Casos graves de malária dobram busca por atendimento em Casa de Saúde Yanomami

Unidade em Boa Vista tem capacidade para 200 indígenas, mas atende atualmente 700; força do SUS atua no local (Vinicius Sassine/Folhapress)
Da Revista Cenarium*

MANAUS – Em um primeiro dia de trabalho, profissionais da Força Nacional do SUS se depararam com casos graves de saúde de pacientes Yanomami que estão na Casa de Saúde Indígena (Casai) em Boa Vista (RR), especialmente pneumonia, diarreia e insuficiência respiratória em crianças, potencializados por desnutrição.

A Casai Yanomami, que deveria ser um espaço de acolhimento dos indígenas durante tratamentos médicos na cidade, virou um hospital improvisado e superlotado, como a Folha constatou no fim da tarde e início da noite desta terça-feira, 24.

Médica pediatra Bruna Farias, da Força Nacional do SUS, atende criança yanomami da região do Surucucu com suspeita de malária, na Casai (Casa de Saúde Indígena) em Boa Vista (RR)
Médica pediatra Bruna Farias, da Força Nacional do SUS, atende criança yanomami da região do Surucucu com suspeita de malária, na Casai (Casa de Saúde Indígena) em Boa Vista (RR) – Vinicius Sassine/Folhapress

Os atendimentos médicos são feitos principalmente pelos integrantes da Força Nacional do SUS, que chegaram a Boa Vista no fim da tarde de segunda, 23.

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A Casai tem 700 indígenas, segundo profissionais que atuam na coordenação das ações de emergência. A capacidade básica é para 200.

A ideia inicial é fazer um diagnóstico da situação dos pacientes, de forma a assegurar o retorno deles a suas comunidades na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil.

O grupo do SUS, porém, precisou dedicar quase todo o tempo ao atendimento médico dos indígenas no Casai, especialmente crianças.

Uma delas não estava na unidade por estar doente. Procurou o colo da pediatra Bruna Pereira Farias, 31, integrante da Força Nacional do SUS, quando a médica percebeu que a criança estava com febre.

A suspeita imediata foi de malária. Farias vive há anos no Acre e identifica fácil o que chama de “horário de malária”, o fim de tarde em que se manifestam os principais sintomas, como febre.

Desidratada, a criança passou a receber soro numa maca. E assim permaneceria ao longo da noite.

A integrante da Força Nacional atendeu cinco casos urgentes e duas suspeitas de malária ao longo do dia.

“O quadro de gravidade dos pacientes está atrasando o retorno deles às suas comunidades”, disse a pediatra.

A necessidade de assistência médica no Casai, por um período prolongado, foi uma das constatações da equipe da Força Nacional. O entendimento inicial é que dificilmente haverá um retorno à terra indígena no tempo hábil desejado pelos indígenas.

“Esse processo precisará ser muito cauteloso, pelas distâncias e pelo quadro de saúde dos pacientes”, afirmou Farias. “São doenças evitáveis, crianças morrem com pneumonia, desidratadas. Esse momento é de reflexão.”

Na Casai, passou a ser comum a identificação de acompanhantes de pacientes que também estão desnutridos e doentes, o que não era notado em razão da falta de equipes de saúde na unidade.

A Força Nacional do SUS existe desde 2011 e atua em casos de gravidade, como uma epidemia. É convocada por quem chefia o Ministério da Saúde.

O grupo atuou, por exemplo, na crise de escassez de oxigênio em Manaus em janeiro de 2021, quando pacientes com Covid morreram asfixiados, num dos piores momentos da gestão do governo Jair Bolsonaro (PL) na pandemia.

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Carga com cestas básicas lançadas por avião da Força Aérea e que serão distribuídas para yanomamis @Fab oficial no Twitter

Em menos de dois anos, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem 28 mil indígenas. Mais da metade das crianças está desnutrida, segundo o MPF (Ministério Público Federal). Em comunidades mais isoladas, o índice chega a 80%.

Houve escassez profunda de medicamentos para combater verminoses, com suspeitas de fraude e corrupção, investigadas pela Polícia Federal (PF). O não fornecimento dos vermífugos deixou mais de 10 mil crianças Yanomami desassistidas.

A criança com suspeita de malária atendida pela médica da Força Nacional do SUS, quando a reportagem esteve na Casai, é da região de Surucucu. Os cinco polos-base para assistência aos indígenas na região foram fechados em razão da atuação de garimpeiros ilegais, segundo Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Pontes foi designada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, para atuar na coordenação de ações a partir da declaração de emergência em saúde pública pelo Governo Lula (PT). Um decreto criou um comitê de coordenação nacional para enfrentamento à desassistência sanitária na terra yanomami.

“Com vários polos-base fechados, o retrato de desnutrição e malária está incompleto”, disse a pesquisadora da Fiocruz.

O trabalho de campo inicial, para detecção da dimensão do problema, foi feito em Surucucu, com base em indicadores de desassistência.

O plano é que a Força Nacional do SUS chegue às comunidades na terra indígena, mas ainda não há uma data para que isso ocorra, em razão das necessidades de atendimento e diagnóstico na cidade, como na Casai Yanomami, e das dificuldades logísticas para acesso às aldeias.

Um hospital de campanha será montado. Na própria Casai, o Exército ergueu tendas para atendimento médico a indígenas vítimas da desassistência em saúde.

(*) Com informações da Folhapress

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