Big techs são acusadas de censurar críticas ao ‘PL das Fake News’; entenda o que é o projeto

O projeto, se aprovado, estabelece a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. (Arte: Mateus Moura)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – As big techs, como são conhecidas as grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado — Google e Twitter, por exemplo — entraram na mira de órgãos de fiscalização e do governo federal após denúncias de uma ofensiva e censura a críticas ao Projeto de Lei (PL) 2630, chamado de “PL das Fake News”, que regula a internet.

O projeto, se aprovado, estabelece a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e regulamenta as plataformas com novas regras de uso para redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagem instantânea. O PL alcança empresas com mais de 10 milhões de usuários mensais no País. A votação na Câmara dos Deputados está prevista para esta terça-feira, 2.

No fim de semana, o PL 2630 entrou nos trends topics das redes sociais. Isso porque o Google inseriu um link na tela principal, intitulado “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil“, direcionando a uma página com críticas ao projeto. A empresa retirou o link na manhã desta terça-feira, 2, após a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinar multa de R$ 1 milhão por hora ao Google em caso de descumprimento de medidas cautelares impostas pelo órgão à empresa no âmbito das discussões sobre o chamado PL das Fake News.

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A jornalista da CNN Brasil, Daniela Lima, indicou que o Twitter não estava permitindo a publicação de um tuíte sobre o projeto. “Fiz a foto para escapar do algoritmo”, disse ela, ao publicar uma foto do tuíte que alegou ter sido censurado. (Veja abaixo)

Home do Google mostra link para artigo com críticas ao PL 2630. (Reprodução)

O YouTube, plataforma de compartilhamento de vídeos comprada pelo Google, em 2006, também se posicionou contra ao projeto por meio de um texto. Usuários afirmaram que anúncios foram inseridos na propaganda de vídeos.

Levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontou que o Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo anunciam e veiculam anúncios contra o PL 2630 de “forma opaca e burlando seus próprios termos de uso”. “Isso pode configurar abuso de poder econômico às vésperas da votação do projeto de lei por tentar impactar a opinião pública e o voto dos parlamentares”, consta no estudo.

Ainda de acordo com o NetLab, as plataformas estão usando todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do projeto porque o que está em risco são os bilhões arrecadados com publicidade digital que, segundo os especialistas, atualmente não possuem nenhuma regra, restrição ou obrigação de transparência.

À agência jornalística Reuters, o Twitter declarou ter passado por uma instabilidade nessa segunda, 1º, o que causou a dificuldade de alguns usuários publicarem tuítes. O Ministério Público Federal (MPF) expediu um ofício questionando o Google sobre o favorecimento de conteúdos contrários ao Projeto de Lei das Fake News

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Liberdade e transparência

O advogado especialista em Direito Digital na Amazônia Aldo Evangelista analisa que o projeto de lei tem como objetivo a liberdade e transparência da internet e que, em nenhum momento, se refere às fake news, mas à desinformação. Para ele, o termo usado para se referir ao projeto é uma forma de subentender que ele aprovaria a censura nas redes sociais.

“Taxar de PL das Fake News é para conectar no senso comum da população que é uma lei que visa censurar, e é um erro, porque o próprio texto, no artigo 1º, visa a liberdade e a transparência na internet, e várias passagens da própria lei frisam muito bem a questão da liberdade de expressão, de direitos autoriais, da sociedade geral para que seja mantido. Não há, em nenhum momento, esse olhar de censura, de controle prévio nesse projeto de lei”, explica.

O advogado especialista em Direito Digital na Amazônia Aldo Evangelista. (Divulgação)

Evangelista cita, ainda, que mesmo regulamentando liberdade e transparência da internet, o projeto deixa “furos” quanto à definição do critério do que é a desinformação e quem será responsável pela fiscalização.

“O que necessariamente vem ser a desinformação? Qual critério utilizar para saber se um conteúdo é desinformação? E esse controle vai ficar a critério de quem? Das plataformas fazerem ou vai se direcionar a algum órgão público?”, questiona. “É consenso que é preciso se discutir esse assunto nas redes sociais e que haja transparência e controle, agora como fazer esse controle é que não há consenso”.

O que diz o projeto

O projeto, originalmente apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), foi aprovado no Senado, em junho de 2020. Quando chegou à Câmara dos Deputados, o texto do PL das Fake News sofreu alterações pelo relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Caso seja aprovado na Casa, o PL deve retornar ao Senado para uma nova deliberação.

Veja abaixo os pontos do PL 2630, de acordo com a Câmara dos Deputados:

Conteúdo ilícito

O parecer estabelece que os provedores têm o dever de cuidar do conteúdo publicado: agir de forma diligente para prevenir ou reduzir práticas ilícitas no âmbito do seu serviço, com o combate a publicações que incitem crimes de golpe de Estado, atos de terrorismo, suicídio ou crimes contra a criação e adolescente.

As chamadas big techs também ficam obrigadas a criar mecanismos para que os usuários denunciem conteúdos potencialmente ilegais. E deverão ainda cumprir regras de transparência; submeter-se a auditorias externas; e atuar contra os riscos sistêmicos dos algoritmos que possam levar à difusão de conteúdos ilegais ou violar a liberdade de expressão, de informação e de imprensa e ao pluralismo dos meios de comunicação social ou de temas cívicos, político-institucionais e eleitorais.

Essas empresas poderão ser responsabilizadas na Justiça por danos causados por meio de publicidade de plataforma e pelo descumprimento das obrigações de combater conteúdo criminoso. Já os usuários afetados pela remoção de conteúdo deverão ser notificados pela empresa para que possam recorrer da decisão.

Publicidade digital

A publicidade digital deverá permitir a identificação do anunciante e do responsável pelo impulsionamento de conteúdo. Por sua vez, o usuário precisa ter à sua disposição as informações do histórico dos conteúdos publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos seis meses. Além disso, o compartilhamento de dados pessoais dos usuários para usos mercadológicos deverá cumprir as regras da Lei Geral de Proteção de Dados.

Contas governamentais

As contas das autoridades em redes sociais são consideradas de interesse público e estão sujeitas a regras específicas que garantem, por exemplo, a imunidade parlamentar. Essas contas, por outro lado, não poderão bloquear outros usuários ou restringir o acesso às publicações. A contratação de publicidade por órgãos da administração pública em plataformas deverá ser detalhada em portal da transparência.

Conteúdo jornalístico e direitos autorais

A proposta também determina que os provedores remunerem o conteúdo jornalístico e os conteúdos protegidos por direitos autorais. As regras serão determinadas por regulamentação.

Trâmite judicial

As empresas poderão ser multadas em até R$ 1 milhão por hora no caso de descumprimento de decisão judicial de remoção imediata de conteúdo ilícito, podendo a sanção ser triplicada se o conteúdo ilícito for divulgado na forma de publicidade.

Os provedores também serão obrigados a notificar o Judiciário quando tomarem conhecimento de informações que levantem suspeitas de que ocorreu ou que possa ocorrer um crime que envolva ameaça à vida.

Os conteúdos removidos pela Justiça e outros dados que permitam identificação dos usuários deverão ser guardados pelo prazo de seis meses para que sejam usados como prova nas investigações.

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