Água Branca: último igarapé limpo de Manaus resiste ao avanço da urbanização

Igarapé resiste à expansão urbana (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – O último igarapé preservado dentro da Cidade de Manaus, o Água Branca, é símbolo de resistência perante o avanço da urbanização na capital do Amazonas. Localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus, o pequeno rio se mantém vivo apesar da ameaça de destruição das nascentes.

Importantes para a alimentação dos rios e preservação da fauna e flora, os outros igarapés da capital, cerca de 120, já foram afetados pela ocupação humana. O assentamento no entorno desses cursos de água causa danos permanentes para a existência desses pequenos rios.

Igarapé resiste à expansão urbana (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Presidente da Organização Não Governamental Mata Viva, Jó Fernandes Farah é um dos responsáveis pela preservação do curso d’água do Água Branca, sendo uma das nascentes que formam o Igarapé Tarumã-Açu. Jó é dono do terreno por onde o pequeno rio deságua e cuida de inúmeras micronascentes no local há mais de 20 anos. 

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Preservação

O igarapé, que nasce nas matas protegidas do Aeroporto Eduardo Gomes e vai até à Cachoeira Alta, no Tarumã, tem mais de 7 km de extensão e faz parte da lista de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que, segundo o Novo Código Florestal Brasileiro, Lei n.º 12.651/12, são áreas protegidas que buscam preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, proteção do solo e assegurar o bem-estar das populações humanas que vivem no entorno.

Espuma tóxica decorrente da poluição dos rios no Tarumãzinho, afluente do Rio Negro em Manaus (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

A luta pela proteção do Igarapé Água Branca já chegou à Justiça, após uma empresa de energia conseguir autorização para desmatar um trecho próximo ao curso da água. A ONG conseguiu provar que a companhia desmatou mais que o dobro do acordado e acabou impactando diretamente no igarapé, que perdeu pelo menos dois metros de profundidade.

Imagens mostram área desmatada pela empresa e o impacto no igarapé, que ficou com a água cheia de barro por um período:

A empresa chegou a ser multada em cerca de R$500 mil, mas segundo Jó, a permanência dela, bem como dos maquinários pesados que derramam óleo e outros materiais ao longo do igarapé, ameaçam frequentemente a limpidez do local.

O desmatamento ao longo do curso do igarapé impacta diretamente no curso das águas e na robustez do riacho. “Não só essa empresa de energia, mas outros empreendimentos aqui no entorno ameaçam o igarapé. A margem desse lado do igarapé era tudo floresta, hoje em dia não é mais, e se você tirar isso aqui (árvores) da beira do igarapé, acabou”.

Jó conta que quando chegou no local, no início do milênio, acabou destruindo algumas nascentes naturais, que até hoje trabalha para a recuperação, fazendo replantio da floresta nativa e criação de peixes nativos que ajudam no processo natural da manutenção do igarapé.

Jornalista e ativista ambiental, Jó Farah e seus vizinhos lutam pela preservação do Água Branca (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Eu quando cheguei aqui fiz tudo errado, desmatei tudo para fazer minha casa. Se fosse hoje eu não faria isso, eu teria preservado essa área com a floresta nativa e construí minha casa lá em cima, mais distante do igarapé”, conta.

Em uma das micronascentes, que ficam localizadas a poucos metros do igarapé, o ativista conta que faz medições periódicas e já chegou a registrar a produção de 30 mil litros de água por dia. Ao longo da extensão do curso da água, Jó conta que existem milhares de micronascentes que colaboram para a robustez do rio, explicando a perda de profundidade, já que a empresa aterrou algumas delas.

É delicada e fundamental a presença de floresta na margem do igarapé, porque se não ele simplesmente morre. As raízes das árvores criam galerias e caminhos que levam a água das micronascentes para o igarapé”, explica.

As águas do igarapé nascem no terreno do Aeroporto Internacional de Manaus e desaguam no Igarapé Tarumã-Açu (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Educação e Pesquisa

Entre as atividades realizadas pela ONG, a abertura do local para a visita de alunos de escolas municipais e estaduais, bem como de universitários e pesquisadores, ecoa na busca pela preservação. Jó conta que frequentemente pesquisadores da Ufam levam alunos entre 8 e 10 anos ao local para conhecer o espaço.

O espaço oferece atividades como trilhas, escalada na copa das árvores, banho de igarapé e até sauna natural para quem visita o local. Jó também tem o trabalho de distribuição de mudas para estudantes e coleta de árvores da região para futuramente reflorestar o entorno de outros igarapés já poluídos.

Tenho cerca de 1.500 mudas aqui para plantar no Mindu algum dia (risos)”, diz Jó, se referindo ao Igarapé do Mindu, que corta a capital e já foi um local potável, aonde pessoas iam para se banhar e era ponto de lazer em Manaus.

Universitários da Ufam levam alunos de escola municipal para conhecer o igarapé (Reprodução/Facebook)

Além da visita ao local, Jó conta que pelo menos três pesquisas já foram escritas no espaço, uma delas sobre o próprio igarapé, falando sobre o solo. E outras duas sobre os animais que vivem na região, sendo uma delas já concluída sobre formigas e uma em produção sobre os pássaros.

O ativista conta que existem pássaros em extinção que ainda resistem na mata no entorno do igarapé, assim como outras espécies de animais, como o sauim-de-coleira, espécie ameaçada de extinção.

Tinha uns três bandos de Sauim aqui, com cerca de 30 animais, mas hoje em dia deve ter em torno de dez deles. O desmatamento e a perseguição são os responsáveis por ‘expulsar’ esses animais daqui”, conta.

Cardinal no Tarumã

Um dos pontos curiosos encontrados no Igarapé Água Branca é um pequeno aquário natural, com uma diversidade de peixes de rio doce, sendo um deles o cardinal. Naturalmente encontrados no Alto Rio Negro, o peixe ornamental e popularmente conhecido no mundo inteiro chega a ser vendido por 1 dólar cada.

Habitantes de águas escuras, os cardinais normalmente se encontram em águas ácidas e de presença de mata ciliar, ou seja, florestas próximas a pequenos rios, igarapés e lagos. O ativista cria um cardume de cardinais em uma das nascentes do Igarapé Água Branca, com outras espécies não-predadoras.

Natural de regiões mais ao Norte do Amazonas, o Cardinal é criado dentro da APP do Igarapé (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
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