‘Até a última gota de nosso sangue’, diz indígena sobre luta pela terra

Liderança do povo original Guarani Kaiowá, Daniel Kaiowá, relembrou as formas violentas de apropriação de suas terras, o ataque a Guapoy e a luta contra o 'Marco Temporal' (Maiara Dourado/Cimi)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Daniel Kaiowá, professor, liderança do povo Guarani Kaiowá, do Centro-Oeste brasileiro e um dos sobreviventes do conflito de Guapoy, no município de Amambai, no Mato Grosso do Sul, declarou, em recente entrevista, sobre a luta indígena diante da tese do Marco Temporal: “A razão de nós resistirmos até a última gota de nosso sangue é porque não tem como a gente ir embora da nossa própria terra”. O manifesto de Daniel é mais um que se soma aos inúmeros, diante do debate e julgamento que ocorrerá em 7 de junho de 2023 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Na entrevista condida à equipe de Comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Daniel Kaiowá falou sobre a violência sofrida pelo seu povo e da ação que resultou em morte e traumas aos integrantes dos Guarani Kaiowá da comunidade Guapoy Tujuru Mirim. “O trauma ficou na mente de cada pessoa que está morando lá“, lamentou. Ainda na entrevista, Daniel lembrou que Guapoy é parte de um território tradicional que foi esbulhado dos Guarani Kaiowá. “Sempre foi dos nossos antepassados, mas fomos roubados”, acusou.

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Corpo do indígena Vitor Fernandes após a invasão em Guapoy, em 2022 (Aty Guasu/Apib)

A ação que resultou na morte de um indígena e deixou quase uma dezena de feridos foi perpetrada por forças de segurança do Estado. A operação policial está prestes a completar um ano. Ela ocorreu em 24 de junho de 2022. No conflito, policiais militares sitiaram e invadiram uma área que o povo Guarani Kaiowá ocupava. De forma ilegal e violenta, os militares adentraram o local e a ação resultou na morte do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, e no ferimento de outros nove Guarani.

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Compra da terra

O professor indígena aproveitou para relembrar o fato histórico sobre a compra de terras ainda no Brasil colonial. A apropriação das terras indígenas dos povos do Mato Grosso do Sul remonta ao período colonial e se agrava com a promulgação da Lei de Terras de 1850. A lei garantiu, a quem quisesse e pudesse, comprar volumes de terras consideradas devolutas, que são terras públicas sem uso. A ideia do governo daquela época era estancar a apropriação com base na ocupação e posse. Um método considerado violento.

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Protestos Guarani Kaiowá durante o enterro de uma das vítimas do ataque à Comunidade Guapoy, em 2022 (Reprodução/Cimi)

O problema, segundo Daniel Kaiowá, é que tanto a lei de terras, de 1850, quanto o método de compra em caráter de propriedade do que seria “devoluto”, não resultaram em sucesso, ao contrário, serviram para impulsionar, ainda mais, o status violento das tomadas à força de terras pertencentes aos povos originários. “Até hoje, se você for ver, toda terra, a partir de 1850, não foi regularizada no Brasil. Nunca foi. Então, todas as terras, a partir de 1850, no meu ponto de vista, são ilegais”, condenou.

A desterritorialização do povo Guarani Kaiowá ganha tons dramáticos com as drásticas medidas adotadas nos anos de 1930. Nessa fase, o Brasil experimentava a sua primeira onda de modernização. E a questão agrária batia as portas. Foi então criado o projeto de colonização da Marcha para Oeste, no governo de Getúlio Vargas. “O governo fazia propaganda de que a terra era devoluta, no Estado, e os colonos foram lá sem ter título. E é assim até hoje”, apontou Daniel Kaiowá.

Povos originários, em mobilização nacional, para o maior evento político indígena do País: o Acampamento Terra Livre (ATL) (Edgar Kanaykõ/Apib)

Luta no STF

Com a aproximação do julgamento da tese do Marco Temporal que diz que “são reconhecidos aos povos indígenas somente as terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988“, Daniel Kaiowá sentenciou: “É importante a gente destacar que, enquanto o Marco Temporal não acabar, enquanto o Marco Temporal não é votado pelo Supremo Tribunal Federal para ser extinto, nós estamos passando por esse genocídio, principalmente, psicológico em todo o Brasil”, concluiu.

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