Ameaçar funcionários de demissão por conta de voto é crime eleitoral; especialistas avaliam como ‘coronelismo atrasado’

Mão tecla botão de urna eletrônica (Reprodução)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – A violência eleitoral tornou-se uma preocupação durante as Eleições 2022. Casos de homicídios, agressões e atentados a eleitores e candidatos foram registrados por todo o Brasil, com isso, os índices de assédio eleitoral dentro do ambiente de trabalho também cresceram após o primeiro turno.

Com a segunda fase da votação se aproximando, em um cenário polarizado entre o candidato e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), a campanha eleitoral tem recebido apoio de empresários, artistas e personalidades públicas, que extrapola muitas vezes os limites do apoio político.

Ameaçar, coagir ou oferecer benefícios para funcionários é considerado assédio eleitoral e pode gerar multa prevista pela Constituição Federal de 1988. No artigo 5°, parágrafo VIII diz “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Já o Artigo 14° reforça que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual a todos”.

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Com o fim do primeiro turno, o Ministério Público do Trabalho (MPT-AM) e o Ministério Público Federal (MPF) acendem alertas para o aumento no relato de casos envolvendo empresários e microempresários ameaçando de demissão e coagindo funcionários.

Os dados totais sobre denúncias de assédio eleitoral não foram divulgados pelos órgãos, mas apenas na tarde dessa segunda-feira, 11, três inquéritos civis foram instaurados para apurar denúncias sobre o tema no Estado de Piauí. Um deles envolvia reunião com candidatos dentro das dependências de empresas privadas. A prática é proibida por lei Eleitoral.

Outro caso, no Pará, resultou na assinatura de um Termo de Conduta (TAC) por parte de um empresário, flagrado em vídeo coagindo trabalhadores a votar em determinado candidato nas eleições presidenciais. O homem foi condenado a pagar R$2 mil a cada empregado coagido, outros R$ 150 mil por dano moral coletivo e publicar um vídeo se retratando à sociedade.

Veja vídeo:

“Essa é uma prática ilegal, é crime eleitoral da mesma forma que compra de votos, pois enseja no uso de grave ameaça para coagir o eleitor a votar ou não votar em determinado candidato. É um verdadeiro abuso de poder econômico por parte dos empresários. O MP Eleitoral está recebendo essas denúncias e irá apurar a responsabilidade em cada uma delas”, alerta o procurador regional Eleitoral do Mato Grosso, Erich Raphael Masson.

O voto e as manifestações de apoio a políticos são livres e devem ser respeitados conforme consta na Constituição Federal, mas é necessário atentar ao regulamento da propaganda eleitoral. De acordo com o advogado eleitoral Flávio Espírito Santo, é importante que empresários tenham uma assessoria jurídica responsável, que os oriente sobre as práticas.

“O patrão pode expressar sua preferência casualmente numa reunião, ou até mesmo falar sobre um candidato, desde que não faça pedido de votos, ou referências explícitas à eleição ou às “consequências” da eleição deste ou daquele candidato, pois estes atos poderiam caracterizar a coação que configuraria o assédio eleitoral”, explica o advogado.

As denúncias de assédio eleitoral podem ser feitas diretamente para o Ministério Público do Trabalho ou procurar um advogado trabalhistas munido de provas, para poder prestar denúncia contra a empresa que o ameaçou, incluindo gravações de áudio, vídeo ou capturas de tela de conversas que provem o delito.

“O funcionário poderia usar a gravação para motivar o Ministério Público a começar uma investigação contra a empresa. Em um processo criminal, essa gravação seria provavelmente descartada, mas em processos trabalhistas entende-se que o direito à privacidade não é absoluto, porque muitas vezes o empregado não teria outra forma de provar o assédio moral promovido pelo patrão”, diz.

Para o especialista, os patrões que estão receosos da eleição de um ou outro presidente precisam lembrar de que o Poder Executivo é acompanhado dos Poderes Legislativo e Judiciário, harmônicos entre si e atentos para evitar quaisquer abusos.

“Mas não acredito ser uma questão de “medo” disso ou daquilo, é uma questão de caráter. Você não ameaça um funcionário por causa de uma eleição”, afirma.

Segundo turno das eleições está marcado para 30 de outubro (Reprodução)

Voto de cabresto

Durante a República Velha, o “voto de cabresto” era uma conduta reforçada pelo coronelismo, ou seja, a dominância de coronéis que tinham alta influência sobre os poderes políticos na época. A prática de compra de votos ou coação de trabalhadores acontece desde a primeira eleição pós-redemocratização.

O cientista-político Helso Ribeiro conta que enquanto morava no Rio de Janeiro presenciou uma ação, hoje repetida por empresários. “Essa famosa pressão pelo voto de cabresto não é novidade, eu lembro que na primeira eleição do processo de redemocratização do Brasil tinha um pastor de ovelhas perto de onde eu morava no Rio de Janeiro que me falou: “Olha, o meu patrão falou que se o Collor perder a gente não precisa nem voltar pro trabalho e perguntou se o patrão teria como saber em quem o funcionário votava”, relata.

Ele conta que essa pressão é aliada ao analfabetismo funcional, no qual as pessoas têm pouca instrução sobre como funciona o processo eleitoral. “As pessoas fazem pressão, pegam o título de eleitor e dizem que vão ver na urna se o voto foi dado, e isso é um processo da tentativa de preservação de feudos, de um coronelismo atrasado”, afirma.

De acordo com o especialista, apenas o esclarecimento pode ajudar no combate a essa prática com a construção de um pensamento crítico e contra verdades. “Enquanto nós tivermos ainda uma carência imensa no Brasil de uma escola que pensa, uma escola crítica, esse cenário não vai mudar. A gente tem cerca de 15 milhões de analfabetos e se você pegar o analfabetismo funcional isso mais do que duplica, então nós vamos estar sujeitos a essa ideia do coronelismo presente, desse voto amarrado”, avalia o especialista.

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