Canadá vai bloquear conta bancária de quem participar de protestos antivacina

Manifestante em cima de um caminhão segura uma bandeira canadense durante protesto de caminhoneiros contra medidas pandêmicas, do lado de fora do Parlamento do Canadá, em Ottawa (Foto: ED JONES / AFP)

Com informações da Folha de S.Paulo

SÃO PAULO — Como parte de uma estratégia maior para asfixiar os protestos antivacina no Canadá, autoridades do país anunciaram nessa segunda-feira, 14, que os bancos terão autorização para congelar as contas de qualquer pessoa ligada aos atos. Inicialmente puxada pela categoria dos caminhoneiros, a mobilização agrupa ex-policiais, veteranos do exército e desempregados.

A medida, anunciada pelo premiê Justin Trudeau e detalhada pela ministra das Finanças, Chrystia Freeland, faz parte das ações previstas no estado de emergência nacional decretado na segunda. Com isso, o Estado terá o poder de suspender determinadas liberdades civis para manter a ordem, e um dos pontos principais é a tentativa de cortar a origem do dinheiro que tem permitido a organização dos atos.

O premiê do Canadá, Justin Trudeau, durante pronunciamento sobre o decreto da Lei de Emergência Nacional – (Dave Chan – 14.fev.2022/AFP)

“Trata-se de seguir o dinheiro e de parar o financiamento desses bloqueios ilegais”, afirmou Freeland. “Estamos avisando: se seu caminhão estiver sendo usado nesses protestos, suas contas serão imediatamente congeladas.”

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A busca pelo rastro do dinheiro foi além. O governo detalhou que acaba de ampliar as regras de combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo no país para que abarquem também plataformas de financiamento coletivo —de onde boa parte da verba usada nos protestos atuais foi coletada. Assim, todas as empresas do tipo devem informar ao Centro de Análise de Transações Financeiras do Canadá transações grandes e suspeitas.

Informações de uma das principais plataformas usadas na mobilização, a GiveSendGo, foram hackeadas ilegalmente e divulgadas para o público no final da noite de domingo, 13. A rede pública CBC, com base nos dados disponibilizados, analisou que mais de 55% das doações feitas vieram dos Estados Unidos. Alguns dos doadores listados também doaram para campanhas do ex-presidente Donald Trump.

“É hora de ajustar nosso foco. Atenuamos hoje nossas medidas na fronteira”, afirmou. “Essas mudanças são possíveis não apenas porque passou o pico da variante Ômicron, mas porque os canadenses estão escutando cientistas e especialistas e cumprindo medidas de saúde pública.”

A obrigatoriedade da apresentação de comprovante de vacina e teste de PCR negativo na fronteira foi o motivo inicial alegado pelos manifestantes há cerca de duas semanas para paralisar cidades do país e pontes na fronteira com os EUA.

Também nesta terça-feira, 15, o chefe de polícia de Ottawa, Peter Sloly, renunciou ao cargo diante de críticas pela resposta fraca da polícia local em coibir os protestos que param a capital do país.

O ministro da Segurança Pública Marco Mendicino reconheceu os serviços prestados por Sloly e anunciou que a segurança e a execução das ações do estado de emergência nacional em Ottawa serão feitas em operação conjunta entre a força policial nacional e a da província de Ontário.

A polícia de Ottawa passou a ser criticada logo no início das manifestações por não ter impedido que o centro da cidade fosse bloqueado por carros e caminhões, que entraram na terceira semana paralisando a capital do país e desestabilizando a economia local.

O efetivo chefiado por Sloly foi insuficiente diante do tamanho das manifestações, que seguiram ocorrendo sem grande resistência, a despeito do estado de emergência na província de Ontário, onde fica Ottawa, na última sexta-feira, 11.

Além dos distúrbios causados a moradores —muitos dos quais organizaram contraprotestos em repúdio aos atos—, a mobilização antivacina teve impactos econômicos, apresentados pelo governo de Trudeau como uma das principais justificativas para impor um estado de emergência incomum na história do país.

Os números atuais sugerem que somente o bloqueio da ponte Ambassador, que liga o país aos EUA na província de Ontário, causou perdas de US$ 390 milhões (R$ 2 bilhões) em comércio por dia —a via, que transporta de 25% a 30% do comércio rodoviário entre os dois países, ficou fechada por uma semana.

Outras regiões também sentiram o efeito. Coutts, na província de Alberta, que também faz fronteira com os EUA, perdeu US$ 48 milhões diariamente devido aos bloqueios. Já Emerson, em Manitoba, deixou de embolsar US$ 73 milhões por dia em atividades comerciais.

Os atos antivacina tiveram início com caminhoneiros contrários à exigência do comprovante de imunização para cruzar a fronteira com os EUA, mas expandiram suas bandeiras para criticar de forma mais ampla as restrições impostas no Canadá para conter o coronavírus. Com casos e mortes por Covid em queda, o país tem cerca de 80% da população com esquema vacinal completo.

Manifestante é detido após polícia liberar a ponte Ambassador, que conecta Windsor, no Canadá, a Detroit, nos Estados Unidos
Manifestante é detido após polícia liberar a ponte Ambassador, que conecta Windsor, no Canadá, a Detroit, nos Estados Unidos – (Carlos Osorio – 13.fev.22/Reuters)

O decreto de emergência nacional recebeu apoio de primeiros-ministros provinciais, como Doug Ford, de Ontário, mas foi criticado por outros, caso de Jason Kenney, de Alberta, segundo o qual medida do tipo poderia apenas inflamar ainda mais os manifestantes, surtindo efeito contrário ao desejado.

Entre acadêmicos da área também não há consenso. Leah West, professora assistente de estudos internacionais na Universidade Carleton e autora de um livro sobre lei de emergência nacional, explicou à rede CBC que, para que a norma seja invocada, é preciso ter certeza de que os protestos ameaçam a segurança do país.

Para ela, isso não ocorreu. “Tenho sérias dúvidas de que esta definição tenha sido cumprida. Pode-se realmente dizer que a segurança do Canadá está ameaçada por protestos em grande parte não violentos? Certamente, nossa soberania e integridade territorial não estão em risco. Tenho preocupações reais sobre falsificar os limites legais para invocar a lei federal mais poderosa que temos.”

Já Errol Mendes, professor de direito constitucional e internacional da Universidade de Ottawa, afirma que as cenas observadas na capital, na ponte Ambassador e em outros locais revelam que foi, de fato, criado um cenário para o decreto. “Há um pequeno grupo basicamente pedindo ao governo para fazer o que quiser. E isso é, sim, um problema de segurança nacional.”

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