‘A extinção da PRF não é o remédio’, diz chefe da corporação após falas de ministro

Antônio Fernando Oliveira assumiu o comando da PRF na gestão Lula - Gabriela Biló/ Folhapress
Da Revista Cenarium Amazônia*

BRASÍLIA – O diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Antônio Fernando Oliveira, afirmou que a extinção da corporação não deve ser cogitada como solução para seus problemas.

Em entrevista à Folha, o diretor-geral defendeu, porém, uma revisão em sua política interna, em sua doutrina.

A fala de Oliveira se contrapõe ao que defendeu o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ao comentar a morte da menina Heloisa dos Santos Silva, 3, baleada em uma ação da PRF, Gilmar afirmou que a existência da corporação deve ser repensada.

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Antônio Fernando Oliveira assumiu o comando da PRF na gestão Lula – Gabriela Biló/ Folhapress

O diretor-geral confirmou que 28 agentes rodoviários estiveram no hospital onde a menina esteve internada em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, como denunciou uma familiar. Ele destacou que todos foram identificados e que a situação está sendo investigada por meio de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar).

“Abrimos um procedimento para saber sobre essas frequências, visitas [ao hospital]. O que estava autorizado? O que não estava? O que é regular? O que não é? Então tem um procedimento administrativo disciplinar para apurar isso”, destacou Oliveira, que também se diz “indignado” com o fato.

O que o senhor tem a dizer sobre o caso da menina Heloisa?
A repercussão é compreensível e a indignação da sociedade também. Ficamos indignados com isso também [diretor-geral e a instituição]. Nós trabalhamos para não errar. Tivemos 7,4 milhões de abordagens só neste ano, muitos salvamentos sendo realizados. Para uma instituição que tem como mote garantir o salvamento de vida é dolorido ter uma vida perdida. Então, eu como pessoa, como pai, imagino a dor da perda de um filho.

Segundo uma tia de Heloisa, 28 agentes foram ao hospital onde a menina estava internada. A PRF já identificou os agentes?
Nós temos dois PADS abertos, um pelo próprio fato e outro justamente motivado por causa dessa frequência de agentes ao hospital, que chegou ao nosso conhecimento por meio da imprensa. A gente precisa separar o joio do trigo. Abrimos um procedimento sobre essas frequências, visitas [ao hospital]. O que estava autorizado? O que é que não estava? O que é regular? O que não é? Então tem um procedimento administrativo disciplinar para apurar isso. Nós encaminhamos para o Rio de Janeiro a coordenadora-geral de Direitos Humanos e o corregedor-geral [da PRF].

Mas vocês já identificaram essas 28 pessoas?
Todas as 28 já foram identificadas, agora a gente vai mapear porque foram ao local.

Já se sabe se algum agente que foi sem autorização ao local?
Um agente da PRF estava à paisana, sem farda. Estamos apurando o que ele foi fazer lá. O processo tem o trâmite sigiloso, e a corregedoria tem completa independência. Eu, como um julgador, não posso intervir no processo.

Esse policial que foi à paisana pode ser expulso da PRF?
Se houver razão suficiente, ele ou qualquer outro pode ser expulso. Estou falando de forma abstrata, eu não conheço o processo.

O portal G1 divulgou que agentes teriam mexido no carro da família da vítima e teria havido até manipulação de projétil. Houve tentativa de atrapalhar a investigação?
Isso está em apuração. É necessário saber se isso realmente aconteceu. Em abstrato, não existe razão para se manipular projéteis ou qualquer coisa desse tipo.

Há prazo para que os agentes envolvidos no caso voltem a trabalhar?
O prazo vai depender da condução do processo judicial.

Os agentes estavam errados de atirar em direção a um carro em movimento?
Não estou respondendo sobre o fato em si porque ele está em apuração. De forma genérica, o policial não pode disparar contra um veículo que esteja em fuga. Nós temos que fazer o acompanhamento até conseguir fazer a abordagem. O único momento que se pode revidar a um disparo é quando houver uma grave ameaça contra a polícia ou terceiros. É a lógica da legítima defesa.

Mas no caso em si não houve grave ameaça, era uma família…
Não posso dizer do caso em concreto se está certo ou se está errado. Em um caso abstrato um disparo contra um veículo em fuga não está autorizado.

Tem prazo para conclusão desse PAD?
A gente abre um processo de 120 dias e pode ser prorrogado por 60 mais 60 dias. Um caso complexo geralmente se estende um pouco mais. No caso de Sergipe [em que Genivaldo de Jesus Santos foi morto], por exemplo, a gente demorou em torno de um ano para conseguir concluir. E por que isso acontece? A defesa entra com incidentes e vai postergando o julgamento.

Somente neste ano foram oito mortes envolvendo agentes da PRF. Como mudar essa realidade?
Nós sentimos qualquer morte. O ideal é que a gente agisse todas as vezes fazendo prisão sem necessidade de haver morte, mas é preciso de um parâmetro: em 2022 foram 44 mortes e, neste ano, oito. Desses 8 casos, 4 foram em apoio a uma operação do Ibama em relação a garimpo ilegal. A equipe foi recebida com disparos, inclusive de fuzil. São casos legítimos do uso da força e ainda assim um policial não gosta do que está fazendo, faz por necessidade.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, disse que é preciso repensar a existência da PRF. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Eu entendo que o ministro, como parte da sociedade, se indignou com aquele fato. Nós também. É lógico que a fala do ministro, sendo ele ministro do STF, tem um alcance muito maior do que qualquer outra. Mas essa indignação certamente não é só dele.

Eu discordo exclusivamente do remédio. A instituição tem 95 anos e possui bons serviços prestados. Neste ano, nós resgatamos uma quantidade muito grande e significativa de cidadãos que estavam em situação análoga à escravidão junto com o Ministério Público do Trabalho, nós combatemos o garimpo ilegal e resgatamos pessoas de lá também. Às vezes, a PRF é o único organismo do Estado presente em algumas localidades porque nós temos uma capilaridade muito grande.

O senhor discorda do ministro?
Quando ele fala da indignação do fato, eu concordo, estou também indignado. Repensar a política já está sendo, nós estamos com revisão da doutrina, inclusive antes da determinação do ministro [da Justiça, Flávio Dino]. Eu discordo da extinção, acho que a extinção não é o remédio. Mas repensar, nós estamos repensando.

No caso Genivaldo houve a tentativa de um acordo de indenização da AGU (Advocacia-Geral da União) com a família, algo que a defesa do filho não aceitou. No caso Heloisa, o governo vai buscar um acordo
Se a Justiça entender que cabe a indenização, a PRF não vai se opor, mas quem faz essa representação é a AGU e a Secretaria de Acesso à Justiça [Ministério da Justiça].

Existe uma portaria que autoriza a PRF a atuar fora das rodovias. Ela será repensada?
Nós apoiamos outras instituições e isso não vai mudar. Já atuamos com o Gaeco [Grupo de Combate ao Crime Organizado] neste ano, com o Ministério Público do Trabalho e com o Ministério Público Federal, por exemplo.

O caso Heloisa vai acelerar a política das câmeras corporais?
O processo está na fase de conclusão de como essa política vai ser aplicada. Em paralelo, já há tratativas para fazer a licitação de compra das câmeras. O processo de compra é o que gera menor custo, o mais caro é o tratamento dos dados. Eu não diria que o caso Heloisa iria acelerar o processo porque já estávamos tratando disso há muito tempo.

Existe a previsão de começar neste ano?
Acredito que no ano que vem. Eu estou tentando fazer um projeto-piloto neste ano, mas ainda não definimos o estado.

(*) Com informações da Folhapress
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