das salas de aula dos assentamentos do MST (Reprodução)

Nesse sentido, o MST busca construir, coletivamente, um conjunto de práticas educativas na direção de um projeto social emancipatório, protagonizado pelos trabalhadores e trabalhadoras. A construção de uma escola ligada à vida das pessoas, que torne o trabalho socialmente produtivo, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história como matrizes do ambiente educativo, com a participação da comunidade e auto-organização de professores e alunos.

Número de escolas construídas e pessoas beneficiadas pelas unidades (Divulgação)

CPI do MST

A CPI do MST é presidida pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e tem como relator o ex-ministro do Meio Ambiente o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP). A atribuição da relatoria a Salles gerou questionamento da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Segundo ela, o regimento impede parlamentares de relatar matéria quando há interesses pessoais envolvidos.

A parlamentar sustenta que Salles tem interesse econômico relacionado à pauta, em razão de ter entre os financiadores usineiros e madeireiros. Além de interesses ideológicos, tendo em vista que fez campanha contra o ativismo rural do MST.

“Quando foi candidato a deputado federal, em 2018, Salles fez campanha baseada na criminalização do MST. Na época, ele foi investigado porque dizia, abertamente, que iria fuzilar os militantes do movimento”, disse Sâmia, que teve questionamento rejeitado pelo presidente do colegiado.

Por sua vez, Salles disse que vai trabalhar “com máximo de abertura para o diálogo” e que espera poder contar com a ajuda daqueles que representam uma visão favorável aos movimentos e à reforma agrária.

Professor x bolsonarista

O professor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Junior, na CPI do MST, viralizou nas redes sociais por conta da reação da deputada Caroline de Toni (PL-SC). Diante da resposta do ex-reitor da UnB, a parlamentar bolsonarista disse ter sido ofendida com “categoria acadêmica”.

Defensor da reforma agrária, José Geraldo foi chamado como convidado para a CPI. Ao questionar o professor, a parlamentar fez uma série de críticas ao MST, se referindo aos assentamentos do movimento como “centros de doutrinação marxista”:

“Não dão a liberdade para as pessoas, não dão emancipação, não dão título (de terra). Escravizam as pessoas e deixam na miséria. Além do mais, se arrogam justiceiros sociais, movimentos privados violentos que querem fazer o papel do Estado (…) Invasão de terra é crime”, diz a deputada ao longo de sua fala.

Convidado a responder a declaração, José Geraldo afirma não ter condições de discutir com a parlamentar por conta de questões cognitivas.

“Em respeito a deputada, porque, na verdade, ela não me fez pergunta nenhuma, só queria lhe dizer uma coisa (…) Os gregos diziam que teoria significa aquele que vê. A gente só vê o que tem cognição para ver. Eu não tenho como discutir com a deputada, porque a sua visão de mundo, a sua cosmovisão, só permite a senhora enxergar aquilo que está escrito na sua cognição. Você não vê o que existe, mas o que a senhora recorta da realidade”, diz o professor.

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