No AM, líderes Mura denunciam ameaças após consulta sobre demarcação de terra

O MPF afirmou que foram realizadas ações junto à Justiça para garantir a segurança dos indígenas que vivem nas comunidades (Gabriel Abreu/Revista Cenarium)
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS – O Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas realizou nesta sexta-feira, 28, uma entrevista coletiva para atualizar as ações do órgão para conter as ilegalidades cometidas pela empresa Potássio do Brasil no município de Autazes (a 111 quilômetros de Manaus), na Terra Indígena Mura.

As lideranças indígenas das comunidades Lago do Soares e de Urucurituba denunciaram que estão sofrendo ameaças, depois do início da Consulta Pública por parte da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para o início da demarcação do território indígena.

O líder indígena da comunidade de Urucurituba, Adnelson Moraes Mura, reforçou, ao defender a demarcação da terra, que as comunidades pertencem aos seus antepassados e que há registros, como artefatos de cerâmicas, que remetem à cultura indígena, encontrados nas comunidades.

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“Lá nós temos muitas características de que nosso povo viveu lá. Então, eu acredito que essas pessoas que falam que lá não é uma terra indígena precisam estudar. […] A gente sofre ameaça de todos os lados. Eu, particularmente, saio da minha casa às 2h30 para trabalhar e sustentar a minha família. E aí eu fico com aquilo, que Deus me livre, de topar com um marginal na rua e ele tentar algo contra a minha vida. Eu me sinto ameaçado”, disse o líder indígena Adnelson Moraes Mura.

O procurador da República, Fernando Merloto Soavi, ao lado dos líderes indígenas Sérgio Freitas Mura e Adnelson Moraes Mura (Gabriel Abreu/Revista Cenarium)
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O Ministério Público Federal no Amazonas passou a acompanhar o caso depois de receber informações de que a empresa Potássio do Brasil Ltda. começou a realizar estudos e procedimentos, na região, sem qualquer consulta às comunidades. Em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Ipaam, para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil Ltda. para que suspendesse as atividades de pesquisa, na região, até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação. Nenhum dos pedidos foi atendido, segundo o órgão.

Durante a coletiva, o procurador da República Fernando Merloto Soavi explicou que muitas mentiras estão sendo espalhadas sobre a demarcação das terras indígenas, e que isso gera reação, em forma de ameaças, ao povo que vive na região Lago do Soares e de Urucurituba.

“Nós esperamos que depois de hoje diminua a tensão na região, [porque] muitas fake news foram espalhadas; e [as pessoas] entendam que não vai ter uma demarcação que vai expulsar todo mundo, assim de repente. Nós estamos em uma democracia e todos podem se manifestar, indígenas e não indígenas. Inclusive, o processo de demarcação tem o momento próprio para ser impugnado. E que a justiça seja feita. Que não tenhamos outras situações que podem deixar o Brasil em ‘maus lençóis’ no cenário internacional, como na Corte Interamericana de Direitos Humanos”, afirmou o procurador da República.

Ameaças

O líder indígena Sérgio Freitas, da comunidade Lago do Soares, revelou que o Conselho Indígena dos Mura (CIM) recebeu ameaças em forma de bilhetes. “Nosso próprio conselho indígena recebeu várias ameaças, foi deixado vários bilhetes. E nós fazemos parte do conselho, e isso também nos afeta. Já que foi deixado um bilhete lá dizendo: ‘olha, se a potássio não acontecer, alguns de vocês vai rodar’, então, eu acredito que isso seja já uma ameaça”, disse.

Em ação na Justiça, o MPF busca suspensão das atividades até que seja garantido o direito de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção N° 169 da OIT (Gabriel Abreu/Revista Cenarium)

Sobre o assunto, o procurador afirmou que, a partir das denúncias feitas pelo povo Mura, foram realizadas ações junto à Justiça para garantir a segurança dos indígenas que vivem nas comunidades.

“Nós recebemos informações de que a empresa [Potássio] estaria pressionando o povo Mura, juntamente com a polícia de Autazes, por conta que retiraram as placas, conforme decisão judicial. A empresa foi lá coagi-los e acusá-los. A partir disso, a gente fez pedidos judiciais e multas para que a empresa não fizesse mais isso. A juíza deferiu esses pedidos, depois disso, já com o pedido de demarcação do território Soares de Urucurituba”, disse.

Leia também: Empresa exploradora de minério pode ter licença suspensa após consulta do MPF a indígenas em Autazes, no AM

O procurador afirmou também que houve solicitação à Justiça para que a empresa paralisasse o Procedimento de Consulta, no local, tendo em vista discussão sobre demarcação da área indígena.

“Nós pedimos também a suspensão do Procedimento de Consulta da 169, porque não tem cabimento prosseguir com uma consulta se você está discutindo a demarcação de um território indígena, porque não cabe mineração em território indígena, no Brasil, segundo a legislação atual. Esses pedidos estão pendentes no judiciário. A Funai esteve lá, há um mês, ela está pendente de manifestação. A Funai precisa se manifestar para o poder judiciário e eu acredito que, após a manifestação, o poder judiciário federal também deve se manifestar sobre o caso”, afirmou Merloto.

Sem consulta

O MPF constatou que, desde 2009, vinham sendo realizadas pesquisas de campo, autorizadas pelo então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para a identificação das jazidas dentro da terra indígena Jauary, sem que fossem consultadas as comunidades potencialmente atingidas. O estudo de impacto ambiental do empreendimento classificou-o como de pore “excepcional” e afirmou ser “muito alta” a interferência nos referenciais socioespaciais e culturais nas comunidades tradicionais e indígenas da região.

A concordância em realizar as consultas nos moldes previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) só veio após o MPF-AM levar o caso à Justiça, por meio da ação civil pública 0019192-92.2016.4.01.3200, no ano de 2016. A ação tem como objetivo a nulidade da Licença Previa N° 34/15, emitida pelo Ipaam, a qual autoriza a realização de estudos de viabilidade ambiental para exploração de silvinita e instalação de estrutura rodoviária e portuária no município de Autazes.

A ação busca, ainda, a suspensão das atividades até que seja garantido o direito de consulta livre, prévia e informada, nos moldes da Convenção N° 169 da OIT, às comunidades indígenas e ribeirinhas, diretamente, afetadas pelo empreendimento.

Em março de 2017, um acordo na Justiça garantiu consulta prévia, a comunidades, sobre o projeto de mineração em Autazes. O protocolo de consulta elaborado pelo povo Mura foi entregue à Justiça em agosto de 2019.

O outro lado

Sobre as acusações de ameaças aos indígenas que vivem nas comunidades Lago do Soares e Urucurituba, a empresa Potássio afirmou, em nota, que não foi convidada a comparecer à coletiva de imprensa realizada pelo MPF e que teve conhecimento sobre as acusações de possíveis ameaças sofridas pelos indígenas.

“A Potássio do Brasil recebeu a notícia de que ocorreu uma coletiva de imprensa na sede do MPF-AM, em Manaus, provocada pelo Procurador da República Fernando Merloto, com participação de lideranças indígenas dentre seus convidados. Ocorre que, em que pese a Potássio não ter sido convidada a participar, teve conhecimento sobre as acusações realizadas, fortemente estimuladas e incitadas pelo procurador federal que acompanha o caso, judicialmente, não restando outra alternativa para a empresa a não ser a busca incansável por justiça”, diz a nota da empresa, assinada pelo presidente da Potássio, Adriano Espeschit.

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