Crônicas do Cotidiano: Precisava furar agora?

É bom começar por uma opinião bem pessoal: nem esquerda, nem centro, nem direita são “flor que se cheire”, falando de posições ideológicas prevalentes na política! Os Partidos Políticos que aceitam rotular-se como tal vivem da tensão, do embate, o que deve ser encarado como normal no Estado Democrático de Direito. Vivemos um momento de ápice desse embate. Essa é, felizmente, uma visão dos acontecimentos que se nos apresentam e nos apontam, ora para o brejo, ora para a porta da esperança, reconhecendo que vivemos em uma “Democracia na Periferia Capitalista”, dando crédito muito bem-vindo ao título do livro de Luiz Felipe Miguel, editado pela Autêntica, em 2022. Depois de vaticinar, com bola de cristal, acontecimentos perturbadores, o autor citado é categórico: “A democracia é uma batalha permanente contra a reprodução das dominações sociais, na qual se enfrentam interesses em conflito. É uma forma de organização do acesso ao e do exercício do poder que se esforça por disciplinar, mas não anula as lições que a Ciência Política nos ensina desde Maquiavel. Incidir sobre a correlação de forças é, portanto, o único caminho para garantir que os mais fortes não revertam as vitórias alcançadas pelos mais fracos” (p. 337).

O que se esperar das chamadas elites indecorosas, base de todo o patrimonialismo que sustenta as desigualdades sociais que nós temos? O que se esperar de empresários que tudo repassam para os preços de gêneros de primeira necessidade, inclusive o caviar que comem e o champanhe que bebem, parte de seu luxo e, por cima de tudo, sonegam? O que se esperar de “agrotrogloditas”, que invadem, queimam e sujam com agrotóxico áreas de preservação ambiental, tão necessárias ao sucesso do que se chama de “agronegócio do bem”? O que se esperar de senhores embrulhados em bandeiras e empenhados em destruir, em nome de suas vontades extremistas, as instituições democráticas? Todos estão empoderados e representados no Congresso Nacional, onde deputados e senadores passeiam com seus bigodões pintados de “acaju”, com suas carecas ou cabeleiras avantajadas, seus chapelões, seus livros sagrados, seus berrantes, suas fardas lustrosas e engalanadas com falsas medalhas. Uns gritando com as colegas mulheres que teimam em falar nas comissões, prometendo tiros para outros de quem discordam, conchavando à sorrelfa ou lacrando para uma claque que vive de migalhas carinhosas. Esse burburinho, essa aparente balbúrdia, essa festa de versões midiáticas, torna os verdadeiros atores partícipes impunes, enquanto no judiciário se discute com mãos de seda a aplicação da “teoria do domínio do fato”, ante aos mal feitos consumados. Nesta legislatura, como tudo pode piorar, o povo quis assim, é do jogo e, por isto, está valendo e requer paciência e estratégia dos que veem o parlamento com outros olhos e têm uma noção diferenciada de suas responsabilidades.

É preciso valorizar conquistas: foi abortado um Golpe de Estado, talvez o mais perigoso e indecente que nos levaria à nazificação do poder, o que fica mais claro com a elucidação de parte das artimanhas; paulatinamente, vão mudando os procedimentos no trato da coisa pública; vozes intimidadas e caladas voltam a ecoar; ouve-se de algumas pessoas confissões de arrependimento do envolvimento com as ilusões da extrema direita; a máscara de falsos moralistas começa cair e seus podres vão sendo expostos a céu aberto; as empresas que bancam a mídia tradicional e os impulsionadores do mal na internet começam a recuar com medo de perder consumidores ou clientes (não por bondade, mas por instinto de sobrevivência); a mídia redireciona suas narrativas em nome do tal interesse de mercado e já dispensou os paladinos do golpismo.

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Por tudo isso, não é hora de furar poço de petróleo para sujar o belo jardim de corais que adorna a Amazônia Azul; não é hora de furar o olho dos “companheiros” contrários à “farofa de potássio” que vai adubar os pés de soja que avançam Amazônia a dentro. Contudo, é hora, também, de sermos firmes contra os que usam a Amazônia como moeda e nos deixam, depois, como meros “catadores de coquinhos” para empresas de cosmético e de perfumaria.

Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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