Veja repercussão da PEC bolsonarista que prevê privatização de praias

Flávio Bolsonaro (Composição/Wesley Santos/CENARIUM)
Carol Veras – Revista Cenarium

MANAUS – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/22 que está em tramitação no Senado pode permitir a transferência da propriedade de terrenos litorâneos, atualmente sob domínio da União, para Estados, municípios e proprietários privados. A REVISTA CENARIUM conversou com especialistas para saber sobre a influência da privatização desses espaços, em específico as praias do País.

O assunto ganhou destaque novamente após uma audiência pública realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na segunda-feira, 27. Essa é uma pauta de relatoria do senador Flávio Bolsonaro PL-RJ), filho do ex-presidente da república Jair Bolsonaro (PL). Durante a reunião, que contou com a presença de membros do governo federal, representantes de alguns municípios e da sociedade civil, os senadores se mostraram divididos sobre o tema.

A Coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, conta para a CENARIUM que a aprovação da é considerada uma “irresponsabilidade histórica”. De acordo com ela, “o texto, sem análise técnica e ambiental e nenhum critério de justiça na destinação de bens que são da coletividade, consolida como propriedade privada áreas extremamente importantes do ponto de vista ambiental”, complementa.

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Araújo ainda traz à tona as mudanças climáticas ocorrendo de forma global, e fala sobre os impactos que possivelmente a decisão pode causar: “Sequer ponderam como fica a segurança dessas ocupações em plena crise climática, que tem como um dos efeitos mais graves o aumento do nível do mar. A ideia é privatizar e depois impulsionar a venda dessas áreas especialmente para os empresários do ramo do turismo. Os brasileiros não podem deixar essa proposta criminosa ser votada!”, alerta à população.

Suely Araujo (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O doutor em direito e professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Allan Magalhães, contou à CENARIUM os possíveis impactos que possam ser causados pela emenda: “É um grande equívoco e estimulará uma corrida por ocupações ilegais dos terrenos de marinha, sem nenhum tipo de ganho para o meio ambiente e para as pessoas que já ocupam tradicionalmente referidas áreas e que sofrerão com a pressão de grileiros e da indústria das invasões“, explica.

De acordo com o professor, um dos grandes problemas ambientais na atualidade decorre das ocupações e construções irregulares que esta PEC está estimulando, quando afirma que quem as ocupar se tornaria proprietário, já que só permanecerá com a união as áreas não ocupadas.

Além disso, as próprias unidades ambientais de proteção existentes, mesmo preservadas, sofrerão com a pressão da especulação imobiliária e das ocupações irregulares no seu entorno. Desta feita, esta PEC estimula a degradação ambiental e a pressão sobre as comunidades locais, e no caso da Amazônia, das comunidades tradicionais que terão que proteger suas terras dos grileiros“, completa.

Allan Magalhães (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O advogado Gesiel Santos contou à CENARIUM sobre a constitucionalidade do projeto: “De acordo com nossa Constituição Federal, as praias são bens da união federal e como tão são de uso comum da população, não podendo ser privatizado para uso particular por ser de uso da coletividade. Vale informar que existe lei que regula a matéria, no caso a lei 7.661/1988, Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências. Nessa lei, no seu art. 10, claramente que as praia são de uso como do povo, devendo ser assegurado o livre acesso sem que seja exigido qualquer valor por isso” afirma.

De acordo com ele, há uma discordância entre o projeto de relatoria de Flávio Bolsonaro e a Constituição Federal: “Se a nossa Constituição estabelece que a costa marítima, as praias, rios e mares etc, são bens da união com destinação para o uso comum da população, querer privatizar e colocar tais bens para o uso de poucos e ainda realizando a exploração econômica, no meu ponto de vista tal projeto nasce morto por ser ele totalmente inconstitucional

Sobre os benefícios que a PEC poderia oferecer à sociedade, Santos responde: “Essa privatização seria talvez aceitável se a coletividade fosse beneficiada, o que eu creio que não seja o caso. Na verdade, o que está por trás desse projeto, com toda certeza, um pequeno grupo de pessoas com grande poder aquisitivo buscando junto ao legislativo mudar em detrimento da sociedade o que já está devidamente regulamentado”, discorre.

Opinão pública

A discussão repercutiu negativamente nas redes sociais, dividindo a opinião dos internautas. As opiniões contra a proposta incluem a pauta ambiental. “Não precisa pesquisar muito para perceber que isso é um retrocesso brutal nas questões ambientais e também nas questões culturais e turísticas” comenta um usuário da rede social X.

O influenciador e biólogo Henrique também se manifesta contra a proposta: “Não precisa de muito para perceber que tirar as praias da mão da marinha e colocar na responsabilidade da prefeitura e de resorts não dá certo”. Confira o vídeo:

Na aba da PEC 03/22 no site do Senado Federal, uma pesquisa de opinião interna indica que
77.557 pessoas são contra a emenda e 1.206 são a favor. O resultado confere a ultima atualização, desta quinta-feira, dia 30.

Pesquisa de opinião do Senado Federal (Reprodução/Senado)
Sobre a PEC

Conforme descrito na PEC 03/22 no portal do Senado, a medida propõe a revogação do inciso VII do caput do artigo 20 da Constituição Federal e do § 3º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além de outras providências.

Organizações ambientalistas alertam que a proposta pode resultar na privatização das praias por empreendimentos privados, colocando em risco a biodiversidade do litoral brasileiro. A Marinha também possui propriedades nas margens de rios e lagoas afetadas pelas marés.

O senador Flávio Bolsonaro, em seu relatório, defende que a mudança na legislação é crucial para regularizar as propriedades localizadas em terrenos da Marinha. “No Brasil, há inúmeras construções feitas sem a ciência de que estão em terrenos pertencentes à União”, destaca.

Segundo Flávio, “os terrenos de marinha causam prejuízos aos cidadãos e municípios. Os cidadãos enfrentam uma tributação excessiva sobre os imóveis em que vivem, incluindo foro, taxa de ocupação e IPTU. Por sua vez, os municípios têm dificuldades no desenvolvimento de políticas públicas de planejamento territorial urbano devido às restrições de uso dos bens sob domínio da União”, justifica.

O senador também argumenta que a razão histórica para o domínio da Marinha sobre as praias era a defesa do território contra invasões estrangeiras, uma necessidade que, em sua visão, já não existe. “Hoje, essas razões não são mais relevantes, especialmente com os avanços tecnológicos em armamentos que mudaram os conceitos de defesa territorial”, afirmou no parecer sobre a PEC.

Leia também: Senado retoma debate sobre PEC que pode resultar na privatização de praias
Editado por Aldizangela Brito
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