BR-319: ‘tigrões’ com Marina Silva, mas com ministros…
Marina Silva (centro) com os deputados Sinésio Campos, Alberto Neto e os senadores Omar Aziz e Eduardo Braga: discurso seletivo (Reprodução/Agências/Arte/Paulo Dutra/Revista Cenarium Amazônia)
Compartilhe:
05 de outubro de 2023
Por Paula Litaiff*
MANAUS (AM) – “Culpada”, “inimiga”, praticante de “política vesga” e dedo indicador apontado no rosto. É assim que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vem sendo abordada, “institucionalmente”, por parlamentares do Amazonas, nas últimas duas semanas, para tratar das obras da BR-319 (que liga Manaus a Porto Velho), mas a depender do alinhamento político e do gênero de quem está do outro lado da mesa, os mesmos deputados e senadores abrandam a narrativa e a expressão corporal agressiva dá lugar ao afago e recolhimento.
O termo “tigrão” – que está no título deste texto – foi usado pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR), em 2019, para dizer que o então ministro da Economia Paulo Guedes agia como “tigrão” em relação a aposentados, idosos e Pessoas com Deficiência (PCDs), mas como “tchutchuca” com a “turma mais privilegiada do País”. Em 2022, o youtuber Wilker Leão chamou Jair Bolsonaro de “Tchutchuca do Centrão”, numa coletiva de imprensa e viralizou. Considerada um termo que estereotipa a mulher subserviente, a palavra “tchutchuca” é usada para mostrar a seletividade de discursos na política.
Concluída em 1973, a BR-319 – que tem 877 quilômetros – foi trafegável por 15 anos. A partir de 1988, a rodovia começou a apresentar desmoronamento, principalmente, no trecho do meio. A estrada possui “argissolos”, que são formados por argila e fragmentação arenosa, que podem resultar em barro e lama. De lá para cá, há um impasse ambiental em decorrência das condições naturais da estrada e dos povos que vivem próximos à rodovia que foram usados politicamente.
PUBLICIDADE
Dos 35 anos em que a BR-319 está intrafegável, menos de seis anos, Marina Silva estava à frente da pasta do Meio Ambiente. Nos dois governos iniciais do presidente Luiz Inácio da Silva, no qual a ministra ficou de 2003 a 2008 e, neste ano, quando ela fez dez meses no ministério. Marina defende que a liberação ambiental da BR-319 deve ser dada sob o viés técnico e não político.
Primeiro a atacar Marina Silva no Congresso, usando o argumento da BR-319, o senador Omar Aziz (PSD/AM), é, há quase 20 anos, um agente público com poder de articulação de obras de infraestrutura. Ele foi vice-governador por sete anos, governador por quatro anos e, há nove anos, é senador pelo Amazonas.
No último dia 26 de setembro, Omar declarou que “se algum amazonense passar fome a culpa era de Marina Silva” pela não liberação da BR-319. O senador também disse que “condenava” a ministra pela não realização da rodovia que está há mais de três décadas paralisada. O discurso de Aziz foi reproduzido por mais de 20 portais de notícias de Manaus de forma orquestrada.
‘Faz favor, ministro’
Diferentemente da agressividade verbal usada para Marina Silva, o senador Omar Aziz, que fazia oposição ao Governo Bolsonaro, em 2021, pediu para o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, à época, conversar com o então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, hoje, governador de São Paulo, para fazer a BR-319, conforme matéria publicada no site BNC.
No texto, é atribuído a Omar Aziz a fala para o senador Fernando Bezerra, na qual ele diz: “Faz um favor para mim. Na próxima conversa que Vossa Excelência estiver com o ministro Tarcísio pede para ele [o ministro] fazer a BR-319, que todo mundo já foi lá e prometeu e não fez um metro ainda. Por favor”.
Um ano antes, 2020, Aziz reconhecia a complexidade da obra na rodovia BR-319 e dizia que não tinha sido procurado pelo ministro de Infraestrutura para falar sobre o assunto, com o Governo Bolsonaro fazendo quase dois anos de vigência, segundo o site BNC.
Não há informações públicas de que Omar Aziz tenha procurado ou atacado o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, no Governo Bolsonaro, sobre o licenciamento da BR-319. Ao contrário de Marina Silva, Salles defendia passar medidas “infralegais” para flexibilizar liberações ambientais, cujo discurso foi feito em meio à pandemia, com milhares de pessoas morrendo todos os dias. Salles pediu exoneração após suspeita de envolvimento em extração ilegal de madeira.
Sensibilidade x capacitismo
Assim como Omar Aziz, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) também muda a forma de tratamento para cobrar a BR-319 quando são homens que estão do outro lado da mesa. Ele tem histórico de comunicação violenta, principalmente, com mulheres, na política. Um dos exemplos foi a forma como ele cobrou a ministra da Secretaria do Governo Bolsonaro, Flávia Arruda, quando gritou com ela ao telefone para liberar emendas parlamentares em 2021.
Já com ministros homens, Braga muda o tom da voz e a estratégia de convencimento sobre a importância de ações para o Amazonas. No Governo Bolsonaro, não há informações públicas de que ele se indispôs com o ministro de Meio Ambiente sobre a BR-319. Com Tarcísio de Freitas, Braga usava a “tática da sensibilização”.
Em 2019, Eduardo Braga levou um vídeo até Tarcísio para convencê-lo sobre a importância da rodovia que liga o Amazonas a Rondônia. A ideia do senador, que mandou sua assessoria percorrer quase 700 quilômetros, de Manaus ao município de Humaitá, era mostrar a Freitas, detalhadamente, cada dificuldade de trafegar na rodovia, segundo o site BNC.
Neste ano, Braga não interpelou, agressivamente, o ministro de Infraestrutura, Renan Filho, que é do mesmo partido dele, o MDB, sobre a BR-319. A “metralhadora” de Braga foi apontada para a questão ambiental, de responsabilidade da ministra Marina Silva. No discurso, o senador usou um termo capacitista ao atribuir o imbróglio da rodovia a uma “política vesga”.
“A única rodovia federal que liga a capital amazonense a Porto Velho (RO) e ao resto do Brasil permanece intransitável, sem receber as obras necessárias, em razão da “política vesga” de alguns que impõem uma série de entraves burocráticos, principalmente, na seara ambiental”, declarou o senador Eduardo Braga.
Agressivo x recolhido
O deputado estadual do Amazonas, Sinésio Campos (PT), também cresce o discurso e o tamanho, quando vai debater a importância da BR-319 com uma mulher. Nesta quarta-feira, 4, ele impôs o dedo indicador no rosto de Marina Silva, quando ela visitava Manaus na comitiva presidencial de acompanhamento da seca no Amazonas.
A imagem de Sinésio subindo o ombro com uma expressão corporal agressiva para cima da ministra foi publicada no site BNC e políticos que acompanhavam o grupo confirmaram à CENARIUM que ele confrontava Marina sobre decisões técnicas de impacto ambiental na rodovia. Procurado, Sinésio não quis comentar o caso.
Há quatro anos, o mesmo deputado apresentava uma expressão corporal tímida e recolhida ao abordar a BR-319 com o diretor do Departamento de Navegação e Hidrovia do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes Batista, em Brasília, em um encontro solicitado por ele e outros parlamentares do Amazonas, no qual o ex-ministro Tarcísio de Freita não compareceu, conforme matéria do site Estado Político.
Ataque x afago
Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Alberto Neto (PL/AM) tem um discurso agressivo ao abordar a BR-319 com a ministra Marina Silva. Nas redes sociais do deputado, ele chamou Marina de “Inimiga do Norte” ao cobrar a BR-319, mas não foi claro nos argumentos técnicos ambientais e nem trouxe documentação que provasse que a ministra emperrava a estrada em menos de dez meses da segunda gestão à frente do Ministério de Meio Ambiente (MMA).
Com a narrativa usada pela extrema-direita para chamar a atenção de internautas em discursos prontos e sem fundamentação técnica, Alberto Neto disse que: “O povo do Norte não é um povo de segunda categoria. Nós queremos respeito, queremos investimentos e infraestrutura. Marina Silva é inimiga da BR-319”, declarou Alberto.
Em 2020, a raiva na fala de Alberto Neto sobre os argumentos da BR-319 era substituída por um olhar carinhoso e um sorriso no rosto em reunião com Jair Bolsonaro e o ministro Tarcísio de Freitas, mesmo a gestão federal não dando retorno sobre as obras da rodovia após dois anos. A reunião foi registrada no site Direto ao Ponto.
Na matéria consta que o deputado Alberto Neto tinha “alinhado pessoalmente com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que garantiu que o lote C da rodovia também será licitado, pois está seguindo todas as diretrizes de responsabilidade ambiental”. O alinhamento foi concretizado só no fim de 2022 e Alberto nunca confrontou os amigos do governo sobre a demora.
Alberto Neto também não interpelou, publicamente, o ex-vice-presidente Hamilton Mourão sobre a promessa de “comer a própria boina”, caso a recuperação da rodovia não saísse no Governo Bolsonaro (2019-2022). Nessa relação masculina, Alberto sempre usou de muito afago com Hamilton Mourão e os colegas bolsonaristas para tratar da BR-319.
(*) Paula Litaiff é diretora da Revista Cenarium e da Agência Amazônia
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.